Boom latino-americano: a literatura latina ganha o mundo

Leonardo Dutra
Blog Latinoamérica
4 min readJun 22, 2020
Acima: Ernesto Sabato (Argentina), Isabel Allende (Chile), Alfredo Bryce Echenique (Peru), Elena Poniatowska (México), Augusto Roa Bastos (Paraguai), Jorge Ibargüengoitia (México), Alejo Carpentier (Cuba); Meio: Julio Cortázar (Argentina), Mario Vargas Llosa (Peru), Gabriel García Márquez (Colômbia), Carlos Fuentes (México); Abaixo: Manuel Puig (Argentina), José Donoso (Chile), Laura Esquivel (México), Juan Carlos Onetti (Uruguai), María Luisa Bombal (Chile), Guillermo Cabrera Infante (Cuba), Juan Rulfo (México)

“O que é o boom senão a mais extraordinária tomada de consciência por parte do povo latino-americano de uma parte de sua própria identidade?” Essa frase atribuída ao escritor argentino Julio Cortázar é um resumo preciso deste que foi um dos maiores acontecimentos culturais na história da América Latina.

O boom latino-americano foi um movimento literário que teve seu auge entre os anos 60 e 70, no qual um grupo de autores, nascidos em diversos países, latinos passou a receber reconhecimento internacional por suas obras.

Olhos do mundo na América Latina

No primeiro dia do ano 1959 o ditador cubano Fulgencio Batista foi destituído do poder pelo grupo armado “Movimento 26 de Julho”. Liderada por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, a organização socialista passou a comandar o país desde então. A “revolução cubana”, como ficou conhecida, direcionou o olhar dos países mais influentes do mundo para o que era apenas uma pequena ilha próxima ao estado americano da Flórida.

Consequentemente o mundo, principalmente os países europeus, passou a observar, analisar e divulgar acontecimentos que ocorriam no até então pouco citado continente das américas Central, do Sul e o México, historicamente excluído da América do Norte por seus vizinhos de língua inglesa.

Isso possibilitou que vários países descobrissem um grupo de escritores que estava ganhando força no cenário continental. Encabeçados pelos autores Julio Cortázar (Argentina), Carlos Fuentes (México), Mario Vargas Llosa (Peru) e Gabriel García Márquez (Colômbia), diversos autores de todos os cantos da América Latina passaram a ser difundidos e admirados mundo afora.

Não há um consenso sobre qual seria o primeiro representante do movimento. Enquanto alguns estudiosos consideram como marco inicial o livro O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar, outros defendem A cidade e os cachorros, de Mario Vargas Llosa, ambos publicados em 1963.

Apesar disso, é reconhecido que o livro Cem Anos de Solidão (1967), de Gabriel García Márquez, foi o grande difusor do boom. Sucesso instantâneo, o livro vendeu milhares de exemplares em todo o mundo e colocou não apenas o escritor colombiano como toda a literatura produzida na América Latina no mapa.

Vanguarda na literatura

As principais características do boom latino-americano se encontram na inovação da linguagem através das obras lançadas neste período. O questionamento da identidade latina se encontra em vários livros, bem como debates políticos e sociais. É importante lembrar que, nesta época, houve uma grande onda de golpes militares e cerceamento de liberdades ao redor de todo o continente.

Outro atributo relevante encontrado nessas obras é a abordagem da narrativa, que funciona muitas vezes de uma maneira não-linear, ou seja, acontecimentos posteriores podem aparecer antes e vice-versa. Além disso, jogos de palavras e neologismos também são comuns nas narrativas, assim como o uso de diversas perspectivas e narradores.

O boom latino-americano também evidenciou o realismo mágico, escola literária muito importante no século XX, que deriva da literatura fantástica, muito abrangente na Europa. Neste estilo de escrita, elementos sobrenaturais se mesclam ao cotidiano e são parte do dia a dia dos personagens. Intuição e percepção sensorial aguçados surgem sem nenhuma explicação ou questionamento e o tempo passa a ser cíclico, com repetições de costumes e comportamentos.

No mundo, a América Latina se tornou um grande pólo de produções relacionadas ao realismo mágico. O maior representante é o livro já citado Cem Anos de Solidão, que retrata a geração centenária da família Buendía na pequena e solitária aldeia de Macondo. Perda de memória coletiva, chuva de flores e cortejo de borboletas atrás de um homem, são apenas alguns dos acontecimento surreais que ocorrem neste que é considerado um dos melhores livros já escritos em língua espanhola.

Identidade literária para o continente

A maior herança que se pode destacar é o estabelecimento definitivo de uma identidade literária para os autores latino-americanos que, até então, se viam apenas como discípulos dos grandes escritores europeus. As características do movimento, bem como o realismo mágico iniciado nesta época, são estudados, divulgados e reproduzidos até hoje em obras lançadas por autores do mundo inteiro.

Os principais representantes do movimento recebem até hoje um grande número de premiações e condecorações. A confirmação da relevância do boom ocorreu nos anos de 1982 e 2010, anos em que, respectivamente, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa foram agraciados com o Prêmio Nobel de Literatura, maior honraria da literatura.

O boom latino-americano se tornou um dos grandes legados da América Latina, por conseguir propiciar respeito crítico para o continente em um período turbulento. Até hoje há reflexos do que foi conquistado nesses últimos 60 anos e como disse certo momento o escritor colombiano Jorge Franco, “os ecos do boom permanecem no mundo”.

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