O macho opressor está oprimido

Patrício
Blog do Patrício
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4 min readJul 18, 2016

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O macho opressor está oprimido. Ele olha assustado ao redor e o que vê é um mundo em que já não cabe. Em que já não sabe. Um mundo em que a própria condição de macho opressor passou a ser sinônimo de passado. Ultrapassado. O macho opressor é um deus no qual ninguém mais deposita fé.

Ele acompanha a escalada sem volta das mulheres, que ganham seus salários e já não dependem das suas permissões, livres e risonhas em sua plenitude; que exigem seus orgasmos e quando não os recebem — triste ocorrência usual, uma vez que o macho opressor desconhece os caminhos do prazer alheio — dão um jeito de chegarem lá sozinhas. O macho opressor virou um apêndice com o qual elas já não contam. Uma inevitabilidade. Um erro que a natureza ainda não corrigiu.

Incomodado com a própria obsolência, o macho opressor engole em seco ao ver as mulheres vivendo suas vidas, tomando suas decisões, seguindo em frente — mulheres que decidiram não mais ser uma parte, sendo agora inteiras, e buscando portanto um outro inteiro. O macho opressor ainda não sabe, mas é um macho pela metade.

Ele sente saudades de dizer para a namorada que ela não vai sair com aquela saia. Mulher minha não anda assim na rua, ele diria. E por mais que soe agora como uma ideia absurda essa coisa de um ser humano pertencer a outro, ele queria de volta aquele senso de propriedade com o qual estava acostumado a se relacionar com o mundo. Minha mulher, minha casa, minha vida. O macho opressor era o que pensava possuir — e agora que nada possui, o mundo o vê como nada.

Há homens beijando homens, há leis que garantem a liberdade, há um caminho inevitavelmente aberto para assuntos que ele sempre ignorou. Pensar no outro dá trabalho, ele suspira, Pensar no outro é cansativo. O macho opressor se viu obrigado a olhar além do próprio umbigo. E trombou num mundo que já não é à sua imagem e semelhança.

As piadas caíram no limbo do proibido. Não pode mais chamar o rapaz que rebola de viadinho. Não pode mais dizer que toda loira é burra. Não pode acusar a lésbica de falta de homem. O mundo está ficando muito chato, o macho opressor pensa. A bem da verdade, até gostaria de achar graça em outras coisas. Mas não acha. Chamar o amigo de bichona ainda é o suprassumo. O macho opressor pensa que sabe das coisas em seu mundinho cubicular.

Lá vai o macho opressor com saudades de quando todos riam do oprimido. De quando feminismo era um conceito tão distante que mais parecia palavrão. De quando ninguém o criticava porque o normal era ser ele — o resto é que era estranho demais.

O macho opressor tem medo de entrar em extinção. Seus neurônios preguiçosos, pois entregues sempre aos mesmos raciocínios, tentam criar argumentos. Mas e a minha liberdade de expressão?, o macho opressor vocifera como alguém que descobrisse a cura do câncer. Mandei bem, ele pensa, Mandei bem. Mas se surpreende ao perceber que ninguém ouviu. Ninguém tem mais interesse em saber o que pensa o macho opressor.

Ele assiste ao mundo andando para a frente e não se dá conta de que está preso num momento que já acabou. Quando forçar o sexo com a esposa ainda não era chamado de estupro; quando ameaçar socos em garotos efeminados não se chamava homofobia; quando ele estava no topo e se sentia invencível — sem nunca se dar conta, limitado que é, de que o topo é um lugar pequeno demais para dois; sem se dar conta de que estar no topo é estar sempre só.

O macho opressor queria o pouco saudável costume de ser sempre ouvido. Suspira lembrando. Era tão bom. Todos calavam para que falasse. E não importava o que dissesse — se correto ou errado, se inteligente ou bobo, se necessário ou irrisório. Eram sempre aplausos, eram sempre salvas. Todos louvem o macho!, diziam. Agora não mais.

Agora ele reluta para se atualizar. Briga. Xinga. Esperneia. Ameaça. Quer tudo aquilo de volta, mesmo que o resto do mundo já não o aceite. Diz que tem o direito de ser do jeito que é — também não entende de direitos, o macho opressor. E se torna ridículo. Risivelmente ridículo. Porque é sempre risível ver alguém pensando que luta contra o mundo quando luta na verdade consigo mesmo.

Com sua corpulência que já não amedronta, com a voz que já não interessa, com os argumentos que consegue formular em sua burrice de cérebro eternamente em velocidade de cruzeiro, o macho opressor tenta se manter opressor — e se oprime. Quem diria. O macho opressor se oprime.

Lá vai o macho opressor. Falcão sem asas que culpa o céu por sua queda.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.