"Corra!": um thriller sobre a face mais aterrorizante do racismo

O diretor Jordan Peele apresenta uma peça rara: um thriller psicológico com camadas de trama social

Patrício
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Dia desses assisti no canal WatchMojo.com a uma lista dos dez melhores thrillers psicológicos do cinema. Eu já tinha visto todos. Digamos que thrillers psicológicos são histórias que realmente me encantam. Isso não me faz um especialista no gênero, mas um entusiasta com bastante bagagem para não cair em sustos artificiais e enredos forçados. Quando me falaram de "Corra!" (Get Out, EUA, 2017), pensei: Mais um filme ruim para eu me deliciar. E fui assistir sem saber nada sobre a trama. Nem o trailler eu vi. E quer saber: que grata surpresa.

Tudo começa com um rapaz negro caminhando tarde da noite por um subúrbio abastado. Pelo que podemos compreender, ele está indo ao encontro de um amigo que mora por ali. Meio apressado, o rapaz consulta o celular o tempo todo para saber se caminha para o local correto. Até que percebe estar sendo perseguido por um carro de luxo, que anda muito devagar pelas ruas amplas do subúrbio. Assustado, o rapaz decide ir embora dali. Mas acaba sendo sequestrado pelo motorista do carro numa cena de arrepiar.

Daniel Kaluuya: seu personagem vai passar por poucas e boas na casa dos sogros

Esse prólogo serve para entendermos logo de cara que não estamos numa comédia romântica de Adam Sandler.

Corta para a trama principal. Chris (Daniel Kaluuya) é um jovem negro que vive uma excelente relação com Rose (Allison Williams), uma garota branca que vem de uma família progressista.

Quando finalmente chega a hora de Chris conhecer a família da namorada, ela garante que os pais acharão totalmente natural que ela esteja namorando um negro. O tema racial já é introduzido no filme nos primeiros minutos, quando um policial parece desconfiar de Chris sem nenhum indício aparente de crime. Mas o mais legal é que esse tema é crucial para entender a história que se desenrola na casa dos pais de Rose.

Allison Williams: carismática e envolvente

Lá Chris testemunha a vida absolutamente normal de uma família branca progressista. Os pais de Rose são amáveis e hospitaleiros, o irmão é meio rebelde mas nada fora da curva, e a casa é um aconchegante espaço afastado dos grandes centros. Tudo parece perfeito, exceto por um detalhe que incomoda a Chris: todos os empregados da casa são negros. E agem com uma desconcertante subserviência.

Descobrimos então que Missy (Catherine Keener), a mãe de Rose, é uma psicoterapeuta especializada em hipnose. Quando a abstinência de nicotina parece deixar Chris nervoso, ela se oferece para uma sessão de hipnose. Segundo Dean (Bradley Whitford), o pai de Rose, foi a hipnose que o livrou do vício. Mesmo relutante, Chris acaba participando de uma sessão com Missy. E é aí que as coisas começam a ficar estranhas.

Por que os empregados agem como zumbis?

Não dá pra falar muito sobre a trama sem entregar pontos-chave, por isso a partir daqui vou falar de uma maneira mais vaga sobre o filme.

O que mais assusta em "Corra!" é a naturalidade. Tudo parece absolutamente normal e isso é perturbador. Comentários racistas se confundem com atitudes violentas, tudo sempre travestido pelo tom festivo dos churrascos de subúrbio.

Aos poucos, vamos percebendo que nada é normal naquela família, apesar do tom naturalista que o diretor usa em todas as sequências. É como se Jordan Peele quisesse alertar sobre a naturalização do racismo — e para tanto usasse uma trama de suspense de tirar o fôlego.

Dean e Missy: um típico casal branco progressista?

Quando a gente parece finalmente ter juntado todas as peças (negros desaparecidos + hipnose + empregados extremamente subservientes), o filme nos brinda com uma reviravolta que bagunça tudo nas nossas cabeças.

Afinal, o que está acontecendo é realmente aterrorizante ou apenas fruto de uma paranoia de Chris? É a mesma pergunta que negros empoderados se fazem todos os dias diante do racismo cotidiano e socialmente aceito.

A julgar pelas respostas do filme, é sim aterrorizante. E a verdade que Chris acaba por descobrir, conduzindo a um ápice quase catártico, é perturbadoramente plausível.

Sem tom denuncista, sem nada de panfletário, sem ser didático, Jordan Peele nos entrega um filme sobre racismo totalmente calcado nas regras do thriller psicológico. É agoniante; é claustrofóbico; é perturbador. E, pior de tudo, é plausível. Muito plausível.

DE ZERO A DEZ: ★★★★★★★✩✩✩

Corra! (Get Out) — EUA, 2017
Direção:
Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
Elenco: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Lil Rel Howery, Bradley Whitford, Caleb Landry Jones, Stephen Root, Catherine Keener, Betty Gabriel, Marcus Henderson, LaKeith Stanfield, Erika Alexander, Zailand Adams
Duração: 103 min

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.