O mapa dos livros

Blooks Livraria
Blooks
Published in
3 min readAug 16, 2018

Uma crônica de Toinho Castro

Livrarias são lojas, mas também são cidades, países inteiros. Mesmo um mundo. Como podemos afirmar isso? Basta entrar numa livraria para perceber a ordem quase geográfica das coisas. As seções, os gêneros literários, os focos de iluminação, os vazios, as fronteiras. E os habitantes. A garota na seção de ficção científica fala um idioma diferente do rapaz que vagueia pela seção lançamentos com o último de Paul Auster ou Mia Couto nas mãos. Mas isso não quer dizer que não possam se entender, trocar um olhar cúmplice, típico de quem frequenta livrarias; de quem comprar livros.

Do lado de fora, de olhos grudados na vitrine, um adolescente e sua mãe, ou seu pai, escaneando as capas, procurando algo que, de repente, o carregará para dentro da livraria, como um vórtice, um redemoinho, uma ventania. No centro de tudo, quase sempre, o balcão dos lançamentos parece mais iluminado que o resto; parece que tudo o orbita. Mas não, isso é um engano. Se você resistir à sua poderosa força gravitacional, poderá mergulhar no vasto universo da livraria. Sem a distração as novidades você vai descobrir riquezas, como aquelas mergulhadoras japonesas catadoras de pérolas.

Foto: https://pxhere.com/pt/photo/76588

Livros lançados dois, três anos atrás, até mais, surgindo diante dos seus olhos e você pensando “Como não vi esse livro antes”. A livraria é um país indescoberto, se você reparar bem a maioria das coisas ali é novidade para você, mesmo não sendo novas. Livros e mais livros escritos por todo tipo de gente, cada vez mais representando a diversidade do mundo. Se antes eram, em grande parte, as palavras dos homens brancos, hoje carregam as vozes das mulheres negras, da África, as vozes da Índia, dos povos indígenas, dos excluídos, dos que desafiam as convenções dos gêneros. Feche os olhos e escute as vozes que saem desses livros. Deixe-se guiar por elas.

Você vai esbarrar em alguém, talvez a moça que curte ficção científica,mas não se preocupe, mesmo sem falar o mesmo idioma vocês ainda podem se entender, por causa desse reino comum… a livraria. Porque vocês carregam o mapa dos livros na cabeça, sabem se deslocar no tempo e espaço peculiares que somente uma livraria pode conceder. Você vai cruzar a ponte sobre o rio das histórias em quadrinhos numa direção e ela em outra. O rapaz com o livro de Paul Auster carrega agora um exemplar escrito por uma mulher chamada Conceição Evaristo, porque alguém que estava por ali lhe sugeriu.

Ao fim todos retornam para suas casa, seus afazeres. Amanhã, ou semana que vem, quando você retornar, a livraria, esse país que se movimenta por dentro, não será a mesma. Você não será a mesma pessoa. Quem lembra o rio de Heráclito? Nunca se coloca o pé no mesmo rio. O rio nunca é o mesmo. A livraria é o riocorrente de Joyce, o sertão de Guimarães Rosa, o sítio iluminado de Hilda Hilst.

Tudo estará mudado, tudo será novo. E você ainda será bem-vindo.

--

--

Blooks Livraria
Blooks
Editor for

Contemporânea e inovadora, a Blooks é uma livraria que aposta na diversidade e que encara o livro não como produto comercial mas como fonte de cultura.