Mudando a perspectiva: propaganda “como algo do mundo”.

arribanicolas
BOdoGPRS
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7 min readMar 19, 2018

Recentemente descobri um novo conceito que talvez não é tão novo assim se for considerar a origem teórica. Mas isso não importa. Basicamente, esse conceito diz que ao invés de olhar dados como um método/informação, a gente deveria considerar eles ‘como uma coisa do mundo’. Fazendo uma associação, é como se um dado (número de likes em um post) assumisse a mesma categoria da água.

Como assim?

A água está presente no dia a dia de qualquer pessoa, faz parte do nosso viver. A gente usa ela pra se limpar, pra se divertir, pra viver, gerar energia, entre tantas outras coisas. Para esses autores, estamos fazendo o mesmo com dados (desde a quantidade de passos que damos em um dia até a qualidade do ar). Eles chamaram esse processo de “Domestication of Data”.

A ideia geral exposta, é que a construção de dados foi desenvolvida para certos processos, mas nada impede — que é o que acontece — que as pessoas criem outros a partir deles. No caso, eles (dados) não estariam aqui somente para medir e criar representações do mundo, mas sim, servir em alguma instância para a vida das pessoas. Essa pequena diferença parece que não muda nada, mas muda muito.

Mesmo que tenha sido a ideia original, não é sobre dados que pretendo falar. Mas sim de propaganda. Peguei emprestado o conceito, azar. Faz um tempo que penso sobre isso e só agora parece ter chegado em algum lugar — graças ao tal artigo. Onde quero chegar, é que aparentemente existe um processo de ‘domesticação da propaganda’, assim como no de dados. E isso é grande.

No caso, parece que propaganda não é mais algo estranho para as pessoas, ou, ao menos, caminha para não ser mais. É algo que faz parte da vida dela.

Exemplo disso, o comentário abaixo. Onde a forma que o Nubank interage com o público é tão importante quanto o cartão em si. Ou seja, o trabalho de comunicação da marca tem um valor tão importante quanto o produto.

Print de um dos posts da página oficial do Nubank.

Todo mundo já sabe que comunicação deixou de ser um monólogo, mas mais do que isso, ela deixou de ter valor apenas para as marcas, seja qual for.

Existe uma série de formas para exemplificar esse processo de domesticação da propaganda. O Super Bowl desse ano trouxe dois exemplos, que ao menos para esse que escreve, são muito importantes porque mostram de forma clara porque a propaganda se tornou ‘algo do mundo’.

Foram duas campanhas que a ideia estava no consumo de propaganda em si. Metalinguagem? Mais ou menos. Toda propaganda tem um conteúdo, um assunto. Desigualdade de gênero, relação entre pais e filhos, amor, felicidade, conhecimento, enfim, qualquer coisa. Mas nesse caso, era a própria propaganda.

Deixando mais claro, lá, existe um consumo de propaganda o suficiente para o consumo de propaganda virar assunto de uma ideia de uma propaganda.

O primeiro exemplo é da Tide. A essência do comercial: um produto para limpar roupa que fazendo alusões a outros comerciais famosos, inclusive do Super Bowl, diz, “se a roupa tá limpa, é um anúncio da Tide”. A ideia é a própria lógica de propaganda, e só faz sentido quando você os referencia e identifica o padrão mostrado nos comerciais.

Existem campanhas que fazem referências a fatos históricos, filmes, personalidades, entre tantas outras coisas. Nesse caso, aliás, tido como um dos comerciais favoritos do Super Bowl, a propaganda virou “o assunto” do propaganda.

O segundo, mais ainda, faz do fato de assistir o intervalo comercial do Super Bowl a ação da campanha em si. Lançando teasers, e com uma promoção, a empresa fez um comercial que apenas uma pessoa assistiu . Com uma live no Facebook, as pessoas conseguiam apenas assistir ao vencedor da promoção assistindo o comercial feito especialmente pra ele. A essência da campanha inteira foi a propaganda em si, nada de produto ou qualquer outra coisa.

Ou seja, fez da ideia da propaganda o fato de as pessoas realmente aguardarem o momento do intervalo para ver os comerciais, é algo que elas querem ver.

(Atualização 19/04/2018: infelizmente, a campanha foi tirada do ar).

MAS O QUE SIGNIFICA ISSO

Basicamente que a relação das pessoas com propaganda mudou/está mudando. Acontece que quando algo se torna parte da tua vida é totalmente diferente de algo que não faz parte. É mais do que pensar que estamos indo de uma era que se baseia em comunicação interrompendo a rotina das pessoas para algo que elas estão procurando.

A forma que as pessoas lidam com “as coisas do mundo” varia e acompanha somente uma questão, o desejo das próprias pessoas. Ou seja, falar que a comunicação é algo do mundo é entender que as pessoas vão lidar com a comunicação do jeito que for melhor pra ela.

Ou melhor ainda, existe um potencial pra isso, a comunicação não precisa partir do estranho para buscar ser bom. Ela pode fazer sentido desde o início.

A ideia geral aqui, é mudar a perspectiva que se pensa a propaganda, e não falo do assunto, da forma, do meio, mas do significado que ela adquire no contexto que ela existe. Pensando no Super Bowl, as duas marcas citadas de certa forma concluíram: as pessoas assistem o intervalo comercial, comentam sobre, esperam e criam expectativas em relação a eles, vamos trabalhar em cima disso, óbvio.

A mesma ideia claramente não funcionaria num intervalo do Fantástico. Porque o significado é diferente

E é nisso onde quero chegar quando falo em “domesticação da propaganda”. Assim como o artigo que motivou essa ideia coloca em relação a dados, a propaganda começa a servir em alguma instância na vida das pessoas. Seja para rir, se divertir, se emocionar ou até para educar. Enfim, as possibilidade são tantas quanto o que as pessoas possam querer e desejar.

Isso, por um lado aumenta a exigência com a propaganda, e pelo outro aumenta as possibilidades de fazer com que elas se engajem com o comercial.

Colocando uma nova lente na propaganda. (Foto)

UMA OUTRA PERSPECTIVA PARA A PROPAGANDA

Coloque a propaganda nessa perspectiva e é possível imaginar o quanto se pode tirar de uma comunicação. Praticamente toda a propaganda criada até o momento permeia duas coisas, provocar alguma emoção falando de mim, marca — felicidade, reflexão, nostalgia, empatia — ou falar de mim de uma forma construtiva para a vida da pessoas.

E talvez no final, nunca se vai fugir muito disso, mas quando você pena na forma que isso vai acontecer é que as possibilidades ampliam. Se comunicação se torna “algo do mundo”, ela pode realmente ocupar qualquer espaço no mundo, e não só o intervalo da programação de TV, o buscador do Google, o spot de rádio.

Claro que tudo vai depender se ela adquiriu um significado para a pessoa na situação que ela existiu.

Em resumo, o que se está querendo dizer aqui é que sim, sabemos quando precisamos explicar nosso produto e quando precisamos homenagear as pessoas. Mas quando você pensa no que a pessoa precisa, a nível de comunicação (ou seja, de mensagem) e não de produto, existe um universo infinto a ser explorado.

A gente foi acostumado a pensar, por exemplo, que ao fazer um post no Facebook para a nossa marca a gente precisa fazer nos horários de maior interação por histórico. Mas porque não pensar nos significados possíveis que existe no momento que a pessoa acessa o Facebook, e colocar a comunicação dentro desse cenário.

Obviamente falar sobre a quantidade de cacau do meu chocolate as 9h da manhã não tem menor sentido pras pessoas. Mas, talvez, trazer uma mensagem otimista em relação ao início do dia associado ao bem estar de comer um chocolate pode ser que sim.

Ou seja, porque se prender a um formato pré-estabelecido de comunicação quando o dia a dia das pessoas pode possibilitar uma infinidade de oportunidades de inserir a sua comunicação? Talvez a grande mensagem seja essa. E talvez a chave para sair de meios tradicionais de mídia também.

Onde eu posso significar minha comunicação com o consumidor? A Skol, percebeu que no carnaval poderia fazer isso na camisinha.

Versões da camisinha que acompanharam o lançamento de dois sabores de Skol Beats.

A verdade é que o mundo não tem problema com comunicação e propaganda de fato. Ele só espera que ela realmente trabalhe no significado a qual ela está inserido. E isso é o resumo da ideia de uma domesticação da propaganda, inserir ela na vida das pessoas.

É preciso entender que a comunicação tem um significado relacionado ao contexto da pessoa e não da comunicação em si.

Não é bom porque foi bem feito e também não é ruim porque foi mal feito. É o significado da interação da pessoa com a comunicação que tá errado ou certo. Aliás, pode se dizer que é por isso que o Google, apenas para citar um exemplo, está muito preocupado com anúncios ruins e vem exigindo muito mais de quem anuncia no browser deles. Isso afasta as pessoas.

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