O que a poesia pode fazer por você

Toinho Castro
Blooks
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4 min readJun 12, 2018

Por Toinho Castro

Sempre que alguém anda sem tempo para ler eu recomendo que leia poesia. A leitura de poesia pode ser mais fragmentada; abre numa página, ali o metrô, e lê um poema. Recomendo muito Paulo Leminki, com seus poemas curtos e sua verve; certo humor que pega a gente e nos joga pro próximo poema com um riso de delícia no canto da boca, como o beijo que o Sr. Darling via no canto da boca da Sra. Darling em Peter Pan (Já leu Peter Pan?!).

Não, não estou dizendo que ler poesia é fácil, ou que poesia tipo uma leitura-entretenimento para quem está com pressa ou entediado enquanto chacoalha no trem. Há muito níveis possíveis de leitura de um poema e, às vezes, tem uma leitura que é esse contato mais imediato, mais simples mesmo, e que abre uma porta para o mais complexo, para o mais elaborado. Assim aquele poema que lemos numa camada mais imediata, aprendemos que há outras camadas possíveis. E ele, o poema, muda a cada nova leitura. Ele cresce com a gente, e crescemos com ele.

Posso apostar que todo mundo, em algum momento, já escreveu poesia. Pode ter sido na escola, escrevendo versos para os pais ou para o primeiro amor. Quem sabe? Mas, também em algum momento, muita gente deixa a poesia para trás. Muitos homens, por exemplo, associam poesia a certo romantismo e feminilidade, e, olha só que coisa, se afastam da poesia. Equívoco enorme, primeiro por se afastar de algo porque lhe parece romântico, segundo por não ter o entendimento que a poesia pode ser, e é, mais que isso. Ou melhor, além disso. Na poesia você vai encontrar ironia, engajamento político, sonhos e realidades alteradas, sexo (muito sexo!) e uma miríade de assuntos que esgota as paixões humanas.

Trecho do poema ‘Conversa sobre poesia com o fiscal de rendas’, do poeta russo Vladimir Maiakóvski — Tradução de Augusto de Campos (Ed. Perspectiva)

Muita gente gosta de ler histórias e acha que não vai encontrar histórias na poesia. Erro de quem não lembra que as grandes narrativas eram poemas, como a Odisseia, de Homero, ou a Divina Comédia, de Dante. E que histórias, viu?! Influenciaram praticamente tudo que você por aí para ler, ouvir ou assistir. A poesia está na nossa raiz formadora. Antes de escrever romances, contos ou relatórios, o ser humano escreveu poesia. Antes de inventar o automóvel ou antes de fazer o mais pesado que o ar ganhar os céus, a gente fez poesia. Eu chamo isso de prioridade.

Então só você reparar direitinho, ler poesia é um ato de resistência contra o óbvio, contra o pouco, contra a ideia de que a vida é pouca. Porque a poesia é enorme e está atrelada à vida e a traduz quando parece que não compreendemos mais nada. Ler um poema é um gesto simples, seja um soneto de Florbela Espanca ou de Vinícius de Morares, seja dessa garotada que está enchendo as livrarias com novas edições de livros de poesia falando do hoje, do agora, do intenso e do amanhã. Mulheres, negros, minorias (são mesmo minorias?!), discutindo em seus poemas as questões de gênero, da violência urbana. A gente lê e se identifica! Não tem jeito!

A poesia é escrita e é falada; posso imaginar um Homero hipotético declamando sua Ilíada, enquanto um jovem da periferia de São Paulo discorre seus versos na arena da praça da comunidade. Posso imaginar voz se cristalizando em papel. Lembro de pesquisadores apressados tentando registrar os versos dos cantadores nordestinos, que do contrário se perderiam no eco das feiras.

A poesia encontra o livro e você encontra o livro de poesia. Simples assim. Chacoalhando no trem ou no ônibus, abrimos uma página qualquer e lá está o poema, completo, inteiro, intenso e nosso. Parece que é fácil, mas logo descobrimos que é mais. Logo nos surpreendemos com o quanto uma poesia fala com a gente. O poeta Haroldo de Campos, que com seu irmão Augusto de Campos e Décio Pignatari, inventou uma coisa chamada poesia concreta, escreveu assim:

que a flor flore

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