Como quatro quadrados podem mostrar que vender não é diferente de construção de marca.

arribanicolas
BOdoGPRS
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6 min readOct 16, 2017

Não que seja novidade essa discussão, mas o contexto recente nos dá mais um motivo para tratar desse assunto. Acontece que parece que houve uma aclamação para um dos discursos ao final do FIC2017 — evento da Abradi que infelizmente não pude ir — sobre voltar as origens da propaganda, voltar a vender.

Não é segredo que existe no mercado um consenso de que comunicação para vender produtos e comunicação para construir marcas são coisas diferentes. Mais ainda, existe um preconceito, em parte do mercado, com teorias. Supostamente algo raro de se aplicar na realidade da comunicação. Bom, aqui falaremos dos dois, porque uma teoria e um case globalmente premiado de estratégia podem contribuir muito para essa discussão — vender ou construir marcas.

Ano passado, o Jay Chiat Awards — um dos prêmios mais reconhecidos de estratégia de comunicação — decidiu que a Pedigree, com “Feed the Good”, merecia o ouro em estratégia global. Tudo nela vale a pena, mas algo que eles não citam, nem no case e nem em comentários sobre o case, foi o que mais chamou atenção. Que é sua aproximação, tratando-se de aplicação, com uma teoria presente em um livro de economia comportamental de 2014.

E porque isso é tão relevante? Porque essa teoria, como diz o próprio autor do artigo, pode ajudar a resolver o tradicional debate entre focar esforços e investimento na imagem de marca, ou focar em comunicação de produto.

“The perspective of ‘brands as frames’ can help to end the typical dualistic debate between Marketing and Sales departments, where Sales want to focus on the product whilst Marketing and agencies want to put the focus on a brand’s ‘image”’, Phil Barden, Decode Marketing.

Ou seja, temos uma teoria e temos um caso real, reconhecido, para falar sobre algo tão presente em qualquer discussão em relação a comunicação, que vai de uma escolha estratégica de investimento até a criação de um card de Facebook.

Na apresentação do case ao Jay Chiat Award, a BBDO coloca, “estávamos com a comunicação fragmentada, inconsistente”, e é por aí que começamos.

QUASE UMA DÉCADA DE UMA COMUNICAÇÃO INEFICIENTE

Em 2005, a empresa lançou nos seus principais mercados a campanha “We’re for Dogs”, que buscava posicionar a marca de forma emocional no nível mais alto da categoria, além de trazer um propósito para ela. Acontece que ela só teria atingido um nível superficial daquilo que buscavam, não teria atingido de fato o motivo de por quê amamos cachorros.

“We’re for dogs. Some people are for the weals, some are for the trees. We’re for dogs”. Dog Rules. Pedigree. Filme

Mas muito mais do que não alcançar o nível emocional que se buscava, o problema era a incapacidade dessa campanha ser uma plataforma para comunicar o produto, segundo o case. Para compensar, literalmente, uma campanha específica de produto foi desenvolvida; sem nenhum atributo emocional, ela se adequava a contextos de mercado e era baseada em infográficos e chamadas de produto. Ainda em 2016, campanhas de produto iam ao ar, sem nenhuma conexão com a proposta de comunicação da marca.

O problema em si não é a possível ineficiência da campanha de produto pela campanha de produto. Mas sim, como é colocado pela BBDO, a falta de consistência entre as duas mensagens (marca e produto). O resultado é que a marca teria perdido sua antes reconhecida capacidade de conectar com as pessoas em um nível emocional, dando espaço para um competição por preço e atributos de produto.

“The brand had lost its ability to connect and needed a unifying story that the markets around the world could rally around to simplify the complexity and protect it from a battle around functionality or price.” BBDO, Jay Chiat Awards 2016.

E nesse ponto que se entende na prática o que Phil Barden, consultor na Decode Marketing, apresenta com ‘Brand as Frames’ em relação a onde está a capacidade de uma marca adicionar valor, intangível, a um produto. “Framing explains the real equity of brands”. Segundo ele, a marca concede o background que aumenta o valor percebido do produto. “It frames our perception”, coloca.

Mesmo possuindo as mesmas cores os quadrados ao centro tem sua percepção modificada a partir dos quadrados ao fundo.

O conceito da teoria apresentada por Phil Garden é bastante simples. A marca é quem modifica, colocando uma série de elementos e mensagens ao redor do produto, modificando a percepção do mesmo, agregando valor nele. Testes cegos e tantas outras histórias de marcas reforçam esse conceito.

No caso da Pedigree, percebe-se quando a campanha de marca, mesmo que tenha construído um storytelling interessante, não gera um plataforma para comunicar seus produtos. Com o tempo, o resultado foi a perda do seu brand equity.

A CHAVE PARA ENCONTRAR A SOLUÇÃO

Talvez a ideia não fosse boa o suficiente, ok. Mas mais do que encontrar um nova, o objetivo que a Pedigree determinou para a construção influencia claramente o resultado.

Drive the business globally with a unified campaign that plants Pedigree’s flag on the emotional high ground of it’s category worldwide. BBDO, Jay Chiat Awards 2016.

“Um conceito criativo capaz de unificar a comunicação que coloque a Pedigree no nível emocional mais alto da categoria - globalmente”. Pode passar batido, mas a palavra unificação é a chave para entender o problema e a solução apresentada pela BBDO — e claro, o conceito de ‘brand as frames’.

Conduzido durante 5 anos pelo institudo Waltham Center for Pet Nutrition, um estudo sobre os benefícios que cachorros trazem para as nossas vidas foi a base do direcionamento criativo. Entendendo que ter um cachorro era uma experiência que nos transforma para alguém melhor, a BBDO colocou a condição de que a comunicação deveria refletir o papel dos cachorros nas nossas vidas.

A partir disso, aprofundou-se o momento cultural que nós, como seres humanos, passamos: seria uma vida fragmentada e desconexa com o que acontece ao nosso redor, fazendo com que a felicidade genuína, legítima, seja encontrada apenas na ideia de inocência da infância. E para eles, o que mais nos chama a atenção em cachorros, é que eles nunca perdem sua inocência. “They love unconditionally. They never judge”. Entendendo isso, o resultado foi:

O insight foi de que cachorros nos fazem bem porque a inocência deles nos ajudam a reconectar com a nossa. Com isso, a estratégia criativa seria lembrar como os cachorros são especiais, mostrando como o lado bom deles nos fazem mostrar o lado bom da gente. A partir disso, a plataforma de comunicação da marca cumpriria com o objetivo, principalmente o de unificar as mensagens.

A ideia criativa e como funciona a plataforma de comunicação da marca hoje (fonte: BBDO Jay Chiat Awards 2016)

É simples, mas amplamente fundamentada. Comparando com a campanha apresentada acima (DentaStix), com o novo direcionamento de marca, é possível ver o quanto a comunicação de marca atual serve como plataforma para uma campanha do mesmo produto. Vídeo abaixo:

Como comentado, não se está querendo medir a qualidade de um ou de outro por si só, e sim os objetivos apresentados e os resultados alcançados com as soluções a partir de um conceito. Em relação ao objetivo, a BBDO mostrou que com a construção, dois dos comerciais desenvolvidos entraram na lista dos 50 comerciais mais emocionantes do mundo naquele ano. Além disso, somando os quatro principais mercados houve um aumento de 10% nas vendas.

O foco aqui, desde o início, foi buscar mostrar como produto e marca se relacionam na campanha atual e anterior e, principalmente, como o problema da Pedigree foi resolvido. Não quis, em momento algum, dizer que a estratégia para uma comunicação efetiva (seja qual for a marca, ou produto) passa por integrar a comunicação de produto com a de marca. Muito menos que unificar deveria ser algo que acompanhe todos os briefings de comunicação.

E sim, tentei trazer elementos de como produto e marca se relacionam. Isso, porque uma decisão entre focar em produto ou marca — vender ou construir valor — não deveria ser baseada em uma discussão de departamentos que procuram atingir seus resultados, ou até uma aclamação por voltar as origens da propaganda. Mas sim, uma discussão baseada em informação, em análise de contexto e necessidades.

Onde meu produto precisa se enquadrar? Qual é a necessidade dele? Qual é o momento da minha marca? E não, e talvez essa seja a única frase que digo com certeza, “mas a gente precisa vender, precisamos comunicar produto” ou “mas marca importa, é o melhor jeito de agregar valor”. Os dois estão certos, mas não por estarem certo, e sim pelo contexto a qual se insere.

Não existe a priori uma necessidade de construir marca, de vender, e sim, escolhas estratégicas para responder aos desafios de um negócio, que podem pender para qualquer lado — inclusive, diminuir investimento em comunicação.

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