Influenciadores digitais: quando a solução se torna um problema
Bastam alguns cliques em qualquer site e é fácil encontrar nos espaços destinados à publicidade uma figura muito popular: os influenciadores digitais.
Com o estabelecimento da comunicação digital, não tardou para surgir as ‘celebridades da internet’ — internautas que por motivos variados acabaram ganhando a audiência dos usuários.
Com conteúdos que variam em praticamente todos os assuntos, os influenciadores digitais ganharam a atenção do público e das marcas. Sua capacidade de engajamento é algo notável e muito desejado no mercado publicitário.
Isto não é algo inédito. O uso de personalidade para a divulgação de serviços e produtos não é novo. Há tempos, empresas contratam atores, músicos, atletas, celebridades, e qualquer outra personalidade popular para conquistar a atenção dos consumidores.
Crias de um novo padrão de consumo baseado muito mais na busca de informação do que em conteúdos apelativos, as celebridades digitais chegaram até o marketing com o objetivo de transformar a publicidade menos invasiva e mais espontânea.
A busca pela a empatia do público é um desejo infindável de toda marca. Fazer com que o consumidor se sinta conectado com o produto, em uma relação repleta de sentimento é sempre um caminho assertivo para ganhar relevância no mercado.
A vindoura era das parcerias publicitárias #ad
Com cachês abaixo de muitos artistas que figuravam entre os grandes anunciantes, os influenciadores digitais acabaram se tornando uma alternativa excelente as empresas: baixo investimento e muito retorno.
Repletos de despretensão e vivendo ‘realidades’ mais próximas aos consumidores, anunciar com tais personalidades passou a ser uma estratégia forte entre as marcas.
Era fácil encontrar grandes peças publicitárias sendo protagonizada por pessoas que antes não apresentavam o perfil elegido pelas empresas.
Porém, o que parecia ser uma parceria win-win, nas últimas semanas ligou o sinal de alerta dentre muitas equipes de marketing.
Quando a solução se torna um problema
Durante a Copa do Mundo FIFA 2018, o youtuber brasileiro Júlio Cocielo fez uma publicação do Twitter extremamente racista ao fazer um comentário sobre o jogador francês Kylian Mbappé.
O que parecia ao Youtuber somente um conjunto de caracteres qualquer, se revelou bastante problemático e logo ganhou uma intensa repercussão.
Em poucos dias, Cocielo viu seu nome ser questionado e repudiado nos mais diversos canais de comunicação. As marcas que antes o patrocinavam, logo correram para repudiar o ocorrido e tentar desassociar as imagens.
Uma das primeiras a se manifestar foi a Coca-Cola, que havia utilizando-o como garoto-propaganda para as Olimpíadas de 2016.
Em nota, a marca afirmou: “o respeito à diversidade é um dos principais valores da nossa companhia, em nossas campanhas celebramos as diferenças e promovemos a união. Manifestações preconceituosas não são toleradas. Repudiamos qualquer forma de racismo, machismo, misoginia ou homofobia”.
Simultaneamente, outras empresas foram emitindo comunicados. O Itaú Unibanco informou que “o youtuber não faz mais parte de qualquer peça de comunicação” da campanha.
A Adidas suspendeu a parceria e informou em nota que a marca “repudia todo e qualquer tipo de discriminação” e que portanto, decidiram suspender a parceria.
Julio Cocielo errou e deve sim sofrer todas as sanções necessárias. O racismo é um problema endêmico no Brasil, país que muito se esforça para negar o óbvio.
Por isso, casos como este, se podem de alguma forma trazer consequências positivas, que seja na forma de conscientização para que não se tolere situações semelhantes.
A resposta das marcas
As marcas fizeram o seu papel. Em pouco tempo, condenaram o acontecido e usaram seus canais de comunicação para tentar limar qualquer tentativa de ligação que pudesse ser feita.
Analisando do ponto de vista do marketing, é espantoso constatar que marcas tão grandes e estabelecidas no mercado, muitas vezes os maiores players da publicidade, tenham se associado a figuras tão questionáveis de forma tão displicente.
Especificamente sobre Cocielo, depois do conteúdo divulgado sobre Mbappé, vieram à tona diversos outras postagens, tão racistas quanto aquela que o condenou, que estavam disponíveis a qualquer usuário, o tempo todo.
Faz-se, portanto, o questionamento: qual a justifica para a falta de conhecimento sobre aqueles que carregam o nome da marca?
É inegável que a forma como é feito o processo de seleção de representantes destas empresas parece ser falho.
A explicação mais óbvia é que, inebriados pela popularidade e poder de venda dessas figuras, a Coca-Cola, a Adidas, e as demais, fixaram-se somente nas possibilidades de ganho e deixaram de lado as análises mais aprofundadas.
Contanto com garotos-propaganda que nunca sequer passar por um media training, as marcas ficam a mercê de pessoas que se apoiam na ‘espontaneidade’ para fazer afirmações altamente condenáveis.
Julio Cocielo não é o primeiro e muito provavelmente não será o último a carregar seus erros às marcas.
Agências, profissionais de marketing digital e demais atores que lidam diariamente com a comunicação digital têm o dever de compreender a dimensão de suas atuações e agir com veemência para suprimir comportamentos como este.
Talvez a velocidade com que as ferramentas digitais evoluíram foi muito superior à nossa capacidade de compreender as consequências das ações feitas na internet.
Por isso, que é fundamental estarmos atentos aos modismos e pensemos de forma mais racional e justa antes de abraçar conteúdos somente pelas perspectivas de ganho.