O Yin Yang de Itaewon Class

Artigo sobre o k-drama Itaewon Class

Luana Marino
blogADQSV
7 min readJul 7, 2020

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Atenção: esse texto contém spoilers da trama.

No Taoísmo, religião milenar chinesa, há um conceito que afirma que tudo no mundo, seja o que for, é representado por uma dualidade; para haver equilíbrio na natureza, ambos precisam existir e coexistir. O dia precisa da noite; o sol precisa da lua; o caos precisa da ordem, e assim por diante. Opostos que se completam são a base da famosa filosofia Yin Yang.

Yin Yang

Lembrei muito desse conceito da dualidade que mantém o universo equilibrado ao terminar “Itaewon Class”, um dos melhores dramas que vi. E antes de seguir com a análise, quero dizer que se você é do grupo dos que não curtiram a história por causa de romance, sinto dizer que você não conseguiu captar a essência do que o roteiro se propôs a passar.

Romance, aliás, está ali para cumprir a cota, como comentei com uma grande amiga. Há várias relações entre os personagens que mereceriam textos próprios, mas vou focar em duas específicas que interferem diretamente no desenvolvimento do protagonista vivido por Park Seo Joon.

Aliás, parêntese: foi tão bom vê-lo em um papel diferente de tudo o que já vi, sem desfilar o abs e ser o objeto de desejo da protagonista (e de todo o resto da Dramaland). Como Saeroyi, Seo Joon se despiu da capa de galã e deu vida a um personagem denso, com uma bondade que beira à utopia, mas ao mesmo tempo carregado de uma tristeza que dói na nossa alma. Fora que eu caí da cadeira em algumas cenas com o talento dele pra mudar de expressão só com o olhar. Atorzaço!

Sobre o drama: Itaewon Class conta a história de Park Saeroyi, que vê sua vida dar um giro de 360 graus ainda na escola. Ao defender um colega vítima de bullying, ele agride o filho do magnata coreano da indústria alimentícia Jang Dae Hee, e claro que, por conta disso, acaba expulso. Só que como desgraça pouca é bobagem, o caso ainda resulta na demissão do seu pai, que trabalhava na empresa há anos.

Para piorar (ou melhorar, dependendo do ponto de vista de quem aprecia histórias que prendem do início ao fim), o pai de Saeroyi é atropelado e morre ainda no primeiro capítulo. E quem é que vai causar o atropelamento? Sim, o filho de Dae Hee, o mesmo que foi o pivô da expulsão de Saeroyi, Jang Geun Won.

A partir daí, teremos a mais incrível história sobre liderança que já vi, porque sim, minha gente, Itaewon Class é um drama sobre LIDERANÇA. Por isso, esse texto será sobre os dois aspectos mais importantes que fizeram de Park Saeroyi um líder pelo qual você daria a vida numa guerra.

Cada um nessa foto merecia um texto próprio!

Saeroyi, o Yang

No símbolo Yin Yang, o Yin, que é a cor preta, representa calma, intuição, sombra, caos, lua, entre outras coisas. Seu oposto, o Yang, é identificado pela cor branca e simboliza energia, racionalidade, luz, ordem, sol. E para cada um dos relacionamentos que destaquei, Park Saeroyi mostrará esses dois lados.

Se eu pudesse apontar uma característica que define o personagem de Seo Joon, seria a lealdade. Ele é leal aos princípios que lhe foram transmitidos pelo seu pai; é leal a cada um dos funcionários que contratou, independente dos problemas que já lhe causaram; e é leal com seu inimigo, reconhecendo em Jang Dae Hee alguém admirável.

Sim, Jang Dae Hee é uma das peças fundamentais na construção desse Saeroyi que tanto me cativou, e mais que admiração, nosso protagonista também sabia respeitar o seu adversário. Ainda na cadeia, a autobiografia do presidente da Jangga foi o seu livro de cabeceira, e ali Saeroyi estabeleceu uma meta. Não apenas pela relação direta daquela poderosa família com os tristes acontecimentos em sua vida, mas o rapaz entendeu que para derrubá-lo, teria de seguir os mesmos passos.

Acontece que Saeroyi representa o oposto do presidente Jang. É o jovem obstinado, que não se ajoelha, que olha nos olhos, que sabe reconhecer a força do oponente, olhar para as próprias armas e identificar exatamente qual usar para contra-atacar (sem jogar sujo uma única vez). Saeroyi é luz contra trevas nesse embate, mas sabe que precisa da escuridão para seu brilho aparecer.

Na maneira de conduzir os negócios, ambos mostram o quão opostos são, embora a finalidade seja a mesma. Enquanto Dae Hee não hesita em ir atrás do melhor profissional para tê-lo em sua empresa, custe o preço que for, Saeroyi está disposto a usar o mesmo artifício — remuneração — para fazer alguém que já trabalha para ele se tornar o melhor (e vamos ver isso literalmente na prática). Quem é o certo aqui? Nesse mundo, o que alcançar seu objetivo.

Jang Dae Hee vs Saeroyi: o melhor conflito que vi em anos na Dramaland

As cenas entre Seo Joon e o ótimo Yoo Jae Myung são recheadas de diálogos inspiradores, densos, daqueles de fazer a gente pular da cadeira! Uma das minhas cenas preferidas é quando ele vai visitar o Saeroyi na cadeia. “Ele é destemido”, diz para o seu secretário, admitindo que aquele garoto desperta nele algo diferente. Sério, gente, Jang Dae Hee, para mim, já entrou para a galeria de antagonistas notáveis da Dramaland.

O embate final entre eles é épico. Épico, épico, épico, mas só chegou àquele ponto por causa da outra metade que foi crucial na vida de Saeroyi: Jo Yi Seo.

Saeroyi, o Yin

Aqui, a relação inverte. Sai o Saeroyi jovem, solar e destemido, entra o Saeroyi maduro, centrado, que precisa usar a experiência para conter o ímpeto de alguém muito mais novo e enérgico que ele. Alguém impulsivo, cheio de defeitos e moralmente contraditório frente ao nosso perfeito herói. Alguém que ele precisará ter ao seu lado até o fim.

Yi Seo (Kim Da Mi) não é a mocinha perfeita. Ela é controversa, e até admite numa conversa com So Ah (Kwon Nara) que é uma sociopata em potencial (79% de chances de ser uma, para falar exatamente o que o drama explica), mas não é má (e eu tenho argumentos pra outro texto pra defender isso!). Yi Seo é extremamente inteligente, mas é rebelde, como muitas adolescentes ricas. É livre, mas presa nos mesmos preconceitos que ainda existem na Coreia. É alguém que tem tudo, mas é vazia, em busca do sentido de sua vida.

Ame ou odeie, admita: essa garota faz toda a diferença!

Esse sentido é Saeroyi. Que nunca, repito, nunca passou pano para ela. Em todos os momentos em que precisou, ele foi o Yin de Yi Seo. E isso a transformou pouco a pouco, porque o que se espera de alguém disposto a ouvir é que haja evolução. Afinal, por que lutamos tanto por debates sobre temas que ainda são tabus e precisam ser desconstruídos? Ou será que esse discurso é da boca para fora e o nosso tribunal do cancelamento não consegue aceitar que alguém pode, sim, mudar?

Yi Seo, a imperfeita mais que perfeita para o DanBam. Não apenas pelo marketing digital que ela dominava, mas por demonstrar uma malícia surpreendente para lidar com as jogadas do mundo corporativo. Até comentei com minha irmã “É, Saeroyi, você é bonzinho e honrado demais pra esse mundo, precisa dessa maluca pra virar o jogo ao seu favor”.

Jo Yi Seo vai ser o Yang, a luz para Saeroyi, a metade que trará o equilíbrio em sua vida. A construção desse relacionamento é perfeita, aliás, para ilustrar a dualidade: ele é mais velho, ela, mais nova; ele é maduro, ela, impulsiva; ele é ingênuo, ela, maliciosa; ele é cheio de boas intenções, mas inexperiente; ela, direta e cirúrgica nos negócios; ele é um idealista; ela, pé no chão.

Há um diálogo em especial entre os dois que é o retrato de tudo que disse acima. Depois de mais um golpe de Dae Hee, Saeroyi se vê numa encruzilhada, mas parte para o discurso motivacional com seus funcionários. Só que ela é firme e cobra atitude. “O que você vai fazer?”. Ela quer uma solução concreta. Só boa vontade não vai reverter a situação (só que estamos falando de um líder de verdade, e ele dá uma cartada de mestre!). Yi Seo é, definitivamente, minha personagem preferida.

Jang Dae Hee e Jo Yi Seo nos fizeram enxergar os dois lados de um dos melhores personagens que já vi em dramas. A interpretação de Park Seo Joon, confesso, roubou completamente o meu coração. Seu espírito de liderança, sua lealdade, seus ideais são inspiradores em tempos tão sombrios, com a humanidade cada vez mais perdida. Saeroyi me trouxe um refresco durante essa quarentena que eu realmente estava precisando, e arrisco dizer que se Healer não fosse meio que hors concours em meu coração, Itaewon Class seria, facilmente, o meu drama favorito da vida. É isso.

O mundo precisa de mais Saeroyis, definitivamente!

Onde assistir: NETFLIX.

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Luana Marino
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Jornalista, revisora de textos, fã de dramas asiáticos, Bon Jovi, Game of Thrones e Fórmula 1!