SIGA UM PLANNER com Luci Cobalchini — Estratégia em agências de comunicação e a importância de ser curioso

Débora Fritzen
BOdoGPRS
Published in
13 min readApr 27, 2020

Uma conversa sobre o papel dos estrategistas dentro de agências e como se manter relevante nesse cenário

A palavra estratégia é cheia de interpretações. Talvez por isso o trabalho de estrategista seja tão incompreendido e tão amplo. O que realmente significa ser estrategista? O que faz um plannner?

O Siga Um Planner — agora na versão de medium :) — é uma tentativa de desmistificar um pouco o universo do planejamento, apresentando pessoas que fazem perguntas pra ganhar a vida e que atuam em diferentes disciplinas — comunicação, pesquisa, consultoria, marketing, inovação.

Para começar essa temporada, entrevistamos a Luci Cobalchini.

Essa é a Luci :)

A Luci trabalha há mais de 10 anos como planejadora e tem uma trajetória super rica, planejando para marcas de diferentes segmentos e realidades [diferentes mesmo! no portfólio dela tem desde fastfashion até marca de ferramentas agrícolas. Com isso, a Luci já fez campo por quase todo Brasil, já falou com consumidores de luxo no Macapá e com pequenos produtores do interior de Goiás, só pra dar uns exemplos].

Atualmente ela faz parte da equipe de planejamento da Paim Comunicação, e é voluntária do Grupo de Planejamento do Rio Grande do Sul há 9 anos.

Como parte da série de entrevistas do Siga Um Planner, a Luci fala sobre o trabalho de estratégia dentro de agências e sobre a importância de cultivar repertório, identidade e — principalmente — saúde mental.

Com vocês, Luci:

Você está nesta profissão há mais de 10 anos. Como foi a sua trajetória profissional?

Eu entrei no planejamento totalmente por acaso, não fazia ideia do que era quando comecei meu primeiro estágio na área. Eu estava cursando jornalismo quando surgiu uma vaga no planejamento da DCS que era muito voltada pra um trabalho de jornalista mesmo, de coletar e apurar materiais pré-existentes, conversar com pessoas para coletar mais informações e depois analisar os padrões. Com o tempo aprendi que isso era o tal do desk. Todo planejamento começa com desk, não é mesmo? Foi nesse primeiro estágio na área que eu aprendi o que a gente faz e me apaixonei. Além de agência, já trabalhei bastante tempo exclusivamente com pesquisa de mercado, em empresas daqui de POA e fazendo alguns freelas para empresas de fora do estado, como a Box1824. E também já trabalhei em algumas consultorias.

O que você percebe que mudou no seu papel de planejadora ao longo desse tempo?

Pra mim, a mudança do papel tem a ver com a própria mudança do mercado de comunicação. Estratégia não é uma área, é um pensamento. E faz todo sentido pensando que temos que ter respostas bem integradas pensando nos usuários, no negócio e na cultura, em um período de tempo que está cada vez mais curto.

Lá quando eu comecei, tudo funcionava de uma maneira bem compartimentada. Isso não faz mais sentido agora. Todo mundo pensa a marca dentro da agência (ou qualquer outro lugar). Acho que o papel do planejamento, hoje, tá muito mais em fazer as perguntas certas do que trazer a resposta, de ter clareza em meio à avalanche de dados e de ser o responsável pela entrega estar alinhada à estratégia da marca. A estratégia não acaba nunca. Um relatório de uma campanha não deve ser o resultado de um trabalho, ele é insumo para alimentar sua continuidade dali pra frente. E sim, eu acho que às vezes essas falas parecem — e até são — utópicas, mas o importante é ter isso como guia, não é?

Hoje você trabalha como planejadora na Paim. Qual o seu papel no time e qual é o papel da estratégia na Paim? Como é incorporado no trabalho geral?

Eu estou de volta na Paim há 4 meses. Minha experiência anterior na Paim havia sido como líder de um Hub, o que foi muito importante para que eu conseguisse olhar pro todo, pro trabalho completo dentro da agência. E também para colocar em prática a visão que eu tenho do planejamento: que é um pensamento, não uma área. Eu sinto que isso acontece com todos os planejadores da Paim, que se envolvem do início ao fim de cada projeto, sabendo o que acontece no dia a dia e procurando sempre fazer a ponte entre todas as áreas. Acho que o planejamento dentro da agência é uma área bem importante. Hoje são 14 profissionais na agência, o que é um número bem grande! Isso nos dá a possibilidade de dar mais atenção ao negócio do cliente e também de estar junto das outras áreas de forma mais intensa.

Acho que nosso trabalho tá cada vez mais fluido, chega a ser difícil saber onde ele começa e onde termina dentro da agência, e acho isso ótimo.Tem algumas coisas que acontecem no dia a dia de trabalho que eu considero super importantes e que são um pouco diferentes de experiências que tive no passado:

  • Estar junto no momento de pegar do briefing: isso ajuda demais, porque muitas das perguntas e discussões a respeito do problema acontecem já nesse primeiro momento com o cliente, otimizando e direcionando o trabalho depois;
  • O monitoramento faz parte do planejamento, então a gente tá sempre discutindo e trocando informações sobre o que acontece em tempo real. A troca com o pessoal de monitoramento é um dos maiores diferenciais que eu vejo hoje, para estarmos sempre pensando nos cenários futuros da marca.

O último censo do GPRS mostrou um aumento de profissionais querendo sair de agências (indo pra clientes e consultorias, abrindo negócios…). na sua opinião, por que isso vem acontecendo? E o que te motiva a continuar trabalhando com Planejamento em agência, atualmente?

Eu acho que a debandada das agências acontece muito em função do estigma que as agências têm, de horários exaustivos, de falta de perspectiva profissional, de salários baixos, de machismo, entre outros.

Eu lembro que, quando entrei na publicidade, existia um certo glamour em virar noites, dar a vida pelo trabalho, trabalhar até o corpo pedir arrego em busca de um super insight, uma ideia digna de prêmio. Hoje, embora algumas dessas coisas ainda aconteçam, os profissionais já procuram se impor mais e exigir que esse tipo de prática não aconteça. No que diz respeito ao planejamento, especificamente, acho que estamos conseguindo mostrar que o diferencial do trabalho da agência não é uma puta ideia no shortlist de Cannes, mas sim conseguir entregar a solução que o usuário precisa, que é relevante no contexto em que ele vive e que está alinhada ao que o cliente faz.

Acredito que o movimento de sair de agência tá muito alinhado com a busca de saúde mental, de estabilidade e de um plano de carreira mais concreto. E aí, pra mim, está um dos principais erros das agências: não dar clareza sobre o futuro profissional dos funcionários, não ter plano de carreira, não dar insumos para que os líderes possam desenhar e desenvolver suas equipes. Apesar de movimentos recentes bem legais que estão desconstruindo isso, ainda vai levar um tempo pra mudar essa imagem.

Eu ainda me sinto motivada a trabalhar em agência por 3 motivos principais:

1) Eu gosto do que eu faço e das possibilidades que a agência me dá como planejamento, de pensar no negócio do cliente mas também trabalhar com diferentes áreas, de elaborar grandes estratégias mas também criar coisas pequenas pro dia a dia (e que fazem parte dessa mensagem maior);

2) Eu sempre fui idealista, de acreditar que eu posso transformar realidades e que é melhor insistir do que pular fora. Então eu tenho um tesão absurdo de pensar que eu posso transformar a realidade das agências e que, sei lá, como gestora, eu posso contribuir para que existam menos gaps de gênero dentro das agências, salários mais justos, menos horas extras, mais trabalhos que façam sentido pras equipes e pros usuários;

3) Muito de eu querer continuar em agência diz respeito à Paim. É um lugar que compartilha da mesma visão que eu sobre o mercado e as pessoas. E também foi um local que me acolheu e ajudou demais pra que eu conseguisse me enxergar como uma pessoa capaz de transformar realidades.

Falando mais sobre a parte prática, como é um dia típico como planejadora na Paim?

Nossa, acho bem difícil essa [risos]. Eu acho que depende muito das funções e dos clientes, o dia a dia tende a mudar bastante.. .O meu dia a dia hoje — pensando que estamos fazendo trabalho remoto — tá dividido, normalmente, em organização de pauta, identificação de demandas, reuniões com equipes e a produção dos trabalhos em si.

Quando você recebe um novo briefing, por onde você começa seu trabalho? Você tem algum framework ou fluxo de trabalho padrão para o seu trabalho em estratégia?

Eu gosto de ter a visão do todo, então costumo usar bastante recursos visuais quando começo um trabalho. Dificilmente eu vou direto pro computador, é bem provável que eu comece por uma folha de papel ou post-its, anotando as informações chaves, fazendo esquemas, anotando perguntas, conversando com pessoas para encontrar mais clareza sobre o problema. Eu sempre gostei de fazer isso e tem vezes que até o storytelling começa dessa forma.

Minha última experiência, antes de voltar pra Paim, foi na NoOne, uma empresa de design de serviços que utiliza de metodologias de design thinking. Aprendi bastante sobre visualização de dados lá e alguns hábitos eu incorporei, o que tem me ajudado ainda mais a ver esse “todo”.

É legal essa forma de pensar/trabalhar porque toda informação é mutante, um novo post-it ou a utilização de um marca-texto podem mudar completamente o rumo das coisas, ou seja, o trabalho está vivo e eu consigo ver todo o cenário de uma só vez.

Que trabalho que você já fez que você acha muito legal e tem muito orgulho? Qual era o desafio do negócio e qual foi a sua estratégia?

Não vou escolher um, vou falar de dois [risos].

  • O primeiro deles foi um trabalho para a linha de produtos à bateria da Stihl, cliente que eu atendia quando estava na Escala. Ele me orgulha demais pois é um trabalho completo de planejamento, que passou por várias etapas de construção, e também porque ele trouxe uma solução de negócio, além de comunicação. Tivemos que desbravar, através de pesquisa, um segmento que era de desconhecimento geral. Quando começamos a analisar as descobertas percebemos que a melhor solução para o briefing não era uma campanha, mas sim a abertura de novas frentes, e isso envolvia várias áreas além do marketing. A gente entrou em contato com várias áreas, entendeu muito mais do negócio do cliente e criou uma solução que contemplava conteúdo, relacionamento e experiência com consumidores, trade e prospects. A Stihl também abriu um novo canal de vendas a partir desse trabalho. E os resultados foram super positivos.
  • Outro trabalho que me orgulha demais foi o reposicionamento da Unisinos no ano passado. Por se tratar de uma instituição de ensino, que prepara as pessoas para o futuro, a gente precisava evidenciar o lado racional da entrega dessa marca. Mas no DNA da Unisinos a humanização é muito forte, e isso reflete no próprio currículo, que foi redesenhado para preparar as pessoas pra vida (além do trabalho) e traz atividades para estimular a empatia, só pra dar um exemplo. A gente precisava encontrar uma mensagem que expressasse tudo que a universidade é. E a resposta que encontramos é super poderosa — O amanhã será mais E do que OU — ainda mais nesse momento extremo que a gente tá vivendo. Quem aí ainda não pensou se vamos salvar as pessoas OU a economia?

Acho importante dizer que nenhum desses trabalhos é exclusivamente meu, são estratégias que foram construídas com outras áreas e pessoas ;)

Que outros projetos você tem além do trabalho? Além de ser planejadora o que mais você faz? E como essas atividades impactam no seu trabalho de planner?

Eu sou voluntária GP há nove anos (nossa!) e é super importante pro meu dia a dia por conta das trocas com profissionais de outras empresas, vivências, estilos e etc. O Planejamento, por ter muita informação estratégica e normalmente ser a menor equipe das agências, acaba ficando isolado, muitas vezes sem ter outros pontos de vista. Essa troca que o grupo representa tem um valor super grande para desenvolver o mercado.

A segunda coisa não é bem um projeto, mas eu acho válido mencionar: sempre que possível eu faço trilhas (dessas que você se mete no meio do mato e tem uma cachoeira no final). Isso sempre me ajuda a ver que a resolução de todo problema começa sempre pelo primeiro passo.

Pode parecer meio óbvio, mas o óbvio sempre pode ser reforçado, né? Quando tu está ali no meio da trilha, teu pensamento não fica o tempo inteiro na cachoeira que tu vai encontrar lá no final, teu pensamento tá no instante, avaliando o cenário e a influência do teu corpo nele, e então tu decide em qual das pedras é mais seguro dar o próximo passo. Quando tu volta todo aquele caminho é mais fácil e rápido, mas nem por isso tu deixa de pensar no que aprendeu e poderia ter feito diferente. Esse momento tilelê é pra dizer que as trilhas me ajudam muito a levar o dia a dia do trabalho de maneira mais leve, focando no que é prioridade, indo um passo por vez, percebendo a minha interação com o entorno ;)

Como você se atualiza? Quais são suas fontes de informação?

Eu gosto de ser um ratinho de informação, de abrir um link que me leva pra outro e zaz. Mas também tenho o hábito de olhar o Twitter (pra ter ideia dos assuntos falados em tempo real), o Instagram (pra ver o que as pessoas querem mostrar e pra buscar inspirações) e assino newsletters para assuntos de maior profundidade. As preferidas do momento são: YouPix (marketing digital), Strand of Genius (da Rosie e Faris que estiveram no congresso do ano passado), Bits to Brands (que tem um pouco de tudo que foi comentado na semana referente ao mercado), Julian Cole (estratégia) e os clássicos Think with Google, Trendwatching e etc. pra ficar ligada nos reportzinhos. E os colegas e grupos de whatsapp, não posso esquecer deles!

Quais as suas dicas de ouro (vale recomendação de livro/pessoas/cursos)?

Em primeiro lugar, eu queria dar uma dica que vale pra qualquer pessoa, não necessariamente para planejadores. Sabe aquela historinha da máscara de despressurização dos aviões? Que você deve colocar antes em si mesmo e depois ajudar o próximo? Vale pra tudo! O que eu quero dizer com isso?

Procure se conhecer melhor, entender suas potências e limitações, aceitar teus erros e se perdoar quando as coisas saem do planejado. Isso ajuda, e muito, no trabalho, pode confiar!

Tem muito perfil nas redes sociais com conteúdo sobre autoconhecimento e aceitação, acho que a Obvious é um dos mais conhecidos. Tem também o velho e bom “A coragem de ser imperfeito”, livro da Brené Brown, que (acho) muita gente já ouviu falar. E um podcast, The Anxious Achiever, que fala sobre a humanização das lideranças. E pra conhecimentos/questionamentos em geral, eu indico o podcast The Why Factor e os cursos on demand da Casa do Saber.

Alguém que te inspira e por quê (não precisa necessariamente da área de planejamento).

Thais Fabris. Ela é fundadora da 65/10, uma consultoria cujo objetivo é mudar o papel e a visão do feminino na comunicação. A Thais me inspira porque ela me mostrou, no Congresso do GP de 2017 [veja a palestra da Thais aqui], pela primeira vez que uma mulher pode ser bem sucedida, forte, sensível e engraçada. É até bizarro pensar nisso agora, mas houve um tempo em que eu tinha uma visão bem estereotipada do que era uma mulher importante em um cargo de liderança, e a Thais me mostrou que isso não era uma verdade. É super bom seguir ela nas redes sociais porque, além do conteúdo de trabalho, ela traz vivências do dia a dia dela, mostra seu lado humano, carnavalesco e colorido, que eu acho lindo!

Sei que você adora dividir conhecimento e por isso está sempre sendo convidada pra dar aulas e palestras … nesses momentos, qual conselho ou ideia você sempre acha pertinente compartilhar sobre o trabalho de planejamento?

Eu não lembro exatamente quem me disse isso, mas acho que foi o Giba, no meu primeiro estágio. O trabalho de planejamento tem uma parte bem grande de intuição. Eu sei que não parece nada científico nem estratégico dizer isso, mas é real. E só é possível porque o planejamento tem muito repertório, seja pelos milhões de conteúdos consumidos diariamente através de notícias, pesquisas e reports, quanto pelo repertório de vida.

Tem uma característica em comum dos planejadores que é a curiosidade, e isso faz com que a gente, desde pequeno, tenha a necessidade de saber como as coisas funcionam, de desmontar e montar brinquedos, de metralhar de perguntas as pessoas que a gente conhece. Isso tudo cria repertório, que vai guiar a intuição lá na frente.

Eu sempre digo nas aulas que, de forma resumida, nosso trabalho é: cultura + pessoas + negócio + análise + intuição. Olhar para a cultura e as relações entre as pessoas, entender onde se encaixam no negócio do cliente, desenvolver nossa capacidade de análise e acreditar na intuição.

Pra quem começar nessa área, quais são os primeiros passos?

Eu acho que é exercitar a curiosidade. Quais são as principais perguntas que você tem sobre planejamento? Quem poderia te ajudar a entender? Como acessar essas pessoas/empresas? A medida que essas perguntas forem sendo respondidas, outras vão surgir, aí é só seguir a trilha.

Meu primeiro chefe no Planejamento me disse que me selecionou pra vaga (com zero experiência) porque eu não tinha vergonha de fazer as perguntas que as pessoas não queriam mostrar que não sabiam as respostas.

O que você acha que os planners devem estudar em um mundo como o nosso, onde a mudança é constante? No que focar?

No que você quiser. Não existe conhecimento inútil, existem portas que podem abrir pra conhecimentos maiores. Eu acho que dentro do planejamento qualquer instrução é sempre bem vinda porque a gente tá sempre abrindo portas. Minha dica hoje, que eu estou usando muito durante o distanciamento social, são os cursos on demand da Casa do Saber (que já mencionei antes). Eu acabei recentemente um chamado “Manual do Universo”, cuja principal temática era física, e vou dizer pra vocês que isso abriu minha cabeça pra uma outra forma de projetar cenários estratégicos ;)

Por hoje é só pessoal :)

Pra quem quiser falar com a Luci, escreve para lucobal@gmail.com ou procura @lucicobalchini nas redes ;)

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Débora Fritzen
BOdoGPRS

Estrategista na Paim Comunicação e voluntária no Grupo de Planejamento do RS