Conheça a revista Brejeiras

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8 min readAug 30, 2018

A Revista Brejeiras é um sucesso, um sucesso muito bem-vindo. E a Blooks está muito feliz em ser um caminho de passagem para essa turma luminosa que faz uma bela revista!

Brejeiras é um movimento cooperativo de e para lésbicas que busca trocar experiências e salivas, ampliar imaginários e contatinhos, ocupar línguas e linguagens, revisitar os becos da memória, enfrentar apagamentos e construir resistências.

Batemos um bom para com elas para você conhecer melhor essa iniciativa que traz as mulheres lésbicas para um primeiríssimo plano, produzindo conteúdo, trocando ideias e abrindo caminhos. Leia nossa conversa com Camila Marins, Cristiane Furtado,Laila Maria, Luísa Tapajós e Roberta Cassiano.

Como surgiu a ideia de publicar a revista?

Brejeiras é fruto do encontro de 5 amigas vindas de partes diferente do Brasil — Camila Marins é mineira, Cristiane Furtado é gaúcha, Laila Maria é baiana, Luísa Tapajós é paraense e Roberta Cassiano é carioca. Somos cinco mulheres lésbicas que se conheceram na militância no PreparaNEM, curso preparatório para o vestibular voltado para pessoas trans no Rio de Janeiro.

No aniversário de 40 anos de Cristiane Furtado, no final de janeiro deste ano, nos sitiamos, literalmente. Subimos a serra e fomos para um sítio em Rio Bonito de Lumiar, sem internet e sem sinal no celular. Como toda sapatão brejeira, levamos violão, cerveja e vinho. Entre os banhos de rio, uma música e outra no violão e uns copos de breja, conversamos muito sobre a falta de representatividade sapatão na mídia e como isso nos incomodava. Começamos a esboçar a ideia do que gostaríamos que fosse pautado e como seria. Desenhamos no papel o que seria uma revista lésbica. Pensamos em editorias sobre música, comida, lazer, cultura, sexualidade e história. Criamos nomes para essas sessões que falassem a partir de nossas referências. Sonhamos com entrevistadas como Ellen Oléria, que tornou-se nossa capa da primeira edição. Naquele sítio, pensamos o quanto seria importante ter na nossa adolescência, por exemplo, um meio de comunicação lésbico que falasse de nossas estéticas, desejos, sonhos e histórias. Certamente, nossas vidas teriam sido muito diferentes se tivéssemos representatividade. Assim surgiu Brejeiras, do desejo de representatividade e do afeto entre mulheres.

2- Como foi a escolha do nome Brejeiras?

Sapa é uma abreviatura de sapatão, insulto que ouvimos nas ruas e ressignificamos para nos juntar e somar potências. Sapas vivem no brejo e sinceramente lutamos para deixar tudo mais úmido (risos). Brejeiras somos nós, sapas que habitamos os brejos. Mas, brejeiras é também um trocadilho com o fato de sermos super cervejeiras. Em alguns lugares, cerveja é abreviada para breja e como com brejas viramos noites de bares, conversas, política, alegria e diversão, nos intitulamos Brejeiras.

Fale sobre essa nova forma de editar, a forma colaborativa.

Estamos experimentando e construindo uma comunicação feminista baseada em alguns princípios como cuidado, respeito, escuta, oralidade e, principalmente, consentimento. Desafiamos! Rompemos a norma da gramática ao estampar outra concordância na nossa primeira capa: “8 de março: e as sapatão?”. Praticamos uma comunicação feminista antirracista, ouvindo e construindo pautas com mulheres negras. Quando falamos sobre expandir o amor entre mulheres do campo privado para a coletividade, isso é fazer uma comunicação feminista. O mundo patriarcal em que vivemos não ensina amar mulheres, mas sim explorar, usurpar e competir. A competição entre mulheres é incentivada nas mídias hegemônicas de forma brutal. Nossa comunicação é outra, visa formas de alianças e a possibilidade de seguirmos juntas, numa rede de afeto e apoio que constrói outras possibilidades de imaginários e uma outra realidade para nossas existências.

Desta forma, escrevemos juntas, nos ouvimos, conversamos, pensamos, propomos, editamos a revistas e redigimos textos e chamadas. Às vezes nos encontramos, às vezes trabalhamos online através de ferramentas de edição, mas sempre nos ouvindo e cooperando.

A Revista Brejeiras surge do afeto entre mulheres e é resultado de um movimento cooperativo que procura ampliar os espaços de fala das mulheres lésbicas, trazendo-as para o centro do debate. Contamos com o trabalho da designer Renata Coutinho (responsável pelo projeto gráfico e diagramação), da ilustradora Ju Gama (autora de nossa logomarca) e da jornalista Laura Ralola (autora de alguns artigos) e diversas outras colaboradoras que chegam com seus textos, ilustrações, fotografias, contatos e entrevistas.

A partir da segunda edição lançamos uma chamada pública para colaboradoras com textos e imagens e estreamos a coluna “Seu textão na Brejeiras”. Recebemos muitos textos, ilustrações, quadrinhos e fotografias de diversos lugares do Brasil, dando início a um acervo de produção sapatão. Ler e ver tantas coisas maravilhosas feitas pelo nosso brejo éi inspirador.

Como é a curadoria sobre o conteúdo? Deve ser um desafio, como analisa?

Fazemos inúmeras reuniões para realizar a revista. Atravessamos, muitas vezes, as madrugadas para dar conta de todo o trabalho. As reuniões de pautas são umas das mais gostosas, sem dúvida, pois é nosso momento de sonhar bastante — qual tema atravessará a revista, quem poderá ser nossa capa, quem será nossa convidada — encontros em que traçamos a coerência da revista do início ao fim. Nós disputamos, argumentamos e embasamos sobre a linha que iremos seguir e abrimos as possibilidades para cada editoria que compõe a revista. Todas nós temos muito a dizer, pensar e criar. Nossas convidadas também são mulheres maravilhosas com histórias incríveis de vida.

Uma vez que decidimos o tema da revista, abrimos a chamada para “Seu textão na Brejeiras” e começamos o processo de leitura e seleção dos textos e imagens, bem como a escrita das matérias e realização das entrevistas. Nosso maior desafio é ter que cortar na edição, chega a doer o coração. Esses são os momentos de maior tensão, o que fica o que sai, o que é fundamental, o que podemos deixar ir. Não é à toa que a revista nasce com 16 páginas e já na segunda edição dobramos e fechamos com 32 páginas.Fazer a Brejeiras é acessar a produção forte, densa, bela e necessária de mulheres lésbicas, que desafiam todos os dias de suas vidas as normas, a heterossexualidade compulsória, ensinando táticas e estratégias de resistência e rebeldia necessárias para existirmos.

Quais as dificuldades de editar uma revista independente?

O mais difícil foi (e ainda é) a viabilidade deste projeto. Não sabíamos se daria certo. Não sabíamos como abrir espaço em nossa agenda corrida, em nosso orçamento apertado, em nosso cotidiano já tão cheio de lutas, jornadas e compromissos.

Os passos largos do conservadorismo e do neoliberalismo nos fazem encarar a feminilização da pobreza, a dificuldade de acesso aos espaços de fala e também ao lazer. Os maiores desafios são também objetivos da revista: viabilidade econômica (como sustentar a revista, como transformar a revista em nosso sustento e fortalecer uma economia solidária entre as sapatonas), representatividade (reunir mulheres lésbicas e movimentos que nos representem e atuar na identificação e expansão de imaginário para nossas leitoras), diversão (que a revista tenha uma construção e uma leitura prazerosa) e afeto (que a revista expanda o amor entre mulheres do campo privado para a coletividade e o fortalecimento de redes).

Como analisa os independentes no setor editorial?

Acreditamos na comunicação como um direito humano e também um outro modelo de comunicação. Isso significa fazer do exercício da comunicação um direito de todas as pessoas e possibilitar acesso a outras linguagens, narrativas e estéticas. Defendemos, sonhamos e construímos uma comunicação mais inclusiva, que respeite a diversidade, que não espalhe o ódio e a opressão, que não dê espaço para o racismo, o machismo e a lesbofobia e que mostre as diferenças e potencialidades do nosso país. Defendemos, sobretudo, que as diversas pautas dos direitos humanos estejam representadas na mídia. Desafiar a hegemonia dos meios de comunicação é estabelecer resistência da mídia alternativa e independente. No entanto, a mídia independente encontra dois desafios a serem solucionados: a distribuição e a viabilidade econômica. Isso porque não conseguimos alcançar as bancas do Brasil inteiro, livrarias, escolas, organizar um banco de assinaturas e, principalmente, atrair anunciantes. O mercado editorial não é um modelo de negócio inclusivo.

Como vê o papel das livrarias em parceria com as iniciativas de autores e editoras independentes.

A distribuição e a curadoria sempre são questões a serem enfrentadas e, nesse sentido, as livrarias têm um papel fundamental. Isso porque além promoverem a ampliação de seu acervo editorial também atingem outros públicos. A parceria entre livrarias e publicações independentes é um bom negócio para ambas as partes. A diversidade, hoje, é um valor a ser buscado para ampliação de mercados e públicos, e exige a construção de um outro modelo de negócios. Publicar é algo muito caro e trabalhoso e muitas de nós, independentes, não conseguimos espaço nas livrarias que, muitas vezes, estão tomadas por um acervo comercial previamente estabelecidos. Queremos e devemos furar a bolha editorial. Para nós é importante estar fisicamente nas livrarias e, por isso, a nossa opção editorial em ser uma revista impressa. Hoje, uma das questões do mercado editorial é o fim do impresso devido às redes sociais, e-books e outras formas de veiculação de conteúdo. Muitos jornais e revistas da mídia privada estão com seus balancetes negativos e com a queda cada vez maior de assinaturas e vendas. Nós escolhemos o impresso. Escolhemos a materialidade seguindo uma contratendência e para afirmar, principalmente, que o impresso não está em baixa, mas sim as formas de produção e as narrativas hegemônicas. A nossa primeira edição esgotou e seguimos com inúmeros pedidos. A segunda edição está quase acabando em um mês com uma tiragem de 1.000 exemplares e lançamentos com a presença das editoras em diversas cidades do país.

Poderia finalizar dando sua percepção da Blooks enquanto multi-plataforma de conteúdos, seja em livraria, Medium, eventos, parcerias e iniciativas nômades em eventos externos

A Blooks livraria é um exemplo que fura a bolha do mercado editorial. Isso porque busca, cotidianamente, parceria com iniciativas independentes. E não apenas com livros, mas também com venda de revistas, zines, ilustrações e outros formatos editoriais. O acesso e a produção de livros são marcados por uma relação assimétrica de classes sociais. Mais do que possibilitar o acesso a publicações independentes, a Blooks promove debates em seus espaços, estabelecendo um espaço de reflexão sobre o pensar e a leitura. A possibilidade de uma multiplataforma editorial dialoga com as novas tendências da comunicação e a emergência das novas tecnologias, ampliando o espaço físico para as redes e, portanto, aumentando o acesso das pessoas.

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Contemporânea e inovadora, a Blooks é uma livraria que aposta na diversidade e que encara o livro não como produto comercial mas como fonte de cultura.