Não quero ficar preso em Wakanda

Patrício
Blog do Patrício

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Esse texto é só para dizer que participei da equipe de criação da campanha de lançamento de “Pantera Negra: Wakanda Forever” no Brasil. Mas também é um alerta para criativos de todas as raças, gêneros e gentilícios: não me aprisionem em Wakanda.

Sou um homem negro radicalizado, consciente da minha negritude, que se formou em Comunicação Social, fez especialização em criação publicitária e hoje é redator publicitário de uma das maiores agências do país.

Ao longo da minha carreira, me deparei diversas vezes com assuntos espinhosos sobre os quais tive que escrever. Já fiz campanha de carros de luxo, planos de saúde, produtos de tecnologia, supermercados, bancos privados e estatais, laticínios, roupas íntimas, até funerárias e, pior, políticos.

Jamais entrei numa reunião com um cliente sem ter dedicado algumas boas horas lendo sobre o negócio dele. Como funciona, de onde vem o lucro, o que o público-alvo espera, quais os anseios para o futuro. Sempre tive que pesquisar, ler, me aprofundar.

Adoraria trabalhar apenas com os temas que amo. Criar campanhas para bandas de rock, ou escritores brasileiros, ou filmes nacionais. Criar estratégias para Beyoncé, Saramago, Don L… mas a vida real de um redator publicitário é feita de descrever com poucas palavras como as placas de lítio reagem ao ácido dentro de uma bateria para gerar energia para carros elétricos.

Desde o Black Lives Matter, passaram a me associar com um tema fixo: negritude. Sempre que a campanha envolve Dia da Consciência Negra, Dia contra a Discriminação Racial, ou algum produto destinado à negritude, chama o Patrício. Patrício entende dessas coisas. Patrício sabe do que está falando. Patrício é bom nisso. Patrício resolve.

Essa fixação me gerou grandes oportunidades. Integrar a equipe de criação da campanha de lançamento de “Pantera Negra: Wakanda Forever” foi a maior delas até agora. Um orgulho, sem dúvidas. Um sonho realizado, não vou negar. Um marco na minha carreira.

Mas devo admitir: quase nada que sei sobre negritude é pelo fato de ser negro. Explico: o racismo à brasileira opera com a arma perversa da dissociação cognitiva. Quanto mais uma pessoa negra rejeita sua negritude, mais ela é aceita nos espaços majoritariamente brancos. E agências de publicidade, nem preciso dizer, são branquíssimas.

Tanto afastamento de quem sou me criou um vácuo. E uma hora, tive que preencher esse vazio com afroconhecimento. Fui ler Fanon, DuBois, bel hooks, Abdias Nascimento, Colson Whitehead, Toni Morrison. Fui ouvir Racionais, Emicida, Jorge Ben, Elza Soares, grandes nomes da Motown. Fui assistir Spike Lee, Ava Duvernay, Jordan Peele — isso para ficar apenas nos nomes do mainstream. Sigo ainda nessa jornada de autodescoberta, me reconhecendo finalmente na literatura, no cinema, na música.

O fato é: o conhecimento está aí. Da mesma forma que pesquiso para criar uma campanha sobre violência contra a mulher, ou prevenção ao suicídio, ou refugiados, me encantaria ver colegas de profissão fazerem o mesmo com negritude.

Participei da equipe de criação da campanha de lançamento de “Pantera Negra: Wakanda Forever” no Brasil. E não foi por ser negro. Pesquisei sobre os temas do briefing, propus ideias originais, fiz valer o timesheet. Exatamente como faço com campanhas sobre carros de luxo, planos de saúde, produtos de tecnologia, supermercados, bancos privados e estatais, laticínios, roupas íntimas, até funerárias.

Chega de recorrer ao conceito de lugar de fala para não sair do lugar, amigos criativos. Tá todo mundo vendo.

Gostou? Então bate palmas 👏 aí embaixo pra esse texto ser visto por mais pessoas.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.