Como a campanha #CloseCerto do Ministério da Saúde acabou virando um close errado

Apesar de seguir todas as regras, a ação acabou se voltando contra o anunciante. Mas por quê?

Patrício
Blog do Patrício

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O Ministério da Saúde fez a seguinte postagem no Twitter na última sexta-feira:

E isso detonou as seguintes reações:

Se você não estava na Lua nos últimos meses, deve saber que close certo é uma gíria associada aos gays que significa “algo muito bom”. Pois é.

Aí tome explicação para conter as reações.

O grande problema é que o estrago já estava feito.

Como você pode ver, a hashtag mal colocada acabou despertando outros questionamentos, como por exemplo: uma campanha de prevenção ao HIV focada no público gay não seria o reforço de um estereótipo?

A confusão não é apenas por causa de uma má interpretação causada pela comunicação fragmentada da internet. É muito mais que isso.

Tente imaginar como essa campanha foi criada.

  • O Ministério da Saúde tem dados de que o contágio por HIV tem avançado na população gay jovem.
  • Com esse briefing, a agência seleciona meios que concentram esse público e foca a mensagem nele.
  • Para facilitar a aceitação da mensagem, se apropria de expressões que esse público utiliza. No caso, o tal close certo.
  • A campanha é lançada com uma entrevista coletiva em que os dados que embasam a ação são apresentados à imprensa.

Tudo certinho, como manda a cartilha do marketing digital. É o que qualquer profissional de planejamento aconselharia fazer. E ainda assim, deu errado.

A parceria entre o Ministerio da Saúde e o app de pegacão Hornet começou mal

Você pode até dizer que tudo saiu dos trilhos porque eles postaram a hashtag sem nenhuma explicação. Mas não foi bem assim. Desde o início da coletiva, o perfil do Ministério da Saúde transmitia os dados apresentados usando essa hashtag. Quando você lê a timeline do órgão, está tudo muito bem contextualizado.

Mas quem lê a timeline de um perfil?

Pois é, ninguém além dos stalkers. E como o Ministério da Saúde não é crush de ninguém, a probabilidade de ter um stalker ligado em cada tweet que ele posta é mínima. Diria que é zero.

O grande problema é que a internet é por natureza um universo fragmentado, em que as mensagens se sobrepõem muito rapidamente. E a transmissão foi feita nos moldes de uma cobertura televisiva.

Ou seja, com um fluxo contínuo, como se o público estivesse sentadinho diante da tela acompanhando tweet por tweet.

A gente sabe que não é bem assim.

A maioria das ações para internet que naufragam têm esse componente: são pensadas para internet mas utilizam preceitos de outros veículos.

O público não é mais passivo. Não fica sentado diante da TV esperando uma explicação para o que está assistindo. Na internet, as reações são imediatas. E deflagram outras reações muito rapidamente, num efeito cascata que se torna quase impossível de conter.

Muita gente que viu apenas o retweet do retweet do print do post está lá no Twitter vociferando contra o Ministério da Saúde. Não tô dizendo que isso é certo, mas a vida é dura.

A verdade é: ninguém questionaria uma campanha de prevenção ao HIV focada em jovens gays se tudo estivesse dando certo.

O problema é que uma coisa deu errado. E abriu espaço para se questionar toda a ação. A partir do momento que a manada desperta para a hashtag da hora, podemos dizer que fodeu.

Aó você me pergunta: mas o que posso fazer pra isso nunca acontecer comigo?

São duas coisas bem simples. Tão simples que sempre são ignoradas.

  1. FAÇA SUA MENSAGEM SER ADEQUADA AO MEIO: Se é internet, comunique-se com a internet. Parece óbvio, mas nosso pensamento adestrado pela TV e pelo print ainda faz com que raciocinemos como se estivéssemos diante de um publico passivo pronto para louvar nossas sacadas. Não é mais assim. Existe sim um monte de gente que está focada em descobrir furos pra contra-atacar ações — pelos motivos mais loucos, vai entender, mas existe.
  2. PESQUISE MUITO, MUITO MESMO, SOBRE O TEMA QUE ESTÁ ABORDANDO: Alguns assuntos são espinhosos e merecem muita imersão. Homofobia, sexismo, discriminação racial, feminismo, comportamento sexual e outros tantos temas ainda fazem anunciantes cometerem gafes imperdoáveis. Então pesquise de verdade. Abra a cabeça, abra o peito, mergulhe de coração. Quanto mais informação você tiver sobre o comportamento do público-alvo e as demandas pleiteadas, mais difícil será de as coisas darem errado.

Seguindos essas dicas, o sucesso é garantido?

Claro que não. Nada é garantido na internet, principalmente quando você lida com um publico tão volátil quanto os jovens. Mas reduz bastante as chances de dar errado. Porque se você realmente se engaja num tema — e este engajamento é real — você conseguirá falar com propriedade.

Em tempo: a campanha Close Certo é muito mais que uma hashtag no lugar errado.

Apesar da repercussão ruim no Twitter, a campanha tem uma estratégia muito interessante. E vale a pena torcer por ela.

O Ministério da Saúde capacitou 18 jovens sobre prevenção e tratamento de HIV. Estes jovens estarão no Hornet, um popular aplicativo de encontros para o público gay, com seus perfis sinalizados por um laço azul.

As interações com seus matches versarão sobre a importância do uso de camisinha e outros métodos de prevenção.

Além disso, o aplicativo vai enviar mensagens privadas aos usuários com dicas de prevenção e controle da doença.

Uma ação de internet redondinha, barata, eficaz — e que ainda tem o mérito de não cair no lugar-comum de utilizar o Facebook como plataforma.

Espero, sinceramente, que a confusão da última sexta-feira não tire o brilho da campanha. Nem sua eficiência.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.