Batman v Superman — Dawn of Justice ULTIMATE EDITION: a versão do diretor que consertou tudo

Os 30min que ficaram de fora do corte exibido nos cinemas fizeram muita diferença na versão do diretor. E transformaram um filme confuso com trama frouxa numa história fluida e muito bem amarrada.

Patrício
Blog do Patrício

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ATENÇÃO: CONTÉM MUITOS SPOILERS. MUITOS MESMO. EU TÔ FALANDO SÉRIO. TEM SPOILER ATÉ NÃO ACABAR MAIS.

nos primeiros minutos de Batman v Superman: Dawn of Justice Ultimate Edition (2016) uma coisa fica evidente: a bagunça foi consertada. Anunciada dias depois de o filme original estrear no cinema, essa versão do diretor foi encarada como uma tentativa desesperada de remendar as coisas. Afinal, o BvS original, aquele que foi pros cinemas, dividiu opiniões e não causou o Efeito Marvel que a DC e a Warner esperavam — ou seja, não cumpriu a contento a missão de expandir o Universo Cinematográfico DC (UCDC) e deixar todo mundo louco para ver qualquer filme que eles lançassem.

Depois da má repercussão, DC+Warner anunciaram mudanças de planos: o filme da Liga da Justiça, planejado para ter duas partes, foi condensado em uma só. Todo mundo temeu pelo pior. O UCDC parecia estar caindo em um buraco negro. Aí chegou o blu-ray com a versão do diretor de BvS. E uma luz surgiu no fim do túnel.

Nas primeiras cenas, uma coisa fica muito evidente. Os 30 minutos adicionais que o diretor Zack Snyder prometeu não se concentram apenas em cenas novas. Pelo contrário. O grosso do material inédito serve para complementar cenas que já estavam no filme — ou seja, Snyder aumentou cenas já existentes, mostrando que desde o início aquela era a história que queria contar. Tudo fica muito mais fluido e compreensível. E divertido.

Você convidaria esse trio para um open bar? Lex Luthor convidou

A primeira vez que dá pra sentir esse upgrade é na cena em que Lois Lane (Amy Adams) aparece no deserto. Antes apressada e picotada, quase em linguagem de videoclipe, agora a sequência está lá completinha, conforme mandam os manuais de roteiro.

Você entende desde o início o que a repórter está fazendo naquele fim de mundo, quem são os caras nas motos, quem são os caras a cavalo, quem é o fotógrafo que se apresenta como Jimmy Olsen. Tudo muito claro — o que, ao contrário do que se pode supor, torna a história ainda mais interessante.

O filme caminha de um jeito menos caótico, sem aquela sensação de desterro que a versão original causava — aquela sensação de what the fuck que cada cena nova criava na cabeça, fazendo a gente perder os detalhes deliciosos dessa produção pra se concentrar em entender o que estava acontecendo na tela. Agora não mais. Agora tudo vai se encaixando de uma maneira orgânica.

Quase dá pra ouvir os executivos da Warner esbravejando para Snyder cortar meia hora de filme a fim de torná-lo mais comercial. “Ninguém vai ficar no cinema durante três horas pra ver isso”, eles devem ter dito, “Corte trinta minutos no mínimo!” Não sei se foi realmente isso que aconteceu, mas quando assisti às cenas completinhas, evidenciando que tudo já estava gravado e pronto pra ganhar aquela edição, foi impossível concluir outra coisa.

Lois Lane (Amy Adams): de mocinha em perigo a heroína destemida graças a alguns minutinhos a mais de filme

A trama que mais ganhou com o acréscimo foi justamente a de Lois Lane (uma segura e carismática Amy Adams). Através das cenas adicionais, acompanhamos sua investigação sobre a emboscada que sofreu no deserto. E vamos, a cada descoberta dela, entendendo melhor como o maquiavélico plano de Lex Luthor (Jesse Eisenberg) foi jogando gradativamente Batman contra Superman, e vice-versa.

Foi um erro grave ter cortado essas cenas do filme original. Sem elas, o big plan do vilão pareceu capenga e forçado — isso sem falar que a interpretação meio idiotizada de Jesse Eisenberg para Lex Luthor só contribui para tudo parecer apenas uma birra de menino mimado.

Lembro de ter saído do cinema sem saber ao certo como o vilão conseguira aquilo tudo de uma hora pra outra. Manipular o inteligentíssimo Batman, peitar o poderosíssimo Superman, criar o invencível Doomsday, e tudo isso sem uma explicação clara, acabou virando uma forçada de barra daquelas. Agora, com esse novo corte, compreendi todo o plano, todas as etapas, cada um dos estágios até o ato final. E tudo realmente se encaixa.

Vale ressaltar que Amy Adams ganhou muito com as cenas adicionais: o personagem se tornou mais crível, com motivações bem claras, no que já considero a melhor Lois Lane de todas — a busca da jornalista pela verdade dos fatos em nenhum momento soa como um capricho egocêntrico só para ganhar o Pulitzer, como me lembro muito bem de pensar sobre a mocinha dos filmes do Superman dos anos 80.

Superman (Henry Cavill): o peso de ser um Deus quando se é apenas um cara legal

Mas não foi só Lois Lane que se beneficiou. Todos os personagens-chave, de alguma maneira, cresceram quando o ritmo da história se tornou menos agoniante. O Superman (Henry Cavill), por exemplo, deixou de ser um penduricalho exótico para se tornar alguém. Com sentimentos, com defeitos, com necessidades.

Não é exagero: no filme original, Superman é um coadjuvante de luxo — aparece pouco, quase não fala, mas a história toda gira em torno dele. Chegou um momento que pensei: “pera, calma, porque tudo gira em torno de Superman e ele quase não aparece?” Pois bem, Snyder consertou isso. Tanto Superman como seu alter ego, Clark Kent, ganharam cenas adicionais que elucidam muito bem suas motivações e seus medos. A investigação que Clark Kent empreende em Gotham City sobre o Batman, por exemplo, é peça-chave para entender a rivalidade entre os dois heróis.

Pois é, aí vem o Batman. Ben Affleck já tinha mandado bem como o Cavaleiro das Trevas (o que não é pouco, considerando a excelência do Batman de Christian Bale), mas nessa versão seu personagem ganha ainda mais profundidade.

A investigação de Clark Kent revela, por exemplo, porque o Homem-Morcego marca a ferro quente os bandidos de Gotham — uma coisa que foi explicada em centenas de artigos na internet, e que já era de conhecimento dos leitores assíduos da HQ, mas não estava explicada no filme.

Agora sim: Clark se choca ao descobrir que os bandidos queimados pela marca do morcego são sumariamente assassinados na prisão, o que transforma Batman num justiceiro implacável que assume o papel de polícia, juiz e executor de Gotham. Mais fácil entender agora por que Superman acha que deve deter o Cavaleiro das Trevas, não é?

Batman (Ben Affleck): justiceiro implacável que se acha acima da lei ou apenas um cara que se adaptou ao mundo?

Quando surgem Bruce Wayne e a sua visão do futuro, não dá mais um nó na cabeça. No filme original, esta foi uma das passagens mais confusas. Era sonho? Era premonição? Eram dorgas, manolo? Tudo bem, eu tinha entendido— mas temo que apenas porque já sabia que Flash apareceria trazendo notícias do futuro.

Agora, está mais claro que nunca. O vislumbre do futuro, com um Superman tirano e implacável devido à morte de Lois, é o estopim para Bruce Wayne achar que deve deter o Homem de Aço. Num diálogo com Alfred, que estava todo picotado na versão original, Bruce Wayne deixa claro para seu mordomo que acredita ser uma questão de tempo até que o Superman se volte contra a humanidade.

E aí a mágica do cinema acontece: com uma história mais fluida e mais organizada, fica bem fácil se entregar à suspensão de descrença e acreditar que dois heróis icônicos, famosos por seus rígidos códigos de conduta, iriam sair no tapa por causa da armação de um nerd com sérios problemas de autoestima.

Quando a pancadaria realmente começa, a gente acredita. Simples assim.

Mulher-Maravilha (Gal Gadot): Não sei o que dizer, apenas sentir ❤❤❤

Mulher-Maravilha (Gal Gadot) continua sendo um dos pontos altos do filme, mas ganhou pouquíssimas cenas adicionais. Mesmo assim, a fluidez da história fez bem à Diana Prince: a personagem brilha mais uma vez com seu charme e sua segurança em meio a tantas mulheres fortes .

(É preciso registrar aqui que o sorrisinho maroto que a Mulher-Maravilha solta ao cair no chão após uma porrada do Doomsday é um dos maiores acertos de todos os tempos dos filmes de super-heróis. É justamente nesse momento que você pensa: essa mulher é muito fodona.)

Esse sorriso…

A trama da Mulher-Maravilha, portanto, se encaixa com maior naturalidade ao resto da história — e isso é um grandessíssimo mérito, porque já na versão original a personagem de Gal Gadot chamava muita atenção. Quando Diana Prince abre os arquivos da LexCorp que revelam a existência de outros meta-humanos, portanto, o momento-chave para o UCDC não soa como mais uma forçada de barra apenas para introduzir um universo compartilhado.

Na versão original, fiquei com essa sensação: podia retirar aquela cena, sem citar essa bobagem de meta-humanos, que a história não sofreria nenhuma alteração. Agora é diferente. O filme passou a ser todo sobre este momento — sobre meta-humanos montando um exército, descobrindo seus papéis na humanidade e entendendo o que é ser um super-herói.

Namore com alguém que olha para você como Bruce Wayne olha para Diana Prince

A atitude da Mulher-Maravilha, aliás, reforça esse subtexto: hesitante em se revelar à humanidade, agindo nas sombras com uma motivação extremamente individualista, Diana Prince é a prova de que o filme se passa num mundo em que o conceito de super-heroísmo cunhado pela Marvel não existe.

Ninguém disse para Batman ou para Superman que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Dessa forma, a descoberta de novos meta-humanos e a possibilidade de se unir com um propósito maior é o grande aprendizado que os três personagens principais devem fazer em sua caminhada: Batman, Superman e Mulher-Maravilha, cada um à sua maneira, precisam compreender o que representam para o resto do mundo e seguir em frente rumo ao que será a Liga da Justiça.

Esta sim é uma grande premissa para um universo cinematográfico. Me instiga ver Batman, Mulher-Maravilha e Superman (e também Flash, Ciborgue, Aquaman, Laterna Verde) nesse mundo que acaba de descobrir a existência de seres superpoderosos que não se encaixam na dualidade do bem e do mal: o UCDC cresce, portanto, nessa zona cinzenta que é bem diferente da Marvel — aqui não tem super-herói e supervilão, aqui há meta-humanos agindo conforme suas motivações. E isso é bem instigante.

Kahina Ziri (Wunmi Mosako): onde estavam com a cabeça para cortar as cenas dela na versão original?

Como disse antes, o filme está cheio de mulheres fortes. E os minutos a mais serviram para reforçar isso. A senadora Finch (Holy Hunter) e Martha Kent (Diane Lane), por exemplo, se beneficiaram com a versão estendida. Estão mais críveis, mais carismáticas e com preciosos segundos a mais de tela que mudaram a posição das personagens: não são mais marionetes jogadas de lá pra cá à mercê dos acontecimentos, mas sim agentes ativos no andamento da história. Só a coitada da Mercy (Tao Okamoto) que continua entrando muda e saindo calada. Se falou, não percebi.

Outros coadjuvantes também ganharam mais espaço. E suas participações ampliadas servem muito bem para que a história se encaixe com mais naturalidade. Os destaques vão para Walace Keefe (Scoot McNairy), o ex-funcionário da Companhia Wayne que acaba se voltando contra o Superman; Knyazev (Callan Mulvey), o capanga de Lex Luthor que quase dá cabo da vida de Martha Kent; e Kahina Ziri (Wunmi Mosako), a mulher que testemunha contra o Superman na comissão do Senado.

Sobre esta última, um parêntese: sua participação estendida também é essencial para compreender os planos de Lex Luthor, tão essencial que fez com que eu me perguntasse: onde estavam com a cabeça pra cortar isso da versão original?

Lex Luthor (Jesse Eisenberg): ainda tô em dúvida se gostei ou se odiei

Então chegamos no Lex Luthor de Jesse Eisenberg. Olha, não sei o que dizer. Minha perspectiva sobre o personagem não mudou muito da versão original para essa — muito embora agora, com a explicação mais clara sobre seu big plan, ele me incomode menos.

O grande problema é o tom. Não sei se gosto desse quê de lunático que Eisenberg deu para Lex Luthor. As risadinhas sem propósito, o tremelique nas mãos, aquela coisa meio Mark Zuckerberg — bem, tudo isso me deixa em cima do muro.

Com as cenas adicionais, porém, dá pra compreender sua evolução: antes parecia meio mágica a forma como Lex sabia de tudo; agora a gente compreende que o acesso à nave kriptoniana caída no meio de Metrópolis é o empurrão que faltava para disparar sua insanidade.

Imagina o grupo de Whatsapp deles: “Acordei SUPERmal.” / “Pois eu tô uma MARAVILHA. / “Em mim BATeu agora, hihihi”

Uma coisa é inegável: sem aquela confusão de antes, que fez com que eu assistisse o filme duas vezes sem conseguir relaxar, agora é possível curtir mais a história. A ausência das cenas superpicotadas e dos diálogos frenéticos sobre um trilha sonora retumbante acabam dando a possibilidade de prestar atenção em detalhes preciosos que têm muito significado.

Agora dá pra perceber, por exemplo, que Lois Lane é o Deus Ex Machina da história: ela chega ao local do confronto entre Batman e Superman bem no momento em que o Cavaleiro das Trevas está para desferir o golpe mortal no Homem de Aço. Com apenas algumas palavras, ela elucida toda a trama da rivalidade entre eles e leva a história ao próximo ato. Num filme que fala sobre super-heróis que são idolatrados como divindades, não deixa de ser irônico que o papel de Deus Ex Machina caiba a uma humana.

Outro detalhe legal que percebi é a rivalidade natural entre Gotham City e Metrópolis, cidades vizinhas separadas apenas por uma baía. No corte original, tomei um susto quando a informação de que as cidades eram vizinhas caiu do nada na hora da batalha contra Doomsday. Nessa versão do diretor, isso fica claro desde o início. Inclusive, através de uma partida de futebol americano transmitida pela tevê, ficamos sabendo da rivalidade antiga entre as duas cidades (e apreciamos o detalhe da produção que coloca o time de Gotham com uniforme preto e amarelo, enquanto o time de Metrópolis veste azul, vermelho e branco).

99% super-heróis, mas aquele 1% “a bola é minha, então eu quem digo como vai ser o jogo”

Claro que a película continua com alguns furos irritantes, mas agora eles doem menos. Por exemplo, Lex Luthor precisa da autorização do Senado para importar a kriptonita encontrada no Oceano Índico só porque, segundo ele, trata-se de material radioativo. Então porque diabos Lois Lane (e nenhum outo humano) demonstra mal-estar ao se aproximar da lança com ponta de kriptonita? Olha, não sou especialista em radiação, mas um pedaço de pedra daquele tamanho, que chega a brilhar de tanta radioatividade, deve causar algum estrago num ser humano.

Outra coisa que não engoli também é a razão pela qual Lois demora tanto tempo para contar os planos de Lex Luthor para Superman — e se você assistir atentamente, verá que ela teve inúmeras oportunidades. Poxa, Lois, custava ter sentado com teu marido pra um bate-papo? Era só ter dito “Olho nesse Lex que ele tá agindo malandramente”. Pronto. Tudo resolvido. Claro, a história toda iria por água abaixo — mas é justamente por isso que os roteiristas deviam ter dado mais atenção a esse detalhe e criado uma razão mais crível para Lois não compartilhar suas desconfianças com o marido.

Não vou falar sobre o lance das Marthas, tá? Dessa vez eu acreditei e pronto.

O final novo proposto pela Ultimate Edition é inteligentemente utilizado para amarrar o filme ao próximo produto da DC+Warner, mas sem desfazer o que foi exibido no cinema. No famoso momento ding ding, em que Lex Luthor despiroca de vez, Batman agora informa que conseguiu a transferência do vilão para o Arkham Asylum — segundo Batman, um instituição que não trata tão bem assim os seus internos. E é justamente no Arkham Asylum, temido hospício de Gotham City, onde a trama de Esquadrão Suicida vai começar.

Esquadrão Suicida: DC+Warner malandramente conectando BsV com seu universo expandido

O que fica depois de ver a versão de Zack Snyder para “Batman v Superman: Dawn of Justice” é que era esse o filme que devia ter ido aos cinemas. Personagens com motivações claras, reviravoltas compreensíveis, tensão evidente, um final grandioso e uma conexão clara com o restante do UCDC.

O novo corte foi tão bem recebido que fãs já enviam pedidos de desculpas para o diretor pelas críticas que fizeram. Fica evidente que o filme foi retalhado às pressas para caber em 2h30 e isso acabou deixando tudo muito, muito, muito confuso. Snyder deve estar gargalhando dos executivos da DC+Warner nesse momento.

Com o rumo corrigido pela Ultimate Edition, agora posso respirar aliviado: Batman v Superman finalmente é grandioso como sempre devia ter sido. E o Universo Cinematográfico DC cresce de uma maneira realmente inesquecível.

DE ZERO A DEZ: ★★★★★★★★★✩

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.