Lugar de mulher (também) é na criação

Gabriela Pastori
Blogando
Published in
4 min readNov 28, 2018

O mercado de comunicação carrega em si um imenso e incomodo paradoxo: ao mesmo tempo em que lida diariamente com mudanças, transformações e evoluções, apresenta em seu cerne estruturas arcaicas e ultrapassadas.

Todos os dias, agências, publicitários e marqueteiros extrapolam seus limites em busca da peça perfeita, da frase de impacto, da criação revolucionária.

A busca por inovações não encontra o mesmo impulso dentro das velhas organizações. Nas salas de criação, observa-se o mesmo perfil de profissionais que atuam na comunicação brasileira desde os primórdios: homens.

A pouca presença feminina

Uma pesquisa realizada pelo portal Meio&Mensagem, em 2016, fez lastimáveis, porém óbvias, constatações.

A reportagem auditou as 30 agências listadas como as maiores do país e buscou saber quem eram os profissionais líderes das áreas de criação, quantas pessoas atuavam em seus departamentos criativos e quantas delas eram mulheres.

A presença de feminina na criação destas agências era inferior a 20% do total. Em cargos de liderança, o sexo feminino apresenta um índice ainda mais pífio, menos de 6%.

Dois anos passados desde a realização do levantamento e o cenário pouco avançou.

A ‘grande’ presença feminina

Analisar números relacionados à publicidade requer sempre muita crítica e apuração.

De fato, a presença feminina na comunicação é grande e vem aumentando a cada ano.

Nos centros de formação, as mulheres são quase sempre a maioria. Nas agências, não é diferente.

Porém, números absolutos apenas mascaram e perpetuam um ambiente altamente misógino e machista.

As mulheres ainda são a maioria em cargos de atendimento ao cliente e funções operacionais, mas, como dito, estão longe de ocupar cargos de liderança, mesmo em setores que sua presença é predominante.

As justificativas para esta defasagem são longas e complexas, mas precisam ser discutidas de forma resoluta.

Um desafiador ambiente hostil

Ao observar as estruturas da publicidade brasileira, é fácil constatar que esta não é muito afeita a mudanças.

Mesmo atuando com a comunicação e tendo no diálogo seu objeto de trabalho, o ambiente das agências é extremamente hostil às mulheres.

Assédios, comentários misóginos, discriminação, mansplaining, manterrupting estão distantes de serem situações superadas e ainda ocorrem com frequência.

Com a pouca presença feminina, peças publicitárias ficam quase sempre restritas à visão masculina, muitas vezes retrograda, do papel feminino na sociedade.

Como consequência, os velhos estereótipos continuam sendo reproduzidos.

Mesmo com todos os avanços sociais em busca da igualdade entre homens e mulheres, todos os anos, infalivelmente, somos tomados por inúmeros anúncios de máquinas de lavar que, de acordo com a peça publicitária, seria o sonho de presente de todas as mães!

Isso ocorre porque os idealizadores de tais campanhas, sendo profissionais com perfis e padrões de vida semelhantes, com referências e repertórios parecidos, tendem a passar adianta os velhos clichês, mesmo que estes já não sirvam mais.

Não há espaço para mudanças.

Projeto More GRLS

Cientes da defasagem de mulheres no setor de criação das agências, duas grandes profissionais optaram por ir além do inconformismo e decidiram contribuir para mudança deste cenário.

Camila Moletta e Laura Florence idealizaram e criam o projeto More Grls, uma plataforma dedicada à divulgação de trabalhos de mulheres atuantes nas áreas de publicidade, conteúdo e design.

Camila Moletta e Laura Florence (Crédito: Divulgação)

A ideia era criar um espaço para a exposição ampla de portfólios femininos, mostrando que não falta interesse por parte delas em atuar com criação, mas sim, oportunidades.

O projeto pretende se tornar o maior mapa de talentos femininos nas áreas de publicidade, design e conteúdo para que todos possam conhecer e valorizar as criativas que, apesar de tudo, estão no mercado hoje.

Com mais mulheres na criação, as transformações irão além das estatísticas em agências.

O objetivo é também modificar as representações femininas na publicidade, já que a maneira com que as mulheres são retratadas somente irá mudar a partir do momento em que elas estejam ativamente envolvidas na elaboração das peças.

Indo além do cadastro de talentos, o projeto busca trazer empresas e agências para a discussão, para estas conheçam, reconheçam e assumam o seu compromisso com a mudança do cenário.

A presença feminina na criação e cargos e liderança é uma discussão que precisa ser feita com a participação de todos.

Os homens precisam fazer parte dessa conscientização e, junto com as mulheres, estabelecer um empenho mutuo para a construção de um ambiente de trabalho em que todas as vozes sejam ouvidas e respeitadas, e para que haja, de fato, igualdade de oportunidades a todos.

Conheça e apoie o projeto More GRLS: http://moregrls.com.br/.

--

--

Gabriela Pastori
Blogando

Cientista da Informação. Digital Planner - BANG Agência Digital. Colaboradora do @Blogando.