O post-it é tao importante quanto o planejador.

Como um francês e a pasteurização podem mudar a forma que decidimos nos qualificar.

arribanicolas
BOdoGPRS
5 min readNov 27, 2017

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A descoberta da pasteurização tem muito a dizer sobre a discussão do B.O 04, acredite. É mais ou menos assim, um sociólogo, filósofo, antropólogo, ou seja, aqueles pensadores que transcenderam ao longo da vida títulos que acompanham seu nome, passou boa parte da sua vida observando laboratórios e, com isso, concluiu algo que nos interessa. E muito.

Bruno Latour, francês, após uma série de observações, estudos, trabalhos trouxe que a sociedade não poderia ser explicada só pelo social, a não ser que o social inclua também o não social, o não humano. Na verdade, a partir do estudos dos estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, ou seja, relação entre a ciência social e a tecnologia, desenvolveu o conceito de rede sociotécnica.

E foi isso que ele descobriu ao passar boa parte da vida dele observando laboratórios . Simplificando o caso da pasteurização, Louis Pasteur teria descoberto a técnica de mudar bruscamente a temperatura de alimentes (como o leite) como uma forma de esterilizar a partir da eliminação do organismos nocivos, ao acaso.

Não foi algo premeditado, planejado, uma hipótese confirmada. Foi o acaso. No meio dos procedimentos, os organismos e os alimentos reagiram de forma diferente da planejada levando a descoberta, que para Latour é a exemplificação do não humano interferindo no processo. Ele chega a dizer que nesse caso, os micro-organismos tem tanta importância na descoberta quanto o cientista em si, no caso, Pasteur.

Para ele, uma descoberta científica — e por muito tempo não se olhou para isso — tem uma relação com a tecnologia de similaridade. Ele coloca que [e preciso estender o princípio de simetria (igualdade), para o não humano.

Deve-se pensar em termos de uma rede sociotécnica. De certa forma ele ampliou a ideia de quais são as entidades que participam da produção científica. O não humano, a pipeta do laboratório, está em igualdade com os cientistas.

Mudando as palavras para ficar mais claro.

Troque cientistas por profissionais de comunicação, a pasteurização para uma campanha — da estratégia ao desenvolvimento da ideia —, e os microrganismos, a pipeta pelos softwares e os post-its. Tudo é uma rede, uma rede sociotécnica que coloca todas essas entidades, ou seja a ferramenta (não humano) os profissionais e sua capacidade intelectual como similares.

Voltamos para a história que motivou esse B.O, Geoffrey Colon e seus filhos. Se ao invés do brinquedo ter sido embrulhado por uma caixa de papel, tivesse sido com alumínio, o resultado teria sido no mínimo diferente. Talvez eles não fizessem nada com ela, e ela teria seguido apenas o sentido inicial: embrulhar o brinquedo. Ou talvez, muito diferente de uma nave espacial, elas teriam desenvolvido outra coisa a partir dela.

Essa é a nossa relação, como produtores de algo com as ferramentas que estão a nossa disposição. É por isso que existem uma série de metodologias e uma série de ferramentas para as mesmas coisas. Não é porque estamos buscando, ainda, a melhor forma de executar algo, e sim porque cada uma imprime um resultado x, que dependendo da situação pode ser melhor ou não para o resultado buscado.

Você já pensou o quanto a capacidade “corrigir” do Photoshop influenciou a procura por uma representação ideal das pessoas? (LensVid)

É importante reconhecer o quanto, por exemplo, a “varinha mágica” do Photoshop foi e é importante para o desenvolvimento da direção de arte na comunicação. Assim como o post-it significou e significa para o trabalho de planejamento. Eles influenciam no resultado.

Coloque 10 pessoas, um desafio, com um quatro branco, caneta e post-it. E depois coloque 10 pessoas, o mesmo desafio, com folhas A4 em branco e canetas.

Sabe-se que a forma que cada grupo de pessoas vai desenvolver o trabalho será diferente, gerando um resultado diferente. Pois a ferramenta, o não humano colocado a disposição dessas pessoas, ou seja, o papel, o post-it, o quadro branco, as canetas, tudo isso influencia no humano. E isso é o que Bruno Latour entende como rede sociotécnica.

Entender isso, é ampliar a visão na produção que uma certa equipe produz. É um trabalho desintegrado? O quanto da rede sociotécnica permite algo integrado. A entrega é sempre a mesma? O quanto da rede sociotécnica influencia algo novo. Agências de comunicação estão paradas no tempo? O quanto da rede sociotécnica contribui para evoluir. Poderia seguir, mas acho que já ficou claro.

Latour se preocupava e se preocupa com o desenvolvimento da ciência e da descoberta científica. Nós, profissionais de comunicação, com o desenvolvimento de soluções criativas e estratégias de comunicação. Ou seja, ambos os campos preocupam-se com a capacidade de inovação. Ambos os campos estão preocupados em como atingir a inovação.

Microrganismos foram importantes para a descoberta da pasteurização, o que impede de uma folha em branco ser o grande gatilho do teu próximo trabalho?

Ok, mas o que fazer em relação a tudo isso. Latour defende um método, que pode ser resumindo em “ator rede” e “segue os atores” que podem facilmente ser compreendidos na nossa realidade.

ATOR REDE

É tudo aquilo que influencia na rede sociotécnica daquilo que você está desenvolvendo. Exemplo, em relação ao trabalho de planejamento, um copo cheio de água não é, mas uma sala individual, separada dos outros ambientes é.

SEGUIR OS ATORES

O segundo ponto, é um princípio metodológico do autor, deixe os atores rede influenciarem no trabalho, entenda que eles impactam, mais do que fingir que não impactam. Seu cliente está cobrando um trabalho integrado, não fique fazendo planejamento em uma sala separada do resto.

Resumindo… uma câmera gravando uma entrevista. Uma sala sem quadro branco. Uma reunião em meio a natureza. O domínio do Google Adwords. Dominar mais o Photoshop do que Illustrator. Dados qualitativos. Dados quantitativos. Análise de um ponto-de-venda. Análise de um e-commerce. Comportamento web. Comportamento em uma loja. Tudo impacta, tudo tem uma influencia. Tudo é um ator rede.

O B.O 04 se propôs a discutir qualificação profissional e como lidar com aquilo que é ferramental e intelectual. E a verdade é que o ferramental gera, e normalmente esquecemos, um impacto no resultado intelectual final. Aquilo que restringimos a uma capacidade intelectual tem, no fundo, um valor ferramental de suma importância.

Pois aquilo que consideramos uma ferramenta não tá ligado apenas a questões produtivas, organizacionais ou de facilitação de trabalho. É muito maior que isso, faz parte de uma rede, composta por uma série de “atores rede”, sendo nós e nossa capacidade intelectual um desses atores. Que temos na rede a geração do resultado final daquilo que estamos produzindo, e não somente no nosso pensamento.

Entendendo isso, é possível ver como a aprendizagem intelectual acima da ferramental não é algo que deva ser entendimento como concorrentes. Quero desenvolver minha capacidade de criar estratégias de comunicação online: talvez tao importante quanto a conhecer a vida online e o comportamento das pessoas, é preciso conhecer e entender tudo que envolve Google Search e suas ferramentas.

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