A Cega Natureza do Amor

Contos | 2ª edição | 2016 | 190 págs

Patrício
Blog do Patrício

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Um padre que engravida. Uma esposa que tortura diariamente seu marido. Uma mulher que enlouquece à espera do retorno do seu grande amor. Uma transexual que deve decidir se faz finalmente a última grande mudança.

A segunda edição de “A Cega Natureza do Amor” traz os 13 contos da edição originalmente publicada em 2008 + 5 contos inéditos. São histórias que mostram o amor em suas diferentes facetas, desde o romântico até o platônico, desde o fraternal até o repulsivo.

Histórias de amores diversos e personagens extremos, que revelam sua paixão pela vida das mais inusuais maneiras.

O de sempre

Conto inédito da 2ª edição de “A Cega Natureza do Amor”

Olharam-se naquele almoço de negócios. Mas ele com a esposa aguardando em casa. Mas ela com o marido chegando de viagem. Continuaram se olhando sem saber exatamente o porquê, mas ao mesmo tempo sabendo tudo — bem-vindo arrebatamento do que ainda não adivinhavam. Sabiam realmente, com a exatidão do modo empírico, apenas daquelas coisas que só quem viveu pode reconhecer. O ronco sem glamour, a porta aberta do banheiro, a toalha molhada sobre a cama, o feijão com muito sal, o mesmo. O de sempre, o de sempre, o de sempre. De todos os dias. O mesmo. Continuaram se olhando. Veio a entrada, as discussões sobre os índices financeiros, mais gerentes sentando. E o olhar. Que dizia coisas como preciso do teu oxigênio, que berrava coisas como me tire dessa vida. Só quando veio o prato principal, trocaram as primeiras palavras. Pode me passar o sal? Sim, pois não. E mais nada. Apenas os olhares se chocando de vez em quando, o chefe de um rindo da piada sem graça do chefe do outro. O de sempre, o de sempre, o de sempre. E os olhos-oásis salvando da sequidão com a rutilância. Sentiram vontade de iniciar uma conversa paralela, quem sabe comentar a elegância do local, ver se dali a conversa evoluiria. Mas o celular dela tocou exatamente na hora do dele. Era o marido. Era a esposa. Para ele: estou um pouco ocupada agora, posso te ligar mais tarde, amor? Para ela: certo, certo, depois nos falamos, querida. Desligaram. E se olharam. E nesse momento foi a confirmação. Notavam-se, estudavam-se, precisavam-se. Ela pediu licença, pegou a bolsa, caminhou lentamente até o banheiro. Sentia-se viva. E era tão forte a sensação que cambaleou pelas paredes do toalete, apoiou-se na pia, as mãos suadas, as pernas trêmulas, o corpo em carne viva. Desejando que ele abrisse a porta do banheiro e tomasse-lhe o maior de todos os beijos. Um beijo com sabor de vida. Retocou o batom, ajeitou os cabelos, uma mulher pronta para a guerra. E quando retornou à mesa com a certeza da vida invadindo as artérias, desobstruindo caminhos, pulsando em desejo, ele não estava mais. Sentou-se calada. E triste. E quase chorou, é verdade, quase chorou. Porque a vida passa por nós tão rápido que… Veio a conta, o café, as últimas considerações. E ninguém falava mais nada sobre ele, onde estaria, porque se foi. Levantaram, recolheram os pertences, frios dois beijinhos, gelados apertos de mão. O de sempre, o de sempre, o de sempre. Quando já se retiravam, o garçom trouxe um bilhete. Você fica linda apoiada na pia.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.