O briefing que fez a Coca-Cola vender Coca-Cola a partir da Coca-Cola.
Princípios que guiam a comunicação, um retorno para o foco em produto e uma integração de valores de marca com benefícios.
Começou em janeiro. Na verdade, talvez até antes. Mas não importa. Você deve ter visto que a “Abra a Felicidade” virou “Sinta o sabor”, e que a lata de Coca-Cola mudou significativamente. É possível que até você tenha lido sobre a mudança, mas assim como escrevi sobre a mudança da Pedigree, vamos tentar ir além. Da mesma forma que lá, onde foi tratado o impacto que a marca pode trazer para as vendas, aqui faremos o mesmo.
Não é novidade que a Coca-Cola movimenta todo seu marketing pensando em apenas uma coisa: vender. Mas é novidade entender que a principal contribuição disso, vem da marca.
A base para a construção desse texto, é a palestra feita por Rodolfo Echevarría, vp global de criatividade, conexões e digital da Coca Cola, no Ojo de Iberoamérica de 2016. Você pode assistir aqui, uma hora de conversa direto da fonte, ou ler esse texto de 6min.
Começa, e não podia ser diferente, pelo entendimento do problema. “Fazíamos peças em que se trabalhava o propósito da Coca-Cola, quase que da companhia, como a favor da diversidade, contra a discriminação. Era 100% marca e nada de produto. E para compensar, fazíamos um comercial totalmente produto.” Rodolfo Echevarría.
Duas coisas importantes aparecem aqui, uma comunicação que não era plataforma para o produto e a iniciativa de compensar com uma campanha de produto. Isso já apareceu por aqui, volta a lembrar do nosso último texto em que a Pedigree enfrenta o mesmo problema. Dito isso, e me recuso a traduzir a próxima frase:
“La buena comunicación logra integrar los beneficios de los productos con los valores emocionáis de la marca.” Echevarría.
UMA ANÁLISE DOS ÚLTIMOS ANOS E UMA PESQUISA.
Quando avaliaram os últimos anos da marca, entenderam não só que o “abra a felicidade” já estava há muito tempo no ar, como a partir de um olhar crítico do próprio trabalho, perceberam que prometer felicidade era um espaço muito grande a se ocupar.
Resolveram estudá-la, buscaram especialistas e desenvolveram uma sociologia da felicidade. Não a Coca-Cola, investiram em estudar a felicidade. Com isso, entenderam que existem, de certa forma, três tipos.
A Superficial, que está relacionada a comprar coisas, depende de estímulos, que é externa à pessoa, é volátil e passageira. A segunda, era a transcendental, que é a meta motivacional, é perpétua, eterno, espiritual e religiosa. Seria a ideia filosófica de felicidade. Ideia a qual reconhecidamente, o VP da Coca-Cola, diz terem se equivocado ao ocuparem o espaço nos últimos anos.
A terceira e para eles a boa notícia do estudo, foi a descoberta da “felicidade relevante e cotidiana”, a felicidade que vale a pena. “Meaningful”. É a que está relacionada a “pequenas coisas”, a família e os amigos, trata-se de aproveitar o momento, os prazeres cotidianos. E era claro que abrir ums Cola-Cola sim poderia ocupar esse espaço.
“Isso é Coca-Cola, esse é o espaço que ela ocupa, não precisamos nem ser milionários, nem muito espirituais para aproveitá-la.” E foi a partir disso que se chegou na ideia central:
“O simples prazer de tomar uma Coca-Cola faz com que os momentos sejam mais especiais”
É o simples prazer de tomar Coca-Cola, o benefício de produto com a recompensa emocional, de felicidade, que tem relação com o valor de marca. E com isso surge a primeira regra, de muitas que virão, para qualquer exercício de comunicação da Coca-Cola: é imprescindível que se integre os valores de marca com os benefícios de produto. E foi assim que se chegou na campanha:
E ainda, também olhando para os últimos 10 anos da marca, perceberam que algumas práticas, desde redação até direção de arte não condiziam com alguns pontos. O uso em excesso de fotos de estúdio, longe da realidade, a visão gráfica e computadorizada, a visão trabalhada de ícones da marca, que dificultava o entendimento de quem tem pouca familiaridade com a marca afastavam a comunicação, em casos, de seu objetivo. O que leva uma série de diretrizes para o novo momento.
O MÉTODO COCA-COLA DE FAZER COMUNICAÇÃO.
Começando pela missão geral de toda e qualquer ação. Criar demanda a partir da geração de desejo, é assim que o marketing da companhia enxerga o exercício de comunicação. E a partir disso que desenvolveu os 4 princípios que guiam ela.
- Coca-Cola é a protagonista. Ela está no centro da imagem, da história. Se ela for removida, perde o sentido. A mensagem é a Coca-Cola. Não há como substituí-la.
- Proposta visual sexy. A Coca-Cola precisa estar atrativa e o entorno dela também, você quer estar naquele momento.
- É autêntico, é real, humano. Mostrar a proximidade da situação. A fotografia é um intruso da situação.
- O uso do vermelho e dos ícones da marca. Aproveitar o vermelho icônico da Coca-Cola.
Indo além da direção de arte, a companhia ampliou os princípios gerais para toda e qualquer história que a marca fosse contar. Assim como na direção de arte, a Coca-Cola é a protagonista, integrando benefícios de produto e valores de marca. São histórias autênticas e reais, mas, principalmente, simples. E a última, e talvez a mais importante, são história universais, narrativas que transcendem geografias, o que talvez é o maior desafio criativamente, mas é a solução para integrar a comunicação globalmente.
Para ilustrar, o mesmo insight sendo trabalhando em diferentes mercados. A versão latina:
E o mesmo insight sendo trabalhado para o mercado sul-africano.
Em pouco tempo de campanha no ar, a Selena Gomez aparece no Instagram, inclusive batendo recorde de likes, posando igual a uma das modelos da campanha. Algo que segundo o VP da Coca-Cola, foi totalmente espontâneo.
“A garrafa no meio, olhando para a câmera, posando. E a foto do Instagram mais likeada do mundo. De novo, a simplicidade da fotografia que tiramos com gente normal, ela mesmo faz, se colocando como dona da campanha”. Rodolfo Echevarría.
E A MUDANÇA, DEU RESULTADO.
Abaixo, um print do gráfico mostrando na palestra do Ojo de Iberoamérica do ano passado. Com o lançamento da campanha, na mesma semana, houve um aumento considerável das ações. Não só devido a essa campanha, mas por todo o histórico, a Coca-Cola, também, atinge a terceira colocação das 10 marcas mais valiosas do mundo.
Os recados finais, da palestra do VP criativo, de conexões e digital da Coca-Cola são pertinentes: manter a consistência na comunicação. Buscar constantemente o familiar e o inesperado como estratégia criativa. Foram 8 meses para transformar uma marca global, a definição de princípios, o olhar para o passado e os estudos foram fundamentais.
O desafio da companhia era retomar um desejo pela marca, pelo produto. Integrar a comunicação que estava fragmentada, para retomar o desejo pelo produto.
Não foi, em hipótese alguma, desenvolver as campanhas mais criativas, criativo por criativo, da história da empresa.
A importância de entender os motivos e lógica por trás dessa transformação, para qualquer profissional de comunicação que se envolva com marca, é de extrema importância.
Entender que valores de marca que não conversam com produto, que produto que não conversa com marca, e criar dois exercícios, criar duas frentes de trabalho que não se complementam, em casos até se prejudicam.
E em uma época de muito conteúdo disponível, gera pouca identificação e unidade, resumindo, faz o investimento retornar muito pouco. Falou-se no início, a marca da Coca-Cola é o maior diferencial, por que ela não deveria estar presente na comunicação de produto?