O primeiro pedido do aniversariante

Patrício
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2 min readJan 2, 2012

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Publicado originalmente na Revista Versailles nº 17

Sentado à cabeceira da mesa numa cadeira adaptada ao seu corpinho frágil, Pedro viu o mar de docinhos multicoloridos desembocando na montanha de marzipã que era o bolo. Enorme, colorido, irresistível. Sua boca banguela salivava sem controle. Instintivamente, umedeceu os lábios com a língua e abriu bem os olhos em direção ao bolo. Todos riram da sua marotice.

Acompanhou com o olhar aquela mulher carinhosa que depositava em sua cabeça um dos inúmeros chapéus cônicos. O elástico fino, quase invisível, alojou-se confortavelmente na dobrinha abaixo do seu queixo. Sentiu-se parte de um grupo, visto que todas as pessoas ao redor usavam o mesmo chapéu.

A mulher carinhosa recendia a água de banho e sussurrou em seu ouvido maternalmente: “Daqui a pouco partimos o bolo, querido”. Não queria fazer birra, mas foi impossível conter o bico. Esperar era a pior coisa do mundo. Todos entoaram “Ooohhh” fingindo pena e Pedro acabou por ganhar um beijo na testa da mulher carinhosa. Ficou mais fácil esperar.

O sol já estava se pondo quando o bolo veio flutuando em direção a ele. Pedro mal conseguia conter a alegria. Bateu palmas, gargalhou, gritou. Todos acompanhavam atentamente suas reações, como se a grande atração da festa fosse mesmo a sua felicidade. Pedro gostava de se sentir amado.

Tão logo o bolo pousou diante de Pedro, um homem barbudo veio com um isqueiro para acender as velas. “Faz um pedido, vovô”, o homem disse olhando nos olhos do aniversariante. Pedro soprou as velas que formavam o número “100” com o fôlego de uma criança, desejando silenciosamente que tudo aquilo fosse apenas o começo.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.