OPINIÃO: “Minha segunda chance e suas lições”, por Matheus Quelhas

Atlética ComArtes UFRJ
blogdobruce
Published in
10 min readJul 13, 2018
Elenco do futebol de campo posando para a foto do título do JUCS 2018. (Foto: Joaquim Lima)

29 de abril de 2017. Como a noite naquele fim de tarde em Vassouras, vinha se aproximando com algum charme meu último jogo pela Atlética de Comunicação e Artes da UFRJ. Ganhávamos por 1 a 0 da ESPM na semifinal do campo, confirmando as melhores provisões, e eu fazia uma excelente partida (modéstia nunca foi meu forte, mas isso é verdade mesmo). Acabei zagueiro, depois de lateral. E volante. E meia. E atacante. Pra quem completava 5 anos de dedicação ininterrupta a duas modalidades, o futsal e o futebol de campo, aquele momento da classificação para a final inédita se desenhava bonito. Mas ainda faltava o penúltimo jogo acabar. E como acabou…

3 de junho de 2018. Saio do vestiário, sozinho. Ao deixar, de banho tomado, aquele pequeno espaço, calçando chinelo e medalha no peito, olho à esquerda e encontro com o Gilmar — árbitro e meme vivo pelo jeito paizão e peculiar com que trata os jogadores, chamados pelo nome — que veio me dar um efusivo abraço. “Meus parabéns Quelhas, fiquei muito feliz por você. O cara fez o gol do título!” (declarou aos quatro ventos). Só ouvindo essa frase eu comecei a entender o que tinha acabado de acontecer, contra a mesma ESPM, 401 dias depois.

Eu não sou um cara de poucas palavras. Prefiro as palavras certas, antes de contar. Portanto, se tem alguém presente em cada memória dessa pequena trajetória, o nome é Rodrigo Nunes Lois. Mas tem muito mais gente boa nessa história.

31 de dezembro de 2017. Desde 2011 — o Vasco era campeão — e eu não passava um réveillon sem pensar no que seria da temporada seguinte. Eu e a (linda maravilhosa diva) Gabi estávamos começando uma vida no nosso canto e na nossa profissão. E meu último jogo havia sido aquela semifinal. 1 a 0 pra nós, excelente partida minha, humildemente (juro que é verdade). Bastou uma falta, último minuto do jogo, uma sobra do cruzamento, um drible improvável sobre mim, um cruzamento fechado, um gol no segundo pau. Vai tomar no cu, não acredito. 1 a 1.

26 de março de 2018, foi quando eu conversei com o Rodrigo sobre voltar para o time pela primeira vez no ano. Eu estava muito feliz em casa e sentindo que tinha energia para me dedicar — mas eu teria de escolher só uma. Como libriano, é foda. Angelicci já tinha me falado que o elenco estava melhor e a minha expectativa era quem sabe sair da zaga, depois de alguns anos. “Pai, eu vou ao próximo treino só pra acumular presença, se der, deu.”, falei pro Rodrigo.

Regresso ao time em grande estilo: Pouco mais de um mês depois de voltar ao elenco, Matheus levanta o troféu do JUCS. (Foto: Joaquim Lima)

Pouco mais de duas semanas estava viajando para Petrópolis, dirigindo o carro emprestado pelo Pepê, pra jogar amistoso no final de semana (duas canetas de almanaque que valeram pagar o pedágio). A chama não tinha se apagado dentro de mim e aquela despedida não podia ser do jeito que foi. 1 a 1. Depois do gol deles, jogo encerrado e disputa de pênaltis. Seria minha segunda cobrança em JUCS, a primeira no travessão, pelo futsal. Batida cruzada, deslocando o goleiro — e tirando do gol. Lembro do borrão laranja atrás do gol, a impressão de ter cruzado com o olhar da Gabi. A bola subindo. Edmundo, não resisti e pensei. Encontrei o Pepê e chorei um pouco, ainda no gramado.

17 de abril de 2018. O treino que a gente soube que pegaria a ESPM no primeiro jogo, eu não tive como pensar duas vezes. “Vou ter a minha segunda chance”. Eu e todos esses idiotas, vamos ter a nossa segunda chance. E ainda na lateral-esquerda, como eu vinha treinando, onde só joguei em 2012. Naquele treino eu falei pro Castanheira, “Voltei oficial”. Houve quem achasse que era brincadeira. “Aí sim, hein”, me disse o Léo, com sorriso escancarado. O moleque me pega pela simplicidade.

7 de abril de 2017. Semanas antes daquela semifinal, a primeira tatuagem na perna, foi na esquerda, do chute. A deusa da justiça na mitologia egípcia, Maat, equivalente ao signo de Libra. A história conta que ela pesa o coração dos homens após a morte com a pluma que carrega na cabeça, e os corações que pesarem mais, não vão para o paraíso. Não pude deixar de pensar na metáfora futebolística, na simbologia que poderia ter um dia. Mas aquela canhota tatuada acabou por mandar o sonho pra longe, e o charme com o que aquele último jogo chegava, se transformou em tristeza relâmpago. De repente era noite em Vassouras, eu havia perdido o pênalti depois de tomar o drible do gol de empate deles…

31 de maio de 2018. A segunda chance chegou, Rodrigo. A gente vai ganhar essa porra, não tem como. Enquanto a Ana filma e te pergunta do banco do carona “É o último mesmo? Tem certeza?”, você responde tranquilo que sim e dirige. Paramos em Mendes pra reforçar o café, mas a greve dos transportes freou sua vontade de comer fruta. Eu, Chico e Costa nos contentamos com café e misto quente sem queijo. Sigo o ritual boleiro pré-jogo que pede o pagode no viva-voz do celular (JBL porra nenhuma).

Ao subir a curta ladeira que dá acesso ao campo municipal de Vassouras, a sensação de que ninguém era capaz de impedir aquele acerto de contas. O Rodrigo vai pra Rússia amanhã, tu não vai deixar ele ir triste. Ele não merece. Nem você, nem ninguém. Hoje é nosso, porra.

Matheus em ação na tão sonhada revanche contra a ESPM, em 2018. (Foto: Joaquim Lima)

31 de maio de 2018, 11 horas da manhã. Nós ganhamos. E eu fui expulso. Puta que pariu! Mas eu só parei o contra ataque, não era praquilo tudo. Eu avisei que o árbitro era presepeiro. Quando acabou o jogo e eu invadi o campo pra comemorar, nosso técnico falou pra mim “Você tirou o gol deles, pensa nisso”. Poucas vezes me agarrei tanto a uma possibilidade.

1º de junho de 2018. O Rodrigo foi embora depois de uma chuva de palmas e abraços mais do que merecidos no vestiário, no seu último ato. E a identidade dele ficou comigo, na minha carteira (tá comigo até hoje; primeiro porque ele não voltou ainda da Rússia, segundo porque só vou entregar quando der o abraço de campeão que ele merece). Sem jogos nesse dia, só churrasco, drogas e pagode — a minha própria versão do paraíso prometido por Maat.

Identidade do Rodrigo ao lado da medalha de campeão do JUCS, que estão até hoje com Matheus. (Acervo pessoal)

2 de junho de 2018. Jogaríamos contra a UFF valendo uma vaga na final inédita do futebol de campo. Eu, suspenso. Só quem já jogou comigo sabe o quanto eu tento ser responsável pela equipe, de uma forma que muitas vezes me atrapalha. O quanto eu tento ser o exemplo, tão difícil na prática. Mas o que eu percebi foi que aquela segunda chance que eu tanto queria, eu já tinha tido, e que a lição agora não era mais de esperança e sim de humildade. De não duvidar por um segundo de cada irmão que eu fiz no time e confiar neles pra me permitirem jogar aquela final, que ainda não tinha vindo. Mas viria. Ver a semifinal de fora do campo foi a pior das sensações, ainda mais com as ameaças dos adversários. E o que era pra ser um pós-jogo de comemoração, acabou sendo um esporro inesquecível do Diogo no vestiário (que geraria algumas risadas depois). O importante é que estávamos na final — e seria contra a PUC, a mesma rival que eu havia enfrentado em 2013 no futsal, com título nosso.

2 de junho de 2018, noite. Apesar de termos jogado havia pouco, a expectativa que se confirmaria era de um jogo às 9 da manhã seguinte, margem muito distante da necessária pra me deixar tranquilo. Nem por isso, menos confiante. Esse ano era nosso, estava escrito sei lá onde, mas estava. Pensei naquela lição de humildade, fora da semifinal, antes de dormir. “Amanhã a única lição que eu quero é com título, foda-se o resto. Eu vou ganhar essa porra, Rodrigo”. Mas ela não tinha se esgotado.

3 de junho de 2018, 8 da manhã. Chegamos ao portão do campo, fechado. Atraso da organização, confusão da segurança, com quem tá essa chave? Minutos antes da hora do jogo e nem havíamos entrado no vestiário. Eu entrei no carro do Rapha, que estava lá comigo em 2013, e esperei muito impaciente falando qualquer besteira, até que os portões se abriram para o turbilhão de emoções que eu tanto esperei. Pensei na identidade do Rodrigo. Pensei em 2012, 13, 14, 15, 16 e 17. Hoje é meu dia.

Só que zagueiro. 3 de junho de 2018, 9 da manhã. O Diogo começou a escalação pela zaga, que seria formada pelo Pepê e por mim. Eu que não tinha treinado nessa posição nenhuma vez. Eu que tinha voltado com a expectativa de jogar mais na frente, de ajudar com gol ou assistência, voltava à zaga depois daquele vinte e nove de abril. Era a lição que continuava a bater com luva de pelica na minha cara. Abre mão da responsabilidade, Matheus.

Hoje você não é você. Você é Arthur Gomes e Raphael Cerqueira, que chegavam duas da manhã em casa às vezes duas vezes por semana, em 2012; você é Douglas O. Farias, que ia de bicicleta até a estação Pavuna, levando um galão de água, pra depois cruzar as linhas 1 e 2 do metrô, até chegar e jogar meia hora de futsal, em 2013; você hoje é Tiago Coutinho, que entrou em duas modalidades e virou símbolo, saindo pra lá de Niterói, em 2015; você é Rodrigo, que veio pra Vassouras jogar 35 minutos, prestes a cobrir uma Copa do Mundo. Hoje você é Gabriel Lamenza, que mesmo morando em Campo Grande não desistiu de entrar no time e acreditou no grupo. Você é mais que você porque você é um caráter, de Léo Achão e Biel(zinho) Menezes, que mesmo com poucas chances nos jogos, continuam comparecendo, se machucando, incentivando os outros, chorando nas derrotas e na despedida, dois dias antes. Abre mão da responsabilidade, porque hoje é pelo merecimento desses caras que a vitória vai vir.

3 de junho de 2018, apita o árbitro. A nossa primeira chance não demorou, a segunda também não, mas a bola também não entrou. O meu primeiro e segundo erros igualmente. Acho que nunca errei tanto em um jogo de JUCS, mas ela também não entrou aqui e a cada lance a nosso favor algo me dizia “vai dar”. Intervalo e 0 a 0. Mal lembro o que falamos no vestiário. Estava em outra dimensão. Incrivelmente, voltamos para o segundo tempo serenos, todos pareciam ter a mesma consciência que eu — e o mesmo nervosismo também. O jogo se arrastava e eu evitava cada vez mais pensar em pênaltis. Falta pra nós em boa posição, pela esquerda. Eu nunca subo para os cruzamentos na área, sempre fico pra marcar o contra ataque. Mas uma visão do jogo contra a UERJ (primeira vitória da modalidade no JUCS, alguns anos antes) me fez acreditar que a história poderia se repetir. Cheguei perto do Guilherme e falei exatamente o mesmo que disse pro Alex, nosso intercambista francês, camisa 10 naquela vitória: “só passa a bola da barreira”. Fiquei ao lado dos adversários pra atrapalhar a visão do goleiro, mas quando fui correr pra tentar o rebote… o chute dele bateu em mim e nem chegou ao gol. Puta que pariu, que porra foi essa? O gol não ia sair. Hoje não era o dia, de novo. Não é possível.

A pressão da responsabilidade era muito grande e eu sucumbi sim, porra, tô errado? Mas não veio o gol e continuava 0 a 0. Até que outra falta, do lado oposto e mais distante, aconteceu. Diferente da outra, subi pra fazer número, pois não achava que ela chegaria à segunda trave. Incentivei o Itália timidamente e fui pra área, num trote safado. Eu não tinha percebido ainda, mas sem responsabilidade. Não sei, mas parece que eu corri na mesma velocidade dele pra bater a falta, e quando a bola saiu do seu pé, acelerei na mesma velocidade que ela! Foi uma coisa sincronizada na minha cabeça. Eu vi ela passando pelo bolo de jogadores no miolo da área. Eu também passei por eles. Eu vi o goleiro caindo e espalmando para a esquerda. Eu vi o final da minha corrida terminar onde a bola sobrava pra mim, a centímetros da linha do gol, e meu último passo completar aquilo… tudo. Foi um borrão.

Enfim, a redenção: Quelhas tira uma selfie logo após a final, à frente do gol que o levou do inferno ao céu — onde ele perdeu o pênalti da semifinal e fez gol do título, um ano depois. (Acervo pessoal)

Corri com todas as minhas forças para o banco de reservas, abracei o Lucas Pessoa no caminho, cheguei até o Diogo e todos os idiotas que me deram a confiança pra completar essa jornada, gritamos o que era nosso por direito conquistado. Lembro de no trajeto olhar por um segundo na direção da arquibancada, porque se fossem dois segundos eu ia desabar ali mesmo. Com tudo pronto pra reiniciar o jogo, o Gerran me fala que “faltam 10”.

Pareciam uns 10 anos, mas o apito final chegou e a gente era campeão. Só consegui me ajoelhar no gramado e gastar um pouco da energia socando o chão e deixando o choro cair. Você conseguiu, justamente quando abriu mão de ser você. Você conseguiu quando passou a ser todos os de ontem e todos os de hoje, pra que ser amanhã fosse sinônimo de ser campeão. De alguma forma cheguei perto da comemoração do time, onde alguém me passa o telefone, “é o Rodrigo”. Irmão, tá feito, é nosso. Eram mais de 11 mil quilômetros, mas o silêncio do outro lado era como se cada lágrima dele tivesse caindo ali na minha frente, dentro do campo. Amigos, irmãos, dindos, idiotas… O gol pode ter sido meu, mas nunca algo foi tão nosso. Obrigado, é tudo que eu poderei dizer sempre pra todos vocês que fizeram parte disso.

--

--

Atlética ComArtes UFRJ
blogdobruce

Perfil oficial da Atlética de Comunicação e Artes da UFRJ no Medium.