Batman: A Piada Mortal

Adaptação da HQ para o cinema mantém controvérsias e acrescenta polêmica

Patrício
Blog do Patrício

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Esta semana um fato inédito sacudiu o mundo dos quadrinhos. A animação Batman: A Piada Mortal, adaptação da clássica HQ de Alan Moore e Brian Bolland de 1988, ganhou exibição em sessão única em diversos cinemas do mundo. No Brasil mais de 25 salas exibiram o longa.

A ousadia da DC Comics em cometer este ineditismo tem uma explicação: a HQ é realmente um marco não só no batverso, mas em todo o mundo dos quadrinhos. Com um roteiro cercado de controvérsias, a história original trouxe à tona alguns danos irreversíveis ao Batman e aos seus companheiros, com demonstrações de violência (física e psicológica) até então inéditas nas revistas de super-heróis.

Adaptada pelas mãos do roteirista Brian Azzarello com direção de Sam Liu, o longa tenta manter o impacto do material original — muito embora chocar a audiência seja algo bem complicado nos dias de hoje. Para tal missão, a equipe teve que ir um pouco mais longe do que a década de 80 permitia. O resultado é discutível. Mas tão controverso quanto o material original.

A sinopse é bem simples. Numa Gotham já marcada pela morte do Robin, Batman e Bargirl se unem para lutar contra o crime organizado. Em meio à perseguição de chefões da máfia, os dois vigilantes são surpreendidos pela fuga do Coringa do Asilo Arkham. Cientes de que o palhaço do crime não está para brincadeira, todos esperam o pior. E a onda de terror que o vilão espalha por Gotham é algo sem precedentes, que vai marcar a história do Batman, da Batgirl, do Comissário Gordon e do próprio Coringa para sempre.

ATENÇÃO: A PARTIR DAQUI TEM SPOILERS

Um dos acertos do roteirista Brian Azzarello foi aumentar a participação da Batgirl. No primeiro arco da história, somos apresentados a uma jovem independente e corajosa, que faz de tudo para ajudar o Batman em sua luta contra o crime.

O grande porém é que Barbara Gordon é indisciplinada, e reluta em aceitar as ordens de Batman — em alguns momentos isso lembra muito a relação de Batman com os diversos Robins, e chega a incomodar: a Batgirl nunca foi retratada como a pupila rebelde que quer provar seu valor ao mentor, e esse novo aspecto da sua personalidade torna a personagem um pouco irritante.

Mas Brian Azzarello, assim como a DC Comics, estão atentos às mudanças do mundo. E muito rapidamente, elementos de sexismo e machismo são trabalhados na história, mostrando que nem mesmo a Batgirl está imune a esses males da sociedade.

Paris Franz, o gângster que fica obcecado pela super-heroína, assume todas as facetas do homem dominador: age com declarada obsessão sexual e total anuência dos seus companheiros, faz piadas machistas o tempo todo e não sente nenhum constrangimento ao ordenar que uma prostituta ponha uma máscara semelhante a da Batgirl antes de iniciar o programa. Em dado momento, o próprio Batman chega a usar uma palavrinha que em 1988 dificilmente estaria no vocabulário de um macho-alfa como ele: com todas as letras, ele alerta que Paris está objetificando a Batgirl.

Este arco se encerra com a aposentadoria da Batgirl após a cena mais polêmica do longa. Uma cena de sexo entre a Batgirl e o Batman. Algo que não está no material original, mas que sempre foi insinuado dentro do batverso. Quem assistiu ao desenho Batman do Futuro deve lembrar que a Comissária Gordon, uma aposentada Batgirl, certa vez explica que todos pensavam que seu grande amor era o Robin, mas na verdade era o Batman. Pois bem, Azzarello teve coragem de transformar o que eram apenas insinuações em uma cena picante em que os vigilantes de Gotham se entregam ao sexo casual.

É a partir da aposentadoria da Batgirl que entra o Coringa. Obcecado em provar um argumento, o vilão foge do Asilo Arkham, sequestra o Comissário Gordon, atira na coluna da Batgirl e assim altera todo o mundo do Batman. Com este atentado, Barbara Gordon fica permanentemente paraplégica (e isso nos quadrinhos de 1988 foi um verdadeiro soco no estômago de todos os leitores).

A cena, embora icônica, não foi bem trabalhada no longa. E o impacto da violência acaba sendo um décimo do que foi na HQ. Infelizmente, faltou punch pra transportar para a tela a força do momento. Ainda que funcione dentro da narrativa.

Demora para entender o plano do Coringa, mas finalmente compreendemos tudo: torturando psicologicamente o Comissário Gordon, ele quer provar que basta um dia ruim para um homem comum enlouquecer. Porque é justamente isso que acompanhamos nos flashbacks que contam o passado do Coringa: um homem comum que perdeu a esposa, sofreu um acidente químico e se transformou no maior monstro de Gotham.

As cenas da tortura são leves demais para o efeito que queriam causar. Mesmo quando fotos de Barbara nua e baleada são exibidas ao comissário, o diretor do longa nos poupa da violência gráfica. E isso é ruim. Devia ter pesado mais a mão. A história pedia isso.

Ao final, temos o mesmo desfecho dúbio da HQ. Diante do Batman, o Coringa reclama que ele nunca ri. E então conta uma piada. Os dois estouram em gargalhadas, o Coringa coloca a mão no ombro do Batman, o Batman inclina o corpo pra frente e a câmera desce para seus pés. Então a risada do Coringa cessa, mas a do Batman continua. Fica a dúvida: Batman matou o Coringa?

Com mais acertos do que erros, A Piada Mortal não se tornará o clássico que a HQ se tornou. Mas é um interessante esforço da DC em apresentar o rico universo do Batman a uma nova geração. Se valeu o ingresso? Para os fãs, como eu, certamente.

DE ZERO A DEZ: ★★★★★★★✩✩✩

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.