O FABULOSO SORRISO DO MIMO

Patrício
Blog do Patrício
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2 min readApr 20, 2012

Publicado originalmente na Revista Unimed & Você nº6

O mimo é o presente pelo presente, sem aniversários ou bodas, sem dia disso ou daquilo. Você olha pra você mesmo e se diz: você merece. Pode ser um anel de brilhantes, um vinho importado, um chocolate suíço. O que importa é o brilho de eternidade que o mimo provoca em nossos olhos. Quando felizes nos tornamos eternos.

O maior mimo que já me dei foi uma viagem para a Festa Literária de Paraty. Guillermo Arriaga, roteirista de filmes como “21 gramas” e “Babel”, estaria em uma das estelares mesas do evento. Decidi cruzar seis estados apenas para conhecer meu ídolo. Parti com aquele sorriso que só damos quando estamos sozinhos diante do espelho do banheiro ― o fabuloso sorriso do mimo, sincero e despido de disfarces, como se dissesse “É natural ser feliz”. Foram os cinco dias mais incríveis da minha vida.

Há algumas semanas, fui palestrar no Colégio Estadual Castro Alves, dentro da programação da Ação Potiguar de Incentivo à Leitura (evento da Editora Jovens Escribas, da qual sou sócio). Havia nos rostos daquelas crianças uma ansiedade que era muito parecida com a que resvalou do meu olhar ao esbarrar com Guillermo Arriaga na feirinha hippie de Paraty ― ele de bermuda, eu de calças curtas.

De cima do palco, meu olhar foi capturado por uma garota sentada à primeira fila. Sua farda puída e seus cabelos maltratados destoavam de sua expressão compenetrada. Pude perceber que ela estava descalça. Ao final da palestra, a garota veio falar comigo. Sem disfarçar a vergonha, disse estar contente em conhecer pela primeira vez um escritor. Depois explicou que estava descalça porque a sandália havia quebrado no caminho para a escola. “Se eu voltasse pra casa, perderia sua palestra”, ela confessou olhando para o chão, cobrindo as palavras com o espesso molho do pedido de desculpas.

Cruzar o país para conhecer um ídolo, de repente, se tornou muito fútil. Não se importar que a sandália haja quebrado e continuar seu caminho: isto sim fazia sentido. Eu sempre acreditei que o mimo é aquilo que você se permite, independente do quanto custa. E o sorriso de espelho que a garota descalça me deu quando agradeci sua presença não tinha preço. Era eterno.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.