Desabafo de uma quase ex-professora

Loriza Kettle
Boa de Conversa
Published in
7 min readMay 4, 2018

Depoimento de uma jornalista e professora que já não acredita mais na Educação

Muitos professores hoje estão com deprssão

Confesso que nunca tinha pensado antes discutir este assunto, mesmo sabendo desde sempre da realidade que vivemos com a Educação no Brasil. Mas quando vi, há alguns anos, o depoimento de uma professora numa audiência pública em Natal-RN, achei que deveria falar sobre o assunto. Na verdade, quando esse vídeo foi veiculado, fiquei pensando se deveria mesmo falar. Afinal, na época ele teve grande repercussão na mídia e tornou-se o principal assunto nas salas dos professores no Brasil inteiro. Mas justamente por sempre trabalhar com Educação e saber, como ninguém, da situação que vivemos, é que tenho o direito de expor minha tristeza e decepção com o tratamento que os professores tem pela parte de todos. Um tratamento que se resume em três palavras: falta de respeito. Falta de respeito do poder público, da sociedade, dos pais, dos alunos e da direção da escola.

Você que lê esse texto deve estar pensando “como assim uma jornalista falando em Educação?” Primeiramente porque sou cidadã brasileira e só isso me habilita a falar. Além disso, como todo bom jornalista tenho o senso crítico, não sou cega e nem hipócrita para negar o que está diante dos meus olhos. Mas acima de tudo porque posso falar com propriedade, pois sei muito bem o que é uma sala de aula há muito tempo. Me formei no antigo Magistério, dei e dou aulas aulas pra todos os níveis da Educação Básica, do Ensino Infantil ao Ensino Médio.

Os alunos estão cada vez mais indisciplinados

Conhecimento de causa

Por isso sei como ninguém como é a situação nas salas de aula hoje em dia. A situação é crítica, e falando francamente (não pretendo falar de outro jeito), em quase todos os níveis do ensino. Não posso generalizar, tenho que ser justa. Pelo menos até o quinto ano do Ensino Fundamental o professor consegue resultados satisfatórios. Mas do quinto ano em diante, como diz um colega jornalista, “o bicho pega”.

É verdade que a Educação no Brasil sempre foi difícil. Eu costumo dizer que antes o professor só ganhava mal, mas era respeitado pelos alunos. Hoje em dia nem isso. Falando assim pode parecer que faz muito tempo que os mestres eram tratados devidamente, mas não. Há poucos anos atrás eu entrava numa turma do Ensino Médio e conseguia a atenção dos alunos somente me posicionando em frente da sala, sem falar nada. Eu também conseguia dar uma aula explicativa e corrigir os exercícios na lousa.

Hoje a realidade é bem outra. Você pode pensar que o problema é comigo, que perdi o controle dos alunos, que não tenho mais domínio de sala. Durante algum tempo eu também pensei a mesma coisa. Mas eu o convido a visitar a sala dos professores de qualquer escola da sua cidade. Converse com os professores, preste atenção nos comentários. Não vai demorar muito tempo para você perceber que a situação é unânime.

Mas se a Educação no Brasil sempre foi difícil, tem uma coisa que entornou o caldo de vez: a Progressão Continuada! Sinceramente, eu não sei quem foi o “gênio” que inventou isso, mas com certeza não foi professor. De acordo a progressão, o aluno não pode reprovar, ou seja, a escola é obrigada a promovê-lo mesmo que ele tenha vagabundado o ano inteiro, não tenha feito nenhuma atividade e não tenha conseguido atingir média em nenhuma disciplina. Me diga uma coisa, pra quê professor se o aluno sabe que vai passar de ano mesmo que ele não faça nada nas aulas? Aliás, pra quê prestar atenção nas aulas? E pra quê fazer as atividades? Pra quê respeitar o professor? O professor perdeu completamente a função de ensinar.

É por isso que as turmas estão cada vez mais indisciplinadas e o aluno não quer saber de estudar. Ele só quer passar de ano, mesmo que não aprenda nada. Se ele já sabe que vai passar de ano, perde totalmente o interesse nas aulas. Aí conversa o tempo todo, briga com o colega, sai várias vezes da sala… e nem adianta o professor pedir atenção, ninguém ouve. Pra quê? O pior é que tem aluno que pensa que o professor tem obrigação de dar nota pra ele, mesmo sem merecer. Ele não faz nada o ano inteiro e se enche de direitos! Quando o professor passa trabalho e recebe um lixo, o aluno acha ruim se não tem nota. Quando ele tem a cara de pau de copiar o trabalho do colega, do livro ou da internet (achando que o professor não vai perceber) e o professor devolve o trabalho, é a mesma coisa. E o que acontece? Muitas vezes o professor é agredido em sala de aula, espancado e até morto.

Casos reais

Eu estava numa turma do primeiro ano do Ensino Médio passando pelas carteiras, conferindo os trabalhos. Percebi que tinha um aluno que estava tranquilamente lendo uma revista e fui até lá conversar com ele. Perguntei se ele não ia fazer mesmo o trabalho. Ele disse que não. Eu argumentei que aquele trabalho valia nota para o bimestre e que se ele não fizesse provavelmente ficaria com a média vermelha. Sabe o que ele me disse? “Tudo bem, professora, no final do ano eu sei que vou passar de ano”. Depois dessa eu me calei e não falei mais nada porque, como dizem, contra fatos não há argumentos.

O pior de tudo é às vezes perceber que a própria direção da escola colabora para essa situação. Eu dava aula no quinto ano do Ensino Fundamental e tinha um aluno com 13 anos que, pasmem, não sabia ler nem escrever. Lembro muito bem que cheguei a marcar algumas aulas de reforço, mas ele não aparecia. Além de tudo faltava demais as aulas. Como esse aluno conseguiu chegar no quarto ano sem saber ler e escrever? A Progressão Continuada, claro!

No final do ano letivo óbvio que ele não conseguiu média suficiente para a série seguinte. A diretora me chamou na sala e, acredite, me falou que eu teria que promover o aluno para o quinto ano. Eu disse que não faria isso porque ele não tinha como acompanhar nem o quinto, quanto mais o quinto ano. A diretora falou que a escola não podia reter o aluno porque, por lei, ele tinha o direito de ser promovido. Fiquei revoltada, mas fui obrigada a “dar nota” para o aluno.

Promover esse aluno foi uma judiação. O que ele faria no sexto ano se não conseguia fazer nada? Eu entendo perfeitamente porque faltava tanto! Além de estar fora da faixa etária dos colegas, não conseguia acompanhar as aulas. Isso porque não entendia nada o que era explicado e por isso não era capaz de fazer nenhuma atividade proposta. O que poderia fazer na escola se não tinha nenhuma motivação? Também concordo que era muito melhor ficar em casa! Eu faria a mesma coisa.

Se o objetivo da Educação é ensinar e promover conhecimento, a Progressão Continuada fere esse princípio. Porque se o aluno não presta atenção nas aulas e não faz os exercícios, ele não aprende. Mas mesmo assim passa de ano. No ano seguinte é a mesma coisa. Ele continua não prestando atenção nas aulas, não aprendendo… e passando de ano! E assim o ciclo se repete. Eu pergunto, onde está a Educação? Cadê a Educação que eu não vejo? Onde está o princípio da Educação? Eu respondo: ele não existe!

Muitos professores são impedidos de trabalhar

Situação cada vez mais crítica

O que eu vejo são alunos cada vez mais mal educados, cada vez mais desinteressados, cada vez mais burros. Aliás, tudo isso não é à toa, tem um propósito. É claro, pra quê transmitir conhecimento se é muito mais fácil manipular um a população ignorante? É justamente isso que o governo quer, um povo burro pra fazer dele massa de manobra. E como conseguir isso? Falindo a Educação! E estão conseguindo, porque a Educação está um caos. E é bom esclarecer aqui, a palavra certa não é educação e sim, deseducação! Cada dia que passa me decepciono mais, principalmente vendo a falta de respeito que o poder público trata os professores.

É por isso que está cada vez mais difícil encontrar professores nas salas aulas. Claro, com a situação nas escolas do jeito que está, somando com o descaso por parte do governo, o professor não quer mais ensinar, pois chega a ser humilhante. Muitos estão mudando de área porque estão doentes. A profissão de professor deveria ser a mais respeitada afinal, todos os outros profissionais passam por ele. Mas a situação é justamente contrária. A desvalorização do profissional da educação cresce a cada dia e tendência é piorar ainda mais. Vai chegar o dia em que não vamos mais encontrar professores e as aulas terão que ser à distância. Quando esse dia chegar a profissão de professor estará em extinção. Talvez aí seremos reconhecidos, mas já será tarde. Pode ser que nesse dia o aluno passe a se interessar em aprender.

Gostou do artigo? Comente. Recomende. Compartilhe.

--

--

Loriza Kettle
Boa de Conversa

Loriza é jornalista e escritora. Para ela conhecimento é precioso e o tempo seu aliado, pois acredita que idade é sabedoria em números.