71% das publicitárias nordestinas já sofreram assédio no trabalho, e você tem tudo a ver com isso

Pesquisa inédita da agência paraibana Tagzag demonstra que a publicidade ainda é um ambiente extremamente machista

Patrício
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Um dia desses, conversando com o pessoal da criação sobre machismo, eu afirmei que vivíamos numa bolha onde estávamos de certa forma protegidos. Eu me referia ao fato de as agências terem ambientes compostos primordialmente por pessoas com mais esclarecimento — fato que, segundo minha tese, coibiria casos de machismo e racismo, por exemplo.

As mulheres presentes na ocasião não falaram nada, mas percebi que não concordaram nem um pouco com minha afirmação.

Dias depois, uma das mulheres da Criação enviou pro grupo que temos no Whatsapp essa pesquisa que mostra que 71% das publicitárias nordestinas já sofreram algum tipo de assédio no ambiente de trabalho. Junto com o link, veio a legenda:

"Essa bolha inexistente nas agências."

Essa situação que narrei é emblemática: eu, homem, vivo sim dentro de uma bolha, não importa em qual ambiente esteja. Estou protegido, tenho poder de fala e gozo de privilégios. E sabe o que é pior? Essa bolha em que vivo faz com que eu pense que a vida de todo mundo ao meu redor é assim. Como a pesquisa demonstra, eu estava bem enganado.

Dados contundentes mostram uma realidade cruel com as publicitárias

A ação Esse Case É Foda é uma iniciativa da agência paraibana TagZag. Através de formulários aplicados pela internet com a participação de publicitárias de todo o Nordeste, a pesquisa mapeou o machismo nas agências de propaganda nordestinas, comprovando que a publicidade não é muito diferente do resto do mundo: o machismo existe, é corriqueiro e causa danos irreparáveis também dentro das agências.

Os dados impressionam. Vamos a eles:

  • 81,3% se sentiram julgadas pela aparência
  • 85,8% já souberam de casos de assédio envolvendo uma colega de trabalho
  • 50,3% declaram que são constantemente interrompidas em reuniões só por serem mulheres
  • 71% já sofreram assédio no ambiente de trabalho

Os dados são contundentes e revelam uma naturalização do machismo nas agências. Esse assunto já tinha sido abordado há uns anos, quando publicitárias paulistas criaram o tumblr Liga das Heroínas para compartilhar histórias de assédio sofridas em agências.

O tumblr, inclusive, traz dois dados cabais para compreender a extensão do problema:

  1. Ausência de mulheres como CEO de grandes agências brasileira;
  2. Ausência de mulheres entre os publicitários mais famosos do Brasil.

A pesquisa da TagZag endossa o que o Liga das Heroínas já vinha mostrando. E vai além. No hotsite da campanha é possível ter acesso a mais números da pesquisa, além de compartilhar resultados através de posts personalizados.

Também é possível baixar cartazes que imitam propagandas machistas para que você próprio faça suas intervenções nas artes. A ideia é que as pessoas rabisquem os cartazes com dados da pesquisa ou mensagens antimachismo e espalhem em seus ambientes de trabalho.

Cartazes para baixar e intervir: peças que imitam propagandas machistas podem ser baixadas no hotsite da campanha para você criar intervenções em cima delas

Aqui na agência as meninas se uniram e compuseram uma arte muito criativa. Uma prova de que a campanha atingiu em cheio sem target e está conseguindo levantar a discussão que pretendia. Ou seja: case. Sem sombra de duvidas.

Intervenção de Carol Leite, Raquel Medeiros e Juliana Lisboa (todas da Blackninja) sobre a arte da campanha da TagZag: ação criativa que comprova que a campanha atingiu em cheio o seu target.

Mas como podemos mudar essa realidade?

Olha, não tem receita de bolo para combater o machismo, mas tenho aprendido algumas coisas preciosas. A primeira delas é: ouça as mulheres. Mas ouça de verdade, sem condescendências e sem achar que e o melhor homem do mundo por fazê-lo. Apenas ouça.

Só elas podem dizer o que realmente éofensivo e o que não é, quais atitudes são desastrosas e quais não são.

Esse exercício de humildade é valioso para nós, homens. E já quebra um dos pilares do machismo, que é a ideia equivocada de que o homem está sempre certo.

Segundo João Saraiva, diretor de Criação da TagZag:

"A primeira etapa da execução era a mais importante: fazer a pesquisa anônima, só com meninas. Então, pra que o protagonismo fosse delas, vi os dados depois que as meninas deram os resultados. Ler aquilo embrulha o estômago, sabe? Esta campanha é isso. Um tapa na cara de quem vê, mas também de quem fez. E o mais transformador é perceber que nossa indústria pode sair na frente desse mea culpa. E inspirar cada segmento a fazer o seu."

Conversei também com Carol Crozara, head of digital daTagZag. Segundo ela:

"O objetivo da campanha era trazer a discussão para dentro das agências e o primeiro passo foi dado: fazer as próprias agências olharem para dentro e repensarem seus ambientes. Somos nós que produzimos o material que acaba impactando a sociedade como um todo. Se estamos em um ambiente tão machista, a publicidade acaba refletindo isso"

Está mais do que claro que a responsabilidade em quebrar o ciclo de machismo, e os danos que ele causa, é de todos nós.

Ainda é impressionante a quantidade de piadinhas machistas que essa campanha desperta. Mostrei a diversos amigos meus e os comentários, ainda que inocentes, refletem bem a mentalidade corrente nas agências: o machismo impera até quando racionalmente sabemos que é errado.

Mas a verdade é que o mundo sem machismo é mais justo, mais amigável e mais produtivo para todos. Homens e mulheres só têm a ganhar. Mas as ferramentas de sustentação dessa ideologia arcaica são tão fortes que precisamos de muita paciência e ação para vencê-la.

Neste sentido, é lindo ver mentes criativas empenhadas em fazer algo que realmente pode mudar o mundo. Parabéns a todas e todos da TagZag

Gostou? Então bate palmas 👏 aí embaixo pra esse texto ser visto por mais pessoas.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.