It’s Okay To Not Be Okay: recomeçar é possível

Resenha com spoilers do k-drama It’s Okay To Not Be Okay (Tudo Bem Não Ser Normal)

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7 min readAug 26, 2020

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Gang Tae e Moon Young

Fazia tempo que eu não assistia a um k-drama hypado, um daqueles que todo mundo está acompanhando e falando sobre nas redes sociais. Com It’s Okay Not Be Okay revivi a emoção de ver um drama super comentado, analisado e adorado pela dramaland. Ele conseguiu a proeza de unir todas as tribos, já que vi quem gostava de rom-com feliz, quem gostava de fantasia adorando, quem gostava de mistério criando teorias, quem gostava de melodrama tirando lições de vida da trama, ou seja, o drama virou uma unanimidade positiva ao longo do mês de junho e julho.

Título: It’s Okay To Not Be Okay
Título original: 사이코지만 괜찮아
País: Coreia do Sul
Episódios: 16
Emissora: tvN e Netflix

A história sobre um técnico de enfermagem e uma escritora com distúrbio antissocial de personalidade, que é popular por escrever livros infantis. Moon Kang Tae (Kim Soo Hyun) trabalha na ala psiquiátrica e é abençoado por ter uma boa aparência, inteligência, capacidade de empatia e paciência, além de ter resistência e conseguir reagir rapidamente. Seu trabalho é anotar as condições dos pacientes e lidar com situações inesperadas, como quando os pacientes brigam ou fogem. Ele recebe pouco dinheiro para isso. Ele tem um irmão autista oito anos mais velho que ele. Kang Tae conhece Ko Moon Young (Seo Ye Ji), uma escritora popular de literatura infantil. Ela tem transtorno de personalidade antissocial e é uma pessoa egoísta, arrogante e rude. (Tradução livre. Fonte: Soompi)

Ju Ri, Sang Tae, Gang Tae e Moon Young no castelo encantado

Apesar da sinopse um pouco confusa, meu feeling fez com que eu apostasse que este seria um bom drama (inclusive comentei sobre estas expectativas no post de estreias de junho), já que gostei dos trabalhos anteriores da roteirista e do diretor, além de ter um elenco pra lá de estrelar. No entanto, não consegui imaginar a profundidade que a trama ia ter e como todos os temas estariam muito bem entrelaçados, criando uma harmonia muito grande no roteiro, me deixando completamente fascinada. O trio de protagonistas Kim Soon Hyun, Seo Ye Ji e Oh Jung Se foram espetaculares e muito carismáticos, me fazendo torcer demais pelo envolvimento do casal e pelo desenvolvimento de cada um na trama. Um destaque especial para Oh Jung Se como Sang Tae, sua interpretação foi de uma delicadeza e profundidade, merece de verdade muitos elogios.

Ko Moon Young e seus livros

Literatura e ilustração: o poder terapêutico da arte

O primeiro aspecto que me deixou encantada neste k-drama foi a forte presença da literatura, através dos contos produzidos por Ko Moon Young e da literatura infantil no geral, que foi tema de vários episódios. Além de apresentar histórias já conhecidas e algumas desconhecidas (por se tratarem de contos tradicionais coreanos), a literatura infantil virou uma espécie de “coluna vertebral” do roteiro, pois os livros infantis mostravam de forma bem metafórica, mas ao mesmo tempo bem acessível, os temas sensíveis aos personagens. As histórias da Ko Moon Young fizeram com que os personagens conseguissem entrar em contanto com memórias escondidas e comportamentos não questionados.

Ko Moon Young se liberta da sua vida vazia através da produção literária, com seus livros ela extravasa emoções não trabalhadas e assim tenta resolver seus problemas internos. Com ilustrações e uma estética que lembram muito os filmes como Coraline, Noiva Cadáver e Edward Mãos de Tesoura, os livros de contos também tem histórias densas, em que os personagens vivem situações limites, com desfechos bem improváveis. Como em Criança Zumbi e o Cão Alegre, ambas contadas no drama, apesar de um certo grau de violência e um final um tanto estranho, fazem com que os leitores entrem em contato com o seu íntimo e entendam emoções e pensamentos que antes não costumavam vir à tona.

A roteirista foi muito inteligente e mostrou o poder terapêutico da literatura infanto-juvenil, em especial, dos contos de fadas. As histórias auxiliam as nos processos evolutivos, na compreensão do que esta acontecendo com si mesmo, e ainda, na resolução de forma mais saudável dos conflitos internos. Em It’s Okay To Not Be Okay é exatamente isso que acontece, tanto as histórias infantis que nomeiam todos os episódios, quanto os contos criados por Ko Moon Young mexem profundamente com os personagens.

Seja na leitura dos textos, ou nas discussões que acontecem nas aulas da escritora e protagonista, no Hospital Psiquiátrico OK, todo mundo tem contato com as diversas camadas que os contos podem ter, e de forma mais intensa ou mais leve, pensam nas próprias vidas e na sociedade em que vivem, começando uma transformação interna muito bonita. As cenas mais emocionantes são as de que Gang Tae lê as histórias de Ko Moon Young ou escuta suas aulas e começa a elaborar melhor seus pensamentos e emoções, se permitindo sentir e principalmente, repensar sua existência.

Além da literatura, a pintura e o desenho também mostram seu poder terapêutico no drama, Sang Tae consegue se comunicar com o mundo e também se sentir mais independente e capaz ao se tornar ilustrador do livro de Moon Young. Para ele, com muitas características do espectro autismo, a ilustração é uma ferramenta fundamental de comunicação e conexão com as outras pessoas. É com o mural que pinta no hospital que ele confronta seu medo das borboletas e se lembra de quem matou a sua mãe.

Retrato da família

Pais e filhos: traumas podem ser superados

Ao longo do drama, conforme Moon Young e Gang Tae vão se relacionando, começamos a ver que as famílias dos dois personagens tem grande influência em suas personalidades. Moon Young não sabe como estar num relacionamento com ninguém e não sabe reconhecer afeto e amor. Vinda de um lar muito disfuncional, com uma mãe com traços de psicopatia e um pai ausente, ela aprendeu a estar sozinha e não se apegar a ninguém. Atormentada pelo desaparecimentos da mãe e pelo afastamento do pai, ela acaba usando sua personalidade agressiva e egoísta para criar uma barreira e não ser mais machucada.

Gang Tae tem a grande responsabilidade de cuidar o tempo todo de Sang Tae. Para isso, ele anula sua própria existência e passa os dias entre o trabalho e os cuidados com irmão, sem namoradas, sem diversão, com poucos amigos, toda sua vida de resume a ser um cuidador. Ele também é atormentado pela figura de sua mãe, já que ela foi assassinada e deixou para ele a responsabilidade de ser o chefe da família, além disso, nunca se sentiu amado por ela, porque só se vê como um filho feito para cuidar do irmão. Aliás, as mães são personagens-chaves e pontos de conflitos entre o casal.

Quando começam a conviver mais, Moon Young e Gang Tae enfrentam seus traumas para poderem ficar juntos. Ela precisa aprender a amar e entender como uma família funciona, ele precisa se dar o direito de amar e ver Sang Tae como seu irmão adulto, e não como um ser que precisa de cuidados 24 horas por dia. Através do amor que sentem um pelo outro, o casal busca ferramentas, cada um da sua maneira, para superar suas infâncias traumáticas, para então se sentirem prontos para amar.

O que para mim foi muito emocionante é como todos os personagens, sejam os protagonistas, sejam os pacientes do hospital, todos enfrentam seus traumas e buscam superá-los. A cada episódio descobríamos mais de cada um, víamos suas histórias escondidas, o porquê de terem seus traumas e as diversas maneiras que os enfrentavam, buscando o seu bem-estar. Foi muito emocionante ver todo o desenvolvimento de Sang Tae, como ele enfrentou corajosamente o trauma de ser testemunha da morte da sua mãe, e principalmente, como ele acolheu Moon Young como sua irmã mais nova e fez dela parte de sua família.

Para Moon Young, Gang Tae e Sang Tae o amor foi fim e meios para que pudessem se abrir para o mundo e encontrar a felicidade. Por amar Gang Tae, Moon Young se aproximou de Sang Tae e fez dele sua família; por amar a Moon Young, Gang Tae entendeu que precisava ter uma vida e não ser apenas o cuidador de seu irmão; por amar a Gang Tae, Sang Tae se esforçou para ser mais irmão mais velho, ser independente e cuidar dele, da Moon Young e de si mesmo.

It’s Okay To Not Be Okay me mostrou que podemos nos reconstruir, mesmo quando o trauma é gigantesco, mas pra isso é preciso estar disposto a se abrir, a falar sobre as nossas feridas e a não mais esconder nossas dores para nós mesmos. Vale a pena acreditar no poder da palavra, da arte e da força interna de cada um, mas não se esqueça de que tudo é um processo, não se cobre tanto. Tudo bem você não ser normal, afinal, de perto ninguém é normal.

O que a bruxa sombria tinha roubado deles não eram seus rostos de verdade, mas sua coragem de encontrar a felicidade ❤

Link para assistir: Netflix

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vejo muitos jdramas e gosto de escrever sobre eles.