Lygia Fagundes Telles, 97 anos

Uma crônica de Toinho Castro

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3 min readApr 19, 2020

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Lygia Fagundes Telles — Reprodução

Num certo 19 de abril de 1923, num mundo muito diferente do mundo em que hoje vivemos, nascia Lygia Fagundes Telles, em São Paulo. Eu nasci 23 anos depois, do outro lado do Brasil, em Natal, no Rio Grande do Norte, sem saber que minha trajetória cruzaria com a dela, num desses encontros que mudam tudo. Não, eu nunca encontrei com a Lygia, nem nunca troquei correspondências com ela. Minha amiga Nélida guarda até hoje um cartão postal que lhe enviou a escritora em 1993, em resposta a uma carta… ah, o tempo das cartas. Tomo a liberdade de cometer essa indiscrição e compartilho seu mimo com nossos eventuais leitores, pra que a gente possa reparar na caligrafia e na energia dessa mestra, sua preocupação com os destinos do país e da literatura. Esse recorte de papel, comprado em Barcelona “há duzentos anos”, é um pequeno registro da literatura brasileira, um pequeno pedaço dessa história.

Mas eu ia dizendo que meu destino cruzou com Lygia. Devo muito à professora que me alfabetizou, que me deu instrumentos para adentrar esse mar imenso da escrita e da leitura. Mas com toda gratidão que tenho a ela, devo dizer que somente muito depois é que aprendi a ler. E aprender a ler foi um processo longo, na verdade uma construção que ainda se faz, todos os dias, e Lygia Fagundes Telles esteve entre as professoras e professores que me conduziram nesse aprendizado.

Quando Antes do Baile Verde caiu nas minhas mãos, vindo sabe-se lá de onde, uma pena que uma referência dessa tenha se perdido na memória… foi aí que conheci Lygia e pensei “Então é assim que se escreve…”, enquanto ela me dizia “Menino, é assim que se lê!”.

Lygia não sabe, mas me ensinou a ler. Me pegou pela mão, linha após linha, página após página e me conduziu naquele mar. Eu já tinha o barco, os instrumentos, faltava-me o mapa, faltava-me o rumo. Lygia deu-me esse prumo, esse norte. E de repente o mar não era mais uma planura azul mas estava cortado de caminhos. Naturalmente não foi a única professora que tive nessa escola, mas tenho ela no meu carinho e numa lembrança permanente, pela grandeza de sua obra, pela permanência histórica de sua pessoa, como se fosse mesmo um sinônimo de literatura brasileira. Lygia é aquele exemplo clássico de que uma escritora é um universo, um mundo.

Hoje ela completa 97 anos de vida, uma vida que se inscreveu em muitas vidas, em gerações. Hoje, em algum lugar, tem uma garota ou um garoto, tão jovens, abrindo um livro de Lygia. Nunca esquecerão disso.

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