Startup Weekende Recife: onde dúvidas valem mais que certezas. Crédito: Pri Santos.

Por que todo profissional de Criação tem que participar de um Startup Weekend

Ou: fui ao Startup Weekend Recife e lembrei de você

Patrício
Published in
8 min readNov 25, 2015

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Nós, autoproclamados criativos, somos cheios de certezas. A gente SABE que nosso título é melhor que o do cliente; a gente SABE que uma Helvetica Thin corpo 11 deixa o layout mais bonito que uma Comic Sans; a gente SABE que aquele conceito que levamos horas para conceber vai convencer todo mundo a comprar o produto, e vai arrastar tudo no Colunistas, e vai ganhar um troféu no El Ojo, e vai ser shortlist em Cannes, e vai levar ouro, e vai mudar nossas vidas.

A gente sabe de muitas coisas. E reluta em aceitar que talvez — quem sabe, hipoteticamente, por uma dessas ironias do Criador que nos fez criativos — reluta em aceitar que talvez alguém saiba mais que nós a respeito de Criação. Pois é, esse alguém existe.

Nós, autoproclamados criativos, fomos treinados a defender nossas ideias com unhas e dentes. Mas ninguém nos treinou a validá-las.

É basicamente disso que se trata uma Startup Weekend. E se você não sabe exatamente nada sobre esse assunto, pausa para uma breve explicação: Startup Weekend é um evento de 54 horas onde empreendedores, desenvolvedores, designers e entusiastas se unem para compartilhar idéias, formar equipes e criar startups. Em outras palavras: é um encontro em que equipes são formadas e têm o desafio de criar um negócio inovador em um fim de semana.

Olha eu fazendo picth, mãe! Crédito: Pri Santos.

Com valiosas orientações de mentores (dava pra fazer um texto só sobre os elogios e agradecimentos que tenho para eles), com uma sempre simpática e eficiente equipe de staff (daria outro texto!) e com a liderança de um facilitador que realmente facilitava as coisas (escrevo esse texto, Luiz Fernando Gomes?), temos 54 horas para nos debruçar em cima de uma ideia e provar, numa apresentação final chamada pitch, que essa ideia é economicamente viável, soluciona efetivamente um problema e tem demanda de mercado para se sustentar como negócio.

Agora você deve estar pensando: ah, nossa, já criei coisa muito mais complicada em menos tempo, porque criação é isso, é pressão, é estressante, não tem tempo pra nada.

Amigo, menos. Aquele outdoor que levou bronze no Central não é bem uma inovação, certo?

No Startup Weekend a criação vem acompanhada de validação. Isso significa que cada passo que você dá no desenvolvimento do seu negócio tem que ser validado (com o seu time, com os mentores, com os consumidores, com os parceiros, com o mercado). Em 54h.

Minha experiência extrema nesse mundo de perguntas sem respostas foi no Startup Weekend Recife, que aconteceu na aceleradora de negócios Jump Brasil entre 20 e 22 de novembro de 2015. Ou seja, sexta, sábado e domingo.

Num clima de descontração, com boa música rolando, lanchinhos, brincadeiras e muita informalidade, 10 times de aproximadamente 8 pessoas se digladiaram para provar que suas ideias de negócios eram inovadoras, sustentáveis e economicamente viáveis. Em resumo: que eram boas ideias.

A mentora Beatrice e o host Nivaldo: meliores pessoas. Crédito: Pri Santos.

Essa descontração toda tem um motivo muito sólido: em meio à pressão de desenvolver um trabalho tão complexo em pouquíssimo tempo, o estresse fica ali na porta prontinho pra entrar. E no método da Startup Weekend não cabe estresse: quando ele se anuncia, tem sempre um mentor por perto pra tranquilizar o time, ou alguém do staff pra oferecer um lanchinho, ou outro time pra oferecer ajuda. Sim, ajuda. Os times concorrem, mas o clima é de cooperação geral.

Nessa concorrência leal, apesar da pressão, apesar do tempo curto, apesar do cansaço e da correria e das missões impossíveis, descobrimos como trabalhar boas ideias até que elas se tornem soluções inovadoras.

Boas ideias são as que resolvem problemas reais. Foi isso que aprendi.

O confronto com minhas certezas foi chocante. Já no primeiro dia eu achava que uma das ideias do grupo era um grande negócio. Não tinha, entretanto, dado algum para ter chegado a essa conclusão: era apenas uma certeza. Talvez porque instigava minha imaginação, parecia original e atiçava meu ego (ego, sim, porque ser autor de uma grande ideia é tudo que todo criativo quer).

Esta foto está aqui apenas para mostrar os patrocinadores do Startup Weekend Recife. Crédito: Pri Santos.

Mas aí veio a validação. Formulário online, pesquisa de rua, telefonemas para potenciais clientes (numa sexta à noite!), tabulação de dados, bate-papo com influenciadores do mercado… e o resultado negava tudo que eu acreditava: a nossa grande ideia não resolvia o problema de ninguém.

É preciso ter bastante humildade para compreender que o consumidor não quer bater palmas para você: ele quer que você resolva os problemas dele. Só isso.

Chegamos no segundo dia ainda entusiasmados, mas preocupados. A validação apontava que nosso consumidor não queria o produto que tínhamos criado. Um balde de água gelada no calor recifense.

Por sorte, a mesma pesquisa apontava outro problema. Bem nitidamente. Saltando a nossos olhos. Uma clara demanda que nosso consumidor tinha. E não fazíamos ideia de como resolver isso.

Startup Weekend: o único esporte do mundo em que se corre sentado. Crédito: Pri Santos.

Até aqui você já deve ter compreendido a dinâmica da coisa. Uma Startup Weekend se baseia, claramente, num método de investigação científica. Você cria uma hipótese, pesquisa imparcialmente (sem defender nem refutar), comprova ou não essa hipótese, pesquisa mais, define o problema, busca uma solução pra ele. Com sorte, você consegue tudo isso antes de infartar.

Chega a ser irônico que tanta inovação venha através de um método com séculos de existência. Este é só mais um dos inúmeros motivos pra baixar a bola.

Foi com a bola bem baixa que encontramos nossa solução na madrugada do sábado pro domingo. Lembro bem porque estava tocando AC/DC e alguns colegas se enfrentavam numa partida de Guitar Hero ou algo assim.

Mas quando falo que encontramos uma solução faz parecer que conseguimos resolver todos os nossos problemas. Longe disso. O que tínhamos, nos alertou um dos mentores, era uma hipótese de solução. Apenas mais uma hipótese. Era chegada a hora de mais uma temida validação.

No domingo pela manhã, tínhamos que validar mais essa hipótese. Com o consumidor final (pessoas que frequentam livrarias) e com os potenciais parceiros (editoras independentes de todo o Brasil).

Agora me diz: como você faz pra falar com pelo menos 20 editoras num domingo pela manhã?

O que tenho a dizer é: nem para publicar meus livros consegui tantos contatos importantes. Em cerca de 1h30, uma hora e meia, pessoal (Uma. Hora. E. Meia.), havíamos levantado dados valiosos com quase 20 editoras independentes do país (a propósito, muito obrigado a todos). Teve editor de Recife, Natal, São Paulo, Porto Alegre, Manaus. Me pergunta como conseguimos. Pergunta vai. Perguntou? Então respondo:

Não sei.

Só sei que o entusiasmo em encontrar uma solução, mais o cansaço, mais quilos de cafeína (obrigado, Café São Braz, pelo patrocínio), mais a pressão pela proximidade da apresentação final, mais o espírito de equipe que tomou conta de todo o meu time, fez todos trabalharem com uma entrega que há muito não via em uma empresa.

Obrigado, Café São Braz, pela cafeína alcançada, amém. Crédito: Pri Santos.

Às 14h do domingo começamos a montar a apresentação. Uma parte do time compilando dados, outra parte fazendo o design, outra parte ensaiando a apresentação. Tudo numa sincronia de fazer qualquer gerente de linha de montagem se jogar embaixo de uma empilhadeira em movimento vencido pela inveja.

Não sei o que o Takahito tá fazendo, postei só pra mostrar como o staff era legal. Crédito: Pri Santos.

E corre pra cá, e corre pra lá, e grita, e ri, e explode, e pede desculpas, e vai pra frente, e vamos, a gente vai conseguir, corre, entrega, ufa.

Eram 18h do domingo quando o picth começou. 54 horas de trabalho árduo depois, tínhamos feito o impossível. Criamos a Narrativa Livros Independentes, uma loja online que unifica o acervo de editoras e autores independentes num só lugar, para facilitar a venda e fortalecer ainda mais esse mercado que sobrevive da união de quem o constrói.

Narrativa Livros Independentes entrou na sala.

Mas não criamos apenas. Não, não, isso qualquer um faz. Nós descobrimos um problema, buscamos uma solução inovadora, testamos essa solução, comprovamos sua viabilidade econômica, recebemos a menção honrosa dos mentores e saímos do Startup Weekend Recife com um primeiro grande passo do que pode vir a ser uma excelente empresa. Agora é caçar um investidor.

Nesse processo, nenhuma das certezas que eu tinha serviu de alguma coisa. Pelo contrário. Foram as dúvidas que mais me ajudaram.

Eu acredito muito no poder da dúvida. Eu sempre desconfio de soluções prontas. Eu sou aquele tipo de publicitário que não sabe dizer quanto custa um anúncio, que não sai da reunião de briefing já sabendo o que vai fazer, que nunca recorre ao combo televisão+rádio+outdoor+redes sociais+promo como solução para todos os problemas do cliente. E ainda assim fui desafiado.

Eu realmente torço para que meus colegas de Criação saiam da zona de conforto e decidam encarar os desafios de uma Startup Weekend. Sei que é pouco para que eu possa me considerar um empreendedor de sucesso, mas certamente fez grande diferença no profissional que sou.

Meu time: Caio, Scog, eu, Rafa e Elsen + o facilitador Luiz Fernando Gomes + os mentores Erick de Albuquerque, Carlos Filho e Beatrice Melo. Que grande final de semana, pessoal. Crédito: Pri Santos.

No mundo das startups, inovação conta muito mais que criação. Porque já se entende que todo mundo é criativo, todo mundo pode ter boas ideias, todo mundo é capaz de criar. Mas poucos conseguem apresentar uma empresa que ainda não existe para 20 editores independentes num domingo pela manhã.

O que realmente aprendi no Startup Weekend Recife é que devo me agarrar às minhas dúvidas. Certezas todo mundo tem.

Tamo junto. #swrecife #GSB2015

Ps.: A Narrativa Livros Independentes é bem recente (tem apenas 3 dias de existência), mas você pode se cadastrar clicando aqui para receber novidades no seu e-mail.

Ps.2: Faltou falar tanta coisas dessas intensas 54 horas. Mas é que já tenho tanta coisa pra fazer na Narrativa que o tempo anda bem escasso.

Ps.3: Abraços a todo o meu time. Foi incrível.

Ps.4: Pra fechar, segue a playlist oficial do evento:

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Patrício
Blog do Patrício

Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.