Personal Comprador Compulsivo

Patrício
Blog do Patrício
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4 min readJun 14, 2012

Sempre achei muito estranho o que esses ricos do século XXI fazem. Antes quem tinha grana não sentia vergonha de esfregar seus milhões na cara dos desprovidos. Eram tempos de lavar os pés com Old Parr e chamar 21 mil euros de troco. Hoje em dia, não mais. A patrulha do economicamente correto acabou transformando pabulação em pecado ― e se for pabulação por excesso de dinheiro, é pecado capital. O resultado disso é um bando de ricos com vergonha dos próprios excessos. Uma lástima.

Conheço um punhado desses. Vão passar o fim de semana na Turquia (porque nunca tem nada pra fazer no Brasil aos sábados à noite), gastam centenas num prato que nem faria cócegas na balança do self-service que você almoça todo dia, pagam por uma garrafa de água mineral o que você deve há meses no cartão de crédito, e depois voltam como se nada tivesse acontecido. Não estampam suas façanhas monetárias nas colunas sociais, não esbanjam suas riquezas em alto e bom som, não dizem uma só palavra sobre o frasco de perfume com 29ml que custou mais caro que a produção anual de Alma de Flores de toda a América Latina. É um silêncio que vale ouro.

Foi pensando nesses ricos coitados que resolvi lançar o serviço de Personal Comprador Compulsivo. Se você é rico e não suporta mais o remorso que dá depois de adquirir a edição especial do Channel Nº 5 com tampa em ouro e cristais de diamante no rótulo (porque você PRECISA ter um), seus problemas acabaram. Você deposita cinco pilas na minha conta e em 48 horas chegará a sua casa um pacotinho com o mimo. Envio como se fosse um presente. Além de não ter remorso algum, você ainda vai sentir a alegria morna de receber um regalo que era exatamente o que você estava precisando. Afinal, alguém ainda consegue viver sem um Channel Nº 5?

Outra vantagem do serviço de Personal Comprador Compulsivo é poder esbanjar. Se é presente, não é feio jogar na cara dos outros. Claro, não se diz nunca o preço de um regalo. Mas ninguém vai achar que seu biquíni de diamantes da Steinmetz Diamonds custou menos que seus olhos da cara ― olhos esses, aliás, adornados por duas caríssimas lentes de contato do badalado designer de joias Sanjay Sha, cada uma com 18 microdiamantes e uma finíssima placa de ouro pra dar um brilhinho. Hein? Hein? Hein?

Para os que já ultrapassaram o limite da riqueza e são mais que trilionários, ofereço o exclusivo serviço de “Pague Um, Leve Zero”. Funciona assim: se você quer gastar uma fortuna num jantar no Alain Ducasse Au Plaza Athénée em Paris, mas não su-por-ta jantar pela enésima vez no Alain Ducasse Au Plaza Athénée em Paris, faço este serviço sujo pra você. Veja só que maravilha: você não vai ter que passar pela monotonia de ingerir mais uma vez aquela comida tediosa, mas vai pagar todos os custos. Jatinho ida e volta com acompanhante incluso, claro. Afinal, o que importa é gastar ― adquirir o que comprou é coisa de pobre.

Ser um personal comprador compulsivo requer talento e disciplina. Falar que algo custou menos do que realmente custou, por exemplo, é uma arte desenvolvida ao longo de toda uma vida de prestações no carnê. Bater o olho sempre no produto mais caro da loja, mesmo que este produto esteja encoberto por dezenas de outros produtos mais baratos e mais eficientes, é outro dom que carrego comigo.

Outro requisito importantíssimo para minha função é a experiência em Cálculo Promocional Avançado. Este talento é um verdadeiro bálsamo para qualquer comprador compulsivo. Digamos que um produto que custa 100 reais está na promoção por 90. Você leva 10 desses produtos (porque, oras, estão em promoção) e paga 900 pelo que custaria 1000. Rapidamente, você conclui que ganhou 100 reais nesta operação. Ganhou, veja bem. Não é mágica. É pura matemática.

O Cálculo Promocional Avançado também pode ser usado para aferir quanto você ganhou ao comprar aquelas três calças iguais, por exemplo; ou aquelas cinco blusas que variavam apenas a cor da etiqueta; ou ainda aqueles vinte pares de sapato idênticos, mas que tinham padrões de solado com-ple-ta-men-te diferentes.

Este meu talento para ser comprador compulsivo, entretanto, não veio acompanhado de uma conta bancária com saldo superior a sete dígitos. Por isso, resolvi capitalizar meu dom. Cobro 10% do valor das encomendas para ser seu Personal Comprador Compulsivo, mais taxas de envio. Pagamento com débito em conta nas Ilhas Cayman. Ah, você não sabe o que é o Alain Ducasse Au Plaza Athénée? Perdão, estava falando com a pessoa errada.

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Patrício
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Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.