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Patrício
Blog do Patrício
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3 min readNov 24, 2008

Ah, que saudade daquele tempo. Os carros eram bicombustíveis e podíamos optar por álcool ou gasolina. Sim, gasolina. Um composto líquido à base de petróleo que todos sabiam que iria acabar. Pois é, acabou. E dá saudade de parar no posto e dizer “Põe vinte reais de gasolina, por favor”.

Saudade do real. Nessa época, a língua mais falada do mundo era o inglês, a moeda de maior circulação era o dólar americano e a única superpotência bélica e econômica eram os Estados Unidos. Sim, ali no meio da América do Norte. País grande, mas com apenas dois partidos fortes: democratas e republicanos. Saudade do George W. Bush, né não? Todo mundo dizendo que ele era um assassino em massa e ninguém consegue explicar direito por quê os rumos do planeta ficaram tanto tempo nas mãos dele. Era bom ter alguém para odiar naquela época.

Sinto saudades da música em mp3 e da indústria fonográfica. Explico: mp3 era um arquivo de compactação (coisa mais antiga!) usado para trocar músicas pelo computador. Antes dele, a gente comprava CDs (disquinhos metálicos que continham de 12 a 20 faixas e custavam uma fortuna). Depois dele, foi a época de ouro. Lembro que eu tinha mp3 de bandas do mundo inteiro. Sem pagar um tostão. Nessa época, a internet era uma terra de ninguém. Tinha se propagado freneticamente há pouco mais de uma década e todo mundo se encantava com as facilidades que ela possibilitava. Trocávamos fotos, clipes, filmes inteirinhos, temporadas de séries, pornografia. É, tinha pornografia na internet. Lembra do Google? Nossa, tanta coisa que fica pra trás.

Naquele tempo, pra ser gente, você tinha que ter câmera digital (a de sete megapixels era top de linha) e iPod (um aparelhinho que servia pra ouvir os tais mp3). A maioria dos computadores ainda era composta pela tríade monitor-gabinete-periféricos, muito embora já existissem os laptops. Eram computadores portáteis que pesavam cerca de dois quilos (!) e que, a despeito de qualquer dor de coluna, eram transportados por seus donos para todos os cantos. Com muito orgulho, diga-se de passagem. Lembra daquele bando de gente acessando sites nas praças de alimentação dos shoppings? Hoje é impossível não gargalhar!

Por falar em internet (e já que citei o finado Google), quem se lembra do Orkut? Uma foto no canto da tela, um questionário dizendo quem você era, um espaço para receber recados. Pronto, você já podia se conectar com qualquer pessoa no mundo. Vivia dando erro e travando. Mas também, com a internet naquela velocidade! Hoje me pergunto como era possível fazer tanta coisa com conexão de 1 mega por segundo. Tenha santa paciência!

A televisão tinha horários pré-estabelecidos. Quer assistir o jornal? Espera até oito da noite. Não pode? Não assiste. Ou então grava. Numa fita que a gente chamava de VHS pra colocar num aparelho chamado videocassete. Quase ninguém tinha mais esse dinossauro do entretenimento, eles haviam sido substituídos pelo DVD (alguém lembra do DVD?).

Rock era coisa de jovem. Música eletrônica também.

Sinto saudades do meu “Cavaleiro das Trevas” impresso em papel couchê — no tempo em que imprimir literatura em papel não era crime ambiental porque, vá lá, tínhamos poucas florestas, mas ao menos tínhamos. No verão era quente, no inverno era frio. E tinha duas estações a mais: primavera e outono. Uma com flores (sim, flores!, coloridas, perfumadas, encantadoras), outra com folhas secas. Sinto saudades dos livros também. Eu tinha tantos. Todos de papel, a gente tocava enquanto lia, ia passando as páginas uma a uma com a ponta dos dedos, cheirando — tinta fresca quando era novo, ácaro e bolor quando dos clássicos. Naquele tempo, escritores eram imortais.

Alguém lembra do carnaval de Olinda? E do celular com câmera? Quem se lembra das novelas da Globo? Aliás, alguém lembra da Globo? Alguém se recorda como eram bonitas as casas de madeira? Lembra que dava pra passar férias no campo ou na praia? Dou um doce pra quem lembrar o nome do primeiro presidente de esquerda eleito por voto direto no Brasil. Alguém? Alguém?

Ah, que saudade daquele início de século. Não tinha tantas guerras, não tinha esse bando de doenças novas que nem consigo dizer o nome, não tinha esterilidade em massa. Tinha um monte de outras coisas ruins sim, não vou negar. Mas a gente se tocava pra fazer sexo. E isso curava qualquer mal da humanidade.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.