Tem dias

Patrício
Blog do Patrício
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2 min readAug 23, 2016

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Tem dia que é fácil. O gel desliza dos dedos aos cabelos e em segundos você tem um topete; o açúcar se dilui na medida certa no espesso do café com leite; o jornal matinal transmite exatamente o que você quer ver. Você sai de casa leve e confiante e feliz — você se transforma em protagonista de propaganda de absorvente. Flutua pelas ruas, desmancha as carrancas, sorri para o sol. É fácil.

Mas tem dia que é foda. O sono não vem — e como não vem, você desiste que virá. Você frita nos lençóis encardidos de saudade, você perambula pela penumbra do quarto, você constrói trocadilhos ruins para o tempo passar. A manhã penetra a vigília como uma sentença de morte. Você vai e vem do quarto à cozinha com o peso de quem caminha do claustro à guilhotina. E você faz rimas. Sua cabeça luta contra sua cabeça pra se manterem vivas. É foda.

Mas tem dia que é fácil. Porque é sexta, porque você está de tênis novos, porque todos estão animados para se encontrar ali naquela cervejaria que está com clone de chope até vinte e duas horas — porque qualquer coisa, qualquer fato, qualquer micro-ocorrência que se permita ser lastro para o maremoto que se tornou você. Você se agarra nessas coisas e vai. Parece fácil.

Mas tem dia que é foda. Fritar um ovo faz lembrar. Assistir tevê faz lembrar. Tomar cerveja faz lembrar. Você tenta se livrar do acúmulo de ontens que tenciona sua cabeça, mas a memória é muscular — são seus bíceps pedindo, é seu diafragma berrando, é sua lombar se dobrando para dentro de si mesma em dor. É seu coração. E é foda.

Mas tem dia que é fácil. Porque você decidiu que assim seria. E tem dia que é foda. Porque você acredita que sofrer um pouco faz parte do processo de cura. E tem dia que é fácil. Porque parece que você está mais perto que nunca. E tem dia que é foda. Porque nunca parece um conceito totalmente tangível. E tem dia que é fácil. E tem dia que é foda.

E tem dias — todos, pra ser mais exato — que você só quer que não seja nem um nem outro.

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Patrício
Blog do Patrício

Escritor, jornalista, publicitário, roteirista. Autor dos romances “Lítio” e “Absoluta Urgência do Agora” e da coletânea de contos “A Cega Natureza do Amor”.