O chefe gente boa

Patrício
Blog do Patrício
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3 min readJun 13, 2012

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O pior tipo de chefe é o chefe gente boa. Se você acha que não, é porque nunca esteve num ambiente emocionalmente equilibrado onde o líder inspira seus melhores talentos através das motivações corretas. É terrível, vai por mim.

A primeira coisa que você vai sentir por causa do seu chefe gente boa é um vazio existencial na mesa do bar. Falar mal do chefe é se autoafirmar vivo ― é gritar ao mundo que o capitalismo não matou você por dentro. O chefe gente boa, entretanto, tira este prazer mesquinho de você. Ele põe água na sua cerveja ― e ela fica com gosto de Kaiser. O chefe gente boa não dá motivos pra você falar mal dele.

Ele chega mais cedo que todo mundo e só vai embora quando o último sai; ele é compreensivo com seus erros e valoriza seus méritos; ele não hesita em te liberar mais cedo pra você ir ao aniversário do primo da sobrinha do seu ex-cunhado pela terceira vez este ano. Ele vai te estimular a crescer profissionalmente. Ele vai fazer piadas em momentos tensos. Ele vai valorizar suas opiniões. Em suma: ele vai te castrar.

Na hora da sua cervejinha, sabe sobre o que você vai falar? Novela das oito.

O chefe gente boa também emascula você em outros níveis. A sensação de tranquilidade que ele traz para o ambiente de trabalho faz você ter saudades de chefes à moda antiga: aqueles birrentos e egocêntricos, que ameaçavam alguém de demissão todo dia útil. O chefe gente boa não faz nada disso. Ele é gentil, carismático, educado. Deve ter feito administração em Harvard. Ou então fez um pacto com o Diabo. Só uma das duas coisas explica o fato de ele ser tão bom em gestão de pessoas sem ter se transformado numa máquina.

O chefe gente boa é um fofo. Sério, é um fofo. Lembra o dia do seu aniversário, compartilha os brindes que recebe com todos os funcionários, faz questão de ir à copa pegar seu próprio copo d’água. E tanta fofura deixa você frustrado. Você não tem desculpas para não fazer seu trabalho direito ― ele dá todas as condições necessárias. Você não inventa mais que está gripado pra faltar na sexta à tarde ― você morreria de remorso. Você, olha só, que coisa!, você acorda na segunda-feira com vontade de ir ao trabalho. É o fim da picada.

O chefe gente boa às vezes liga pra você no sábado de manhã pra tirar uma dúvida. Mas assim que você diz “Oi chefe” sem disfarçar o mau humor, ele pede desculpas por estar ligando no fim de semana. Tô dizendo que é um fofo!

O chefe gente boa precisa ser parado. Você diz para si mesmo que dessa semana não passa. Você planeja desmascará-lo na frente de todo mundo na reunião motivacional. Você vai tecer comentários irônicos enquanto ele fala sobre boa vontade. Você vai torcer a boca quando ele disser que prefere ter colaboradores motivados a escravos subservientes. Você vai balbuciar qualquer coisa sem sentido sempre que ele olhar pra você (algo como “Tá bom, Zé”; ou “Vai que é dez”, ou ainda “Jimeléu, agantanjeléu”). Até que ele perca a compostura e berre que você é um imprestável. Até que ele ameace você de demissão.

O plano é perfeito. Só que antes da reunião o chefe gente boa vai te chamar na sala dele. Vai agradecer seu envolvimento com a empresa e te dar um aumento. De trinta por cento. Valendo já naquele mês. Seu chefe é muito gente boa, bicho. E não há nada no mundo que te convença do contrário. Pacto com o Diabo, certeza.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.