A TRAGÉDIA DA INCOMUNICABILIDADE

De que maneira o desenvolvimento histórico da modernidade edificou um cenário de alienação e isolamento social — onde os indivíduos são incapazes de se fazer compreender — e como a literatura, o teatro e o cinema trabalham e representam este drama da incomunicabilidade.

Matheus Rego
Boite du Film
14 min readJun 28, 2018

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“É estranho que as palavras sejam tão inadequadas. E, ainda assim, continuemos a usa-las em nosso serviço. Mesmo que todas elas nos falhem. E falsifiquem o significado de nossas verdades”.

- T.S Eliot; The Elder Statesman

Não me recordo aonde nem de quem ouvi a seguinte definição: “Arte é tudo aquilo que traduz o que significa ser humano em um determinado período do tempo”. De todo modo, a colocação me marcou. Não porque englobe, de fato, a verdadeira essência da Arte — que extrapola chavões e clichês, todos eles reducionistas. Mas porque me agrada a ideia de que o verdadeiro artista seja aquele comprometido em expressar o espírito do seu tempo e retratar a realidade dos homens e mulheres de sua época, sob a sensibilidade de um olhar crítico e atento. Quando assim procede, o artista, inevitavelmente, esbarra em temas e questões centrais para a sociedade em que vive. Acaba tocando, mesmo que de forma inconsciente, nos pontos que afligem seus compatriotas e nos dramas que saltam do cotidiano — preocupações que se transformam e variam profundamente ao longo do processo histórico.

O desenvolvimento da modernidade, por exemplo, com suas novas formas de sociabilidade, vê o despertar de um novo homem, atribuído de uma nova consciência e, portanto, preocupado com situações, até então, inéditas.

Durante os séculos XVIII e XIX, sob os auspícios de uma nova classe dominante, detentora dos meios de produção, a indústria e o comércio modernos experimentaram incomensurável expansão — em escala global. A crescente procura por novos mercados e o aprofundamento da exploração de mercados antigos forjou novos caminhos entre os países, através de investimentos em infraestrutura de transportes e de comunicação. Num recrudescimento avassalador, a classe burguesa europeia viu seu poder econômico subjugar as forças e as instituições políticas do Antigo Regime, donde a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, bem como as Guerras Napoleônicas, consolidaram uma nova realidade política e social, de forma catártica[i].

Mesmo antes de momentos chave como estes, no entanto, a cultura dos homens e suas relações sociais já vinham se modificando estruturalmente desde o início do século XIII, quando da incipiência da classe burguesa e de suas novas formas de organização social, ainda no contexto da Europa feudal. Novas lógicas de produção e circulação de mercadorias foram possibilitando um acúmulo de riqueza exponencial para um novo grupo de pessoas.

Com esta recente concentração de bens e propriedades, estes homens passaram a dedicar grandes somas de dinheiro para a formação, desenvolvimento e aprimoramento de instituições de ensino — como centros universitários — promovendo o aprofundamento do conhecimento das ciências do homem e das ciências da natureza. Neste mesmo contexto, se fortalece a figura do mecenato, uma forma de investimento — datando do Império Romano — feito por nobres e burgueses no trabalho de artistas, poetas e dramaturgos. Uma tentativa bem-sucedida de retorno aos tempos áureos da Arte da Antiguidade Clássica — que servia, também, de referência estética e estilística; ainda que sob o trabalho de novas temáticas[ii].

Tantos séculos de desenvolvimento e expansão econômica por parte da burguesia — não sem se deparar com as crises cíclicas de seu modelo de produção — significaram um progresso das ciências, da lógica, da razão e das artes, justamente pelos investimentos feitos por uma classe interessada nos resultados conquistados em todos estes campos.

A Construção do Indivíduo Moderno

Esta nova realidade ajudou a solidificar a noção de indivíduo. O avanço das ciências avivou correntes racionalistas que despiram de Deus sua importância como entidade e figura central, e absoluta, e atribuíram ao homem esta mesma qualidade central. O antropocentrismosurgia como um pilar estrutural para a consolidação do individualismo; do homem como senhor de sua existência e mestre de suas vontades.

Tanto mais, saindo das sombras da Idade Média, os homens deixavam de ser meros tipos sociais — o alfaiate, o camponês, o pastor, o ferreiro, etc. — para obterem reconhecimento individual, enquanto homens e mulheres, dotados de vontades, desejos e pretensões que não precisavam mais ser limitados ou coibidos em função de um estrato social engessado e intransponível. A lógica social do mundo burguês, sendo aquela do livre comércio e da livre iniciativa, permitiu uma afirmação do homem frente ao mundo; permitiu que estes homens se afirmassem diante de suas comunidades como aptos e capazes de realizar as funções que bem entendessem.

Todo esse processo pode ser grosseiramente exemplificado e representado, didaticamente, através do simples entendimento de que os artistas renascentistas, por exemplo, passavam a assinar suas obras; diferentemente do que se dava na Idade Média, onde inexistia o conceito de propriedade ou de indivíduo[iii]. A afirmação de um artista frente a obra que realiza se dá na mesma ordem de um comerciante que detém propriedade sobre sua mercadoria; de um sujeito que diz: “este produto é resultado do meu esforço individual”. A lógica burguesa, portanto, necessita que os homens se posicionem e se reconheçam como indivíduos, e não mais como servos de uma ordem superior, devotos à Deus, no exercício de seus trabalhos, e em favor da nobreza.

Essa nova realidade acadêmica e cultural antropocentrista, ainda sem impor-se de maneira hegemônica sobre as esferas políticas e sociais, engendrou as mais diversas correntes filosóficas. De repente, os homens podiam pensar o mundo para além dos marcos religiosos e fundamentalistas do catolicismo. À medida em que a ciência, a filosofia e as artes promoviam e alimentavam esse processo de secularização, elas levavam por terra toda moral e ética cristã. De repente, os homens perdiam seu referencial de mundo e se viam abandonados a própria sorte.

O movimento dinâmico, inconstante e avassalador do mundo burguês, promovido pela ordem econômica dominante desta classe, se alastrava para a cultura e para a esfera social da vida dos homens e não permitia a resistência mínima de qualquer instituição. Como está expresso, e claro, no Manifesto do Partido Comunista:

“Todas as relações sólidas e enferrujadas, com seu séquito de veneradas e antigas concepções e visões, se dissolvem; todas as novas envelhecem antes mesmo que possa se solidificar. Evapora-se toda estratificação, todo o estabelecido; profana-se tudo o que é sagrado, e as pessoas se veem enfim obrigadas a enxergar com olhos sóbrios seu posicionamento na vida, suas relações umas com as outras”.[iv]

Deste contexto inédito; de abandono metafísico, de indivíduos donos de suas vontades e senhores de seus destinos, de relativização moral e ética, bem como de verdades múltiplas — efêmeras e inconstantes –, surgem novos dramas e novas questões emergenciais para as quais o indivíduo moderno não encontra respostas, uma vez que se vê órfão de sua religiosidade.

Sem o solo da fé católica e sem a referência de valores morais e padrões éticos, que desvanecem rotineiramente, a sociedade moderna se transforma em palco da tragédia da incomunicabilidade. Do vácuo das tradições e dos valores do mundo antigo, formam-se ilhas de experiências particulares de vida. Para cada pessoa, o mundo surge de maneira nova, diferente e, porque não, incompreensível. É como se o Universo tivesse saído do seu eixo, e fosse impossível reestabelecer sua ordem.

Se até então, na história das civilizações, os homens viviam em comunidades fechadas, atribuídas de um mesmo código moral, entendendo o mundo de modo único e similar, ou seja; podendo dialogar suas experiências sob uma linguagem comum; agora, de maneira inédita, a sociedade moderna quebrava esses laços de comunicabilidade e entendimento, justamente, ao romper com uma ética hegemônica e única. Este drama da incomunicabilidade e da alienação do homem moderno se torna preocupação central para os artistas.

A Literatura Moderna e a Construção do Drama da Incomunicabilidade

Dentre as obras da literatura que surgem como inaugurais no tratamento destes temas, algumas resistem à prova do tempo pela maneira certeira e profunda em que exercitam a crítica de seu mundo. Imediatamente, autores como Shakespeare e Miguel de Cervantes vem à memória. Nas palavras do filósofo húngaro, Georg Lukács: “Dom Quixote é o primeiro romance de um mundo abandonado por Deus”[v]. Isso significa dizer que a obra de Cervantes, publicada em dois volumes entre 1605 e 1615, condensa esta nova experiência de mundo. Seu herói é um indivíduo incompreendido pela sociedade e para quem a sociedade surge como incompreensível.

Este mesmo Lukács diria que o herói da literatura moderna surgirá, invariavelmente, ora como um criminoso, ora como um demente; em alguns casos, ambas as coisas. Isto porque, novamente, as convicções, crenças e valores sob as quais vive o individuo moderno não são amplamente compartilhadas e difundidas. Cada homem vive de acordo com preceitos particulares e relativos. Ou seja, os homens não se entendem entre si e tampouco compreendem o mundo em que vivem.

Quando surge como membro da ordem da cavalaria andante, disposto a “sonhar o sonho impossível, sofrer a angústia implacável, pisar onde os bravos não ousam, reparar o mal irreparável, amar um amor casto à distância, enfrentar o inimigo invencível […]” o herói de Cervantes vira motivo de riso. Um riso que ganha contornos melancólicos quando nos damos conta do real sentido e propósito da jornada do cavaleiro da triste figura. Em suas desventuras, o que Dom Quixote pretende é reestabelecer uma ordem de mundo ultrapassada e moribunda. Ele opta, deliberadamente, por viver uma vida dedicada a valores universais e fundamentais, que já não encontram mais espaço na realidade de uma nova Espanha, em processo de modernização. Uma postura que séculos antes seria louvada e admirada, agora é recebida com escárnio e estranhamento.

Pela primeira vez na história, não estamos mais diante de um herói comunitário atribuído de valores universais facilmente reconhecidos pelos seus pares. Este herói se tornara um louco.

A literatura já não tem mais a autoridade ou capacidade de exercer uma função social de formação moral e ética, de manutenção e legado das tradições e dos ensinamentos, como outrora havia exercido, através das epopeias e das tragédias clássicas. O herói das epopeias é o herói comunitário; aquele cuja jornada é um esforço pelo resguardo, proteção e cuidado com os valores comunitários tradicionais.

Agora, tudo o que a arte pode almejar é o êxito em representar criticamente e com sensibilidade a verdade de “um mundo onde a comunicação deixa de ser uma ponte entre os homens e surge como ferramenta para medir as distâncias entre eles”[vi]. Em outras palavras, a comunicação, agora incapaz de unir e criar um entendimento entre os homens — que falam linguagens diferentes –, serve apenas para medir o contínuo agravamento das distâncias e da alienação interpessoal.

Por estar atribuído de vontades próprias e de uma maior possibilidade de dar vazão aos seus desejos e ambições, este novo homem moderno, não raro, se põe em conflito com a sociedade — indivíduos e instituições — que o cerca. Há, de maneira inédita, uma ruptura entre o público e o privado. Ou seja, as vontades particulares não se equivalem mais às vontades e valores de interesse público e tampouco se deixam constranger ou limitar pela esfera pública. Assim, homem e sociedade travam luta, na disputa por interesses próprios. Elemento que surge como mais um agravante para a incomunicabilidade.

Senão todo, grande parte do corpo trágico das obras de Shakespeare se assenta sobre essa realidade. Seja em Macbeth, na figura do personagem título, seja em Otelo, na figura de Iago, seja em Hamlet, na figura do rei Cláudio, como em tantas outras personagens do dramaturgo inglês, as vontades particulares destes homens não se detém frente os valores e a ética do mundo tradicional. Eles subjugam a tudo e a todos. Esquematizam tramas e complôs elaborados para alcançar seus objetivos. Já não são mais pautados por uma verdade absoluta e universal, mas pela verdade de suas próprias intenções.

O caos que disso emerge abala as estruturas do mundo e gera um desentendimento entre todos. Eles usurpam do mundo o entendimento entre os homens. É o mesmo movimento perpetrado pela classe burguesa. Este novo mundo por ela gerado impõe a todos a tragédia da incomunicabilidade.

O drama do homem moderno é o drama de Hamlet; um sujeito arrebatado por forças fora de seu controle e de seu alcance; alguém para quem o mundo perdeu todo o seu referencial ético e cuja jornada para o reestabelecimento dos valores estilhaçados cobra o preço de diversas vidas. É exemplar a passagem em que, questionado por Polônio acerca do conteúdo do que lê, Hamlet retruca — “palavras, palavras, palavras”. Aquilo que passa por mais um de seus gestos de loucura é, na verdade, um de seus momentos de maior clareza e sobriedade.

Em sua despretensão, ou pretensa insanidade, o jovem príncipe acaba por exprimir todo o sentimento deste mundo nascente. Em outras palavras, ele diz o seguinte — “neste livro, não há nada que eu possa compreender e, mesmo que pudesse, não seria capaz de comunicar a você”. Ele lê palavras vazias de sentido; palavras cujo significado pretendido pelo autor não ressonam junto a ele. E se ele tentasse oferecer uma explicação a Polônio, este, por sua vez, falharia em compreender o sentimento do leitor e do autor.

Este é o grande fardo que o homem moderno parece ter de carregar; o de seu isolamento. A modernidade o pôs numa ilha e, apesar de seus mais nobres esforços, não há ponte que cubra a distância entre seu mundo particular e o restante da sociedade.

Passados mais de 400 anos da publicação de Dom Quixote– que pode ser entendido como o primeiro romance moderno –[vii], toda arte preocupada em capturar o espírito de nosso tempo ainda aparece acometida por estas mesmas questões.

Tanto mais, quanto mais complexas, amplas e hegemônicas se tornam as formas de sociabilidade capitalista, mais dramática se torna esta realidade.

O Agravamento do Drama da Incomunicabilidade na Contemporaneidade

O indivíduo contemporâneo é um caco ainda menor e mais fragmentado do que fora o herói de Cervantes. De lá pra cá, de Shakespeare a Beckett, de Cervantes a Thomas Mann, passando por Dostoievsky, Joyce, Kafka e tantos outros, a tragédia da incomunicabilidade erigiu muros — literais e figurativos –, promoveu guerras, destruiu cidades e pôs em oposição vizinhos e irmãos.

A divisão do trabalho e a contradição entre classes, bem como a mistificação de mundo perpetrada pela ideologia vigente, tornaram ainda mais complexos os caminhos para uma compreensão da totalidade do mundo e das relações humanas.

O solo sob o qual se estrutura toda manifestação social, política e artística, está coberto por um véu ideológico que o mascara. Para desmistificar esta verdade, a arte se torna demasiado intelectualizada e elitizada. Também para o artista a linguagem se torna um entrave.

Como sensibilizar seu público para uma realidade tão brutal e fugaz se ele — artista — não fala a mesma língua da maioria esmagadora da população?

Não é acaso que a educação da massa de trabalhadores e das classes subalternas seja tão precária. A classe dominante entende que a elas deva ser negada a possibilidade de compreender e refletir os meios de dominação a que estão sujeitas. A existência do sistema como um todo depende da manutenção deste estado de alienação e reificação. Uma comunicação eficaz e efetiva entre artista e população põe sob ameaça as estruturas de nosso mundo; pois da conscientização que é capaz de gerar ao lançar luz sobre a real origem de toda contradição e de todo drama moderno.

Falar do cotidiano; da vida ordinária, comum e rotineira, dos homens e mulheres que compõem o mosaico urbano. Talvez essa seja a melhor cartada que a classe artística possua para expor a brutalidade dos nossos tempos. Tratar desta realidade comum significa erguer um espelho diante de sua plateia e oferecer uma imagem com a qual ela possa se identificar; forçando-a a reconhecer que existe algo de profundamente problemático em seu próprio dia-a-dia. Para Lukács, o realismo — não a cópia ou imitação do real, mas a representação crítica da realidade — é que tem o potencial para evidenciar a luta de classes.

Potencial Redentor dentro das Artes

Na era digital, o cinema e a televisão tem possibilitado este compromisso dos artistas com o público. Recentemente, o comediante estadunidense Louis C.K, desenvolveu, roteirizou, dirigiu e produziu um seriado televisivo intitulado Horace & Pete. A narrativa corre como numa peça teatral; segue o tempo do teatro, e não se preocupa em dinamizar seus cortes e ações afim de manter a atenção de seu espectador. Longe disto. C.K está preocupado em emular o correr dilatado das horas do cotidiano. Com um tratamento absolutamente não-convencional, totalmente diferente de tudo o que já foi produzido para a televisão até hoje, ele põe em foco o drama de três irmãos donos de um bar decadente no Brooklyn, em Nova York. Fundado em 1916, o bar, chamado Horace & Pete’s, é uma espécie de herança maldita, passada de pai para filho, geração após geração, sempre assegurando a continuidade e agravamento da miséria humana herdada.

O lugar aparece como uma presença arcaica e ultrapassada num bairro que vem se reinventando e atraindo novas formas de comércio e turismo. A única tradição que consegue se manter em pé frente ao movimento avassalador da lógica do capital é a da miséria humana e dos desentendimentos.

Os personagens que correm pelo local ao longo das oito horas que compõe a primeira temporada, são figuras que não se encaixam no mundo. Novamente, que não o compreendem e que não são compreendidos por ele. Dementes e criminosos. Todos têm algo a dizer sobre política, religião e sofrimento pessoal, para uma plateia de bêbados que não está preocupada em ouvir nada além de seu próprio sofrimento. O drama central, de três irmãos imersos em dívidas e dificuldades particulares — câncer, esquizofrenia, solidão — é agravado pela falta de entendimento entre eles. Cada um diz sua verdade através de palavras que só ecoam junto a si próprios. Os diálogos são devastadores e gravemente melancólicos, no sentido em que cada personagem tenta desesperadamente se fazer entender e conquistar algum tipo de empatia — sem êxito, no entanto. Essencialmente, um legado da tradição dramatúrgica americana de Eugene O’Neill. Aí está a força da obra de arte que surge da representação de cenas do cotidiano.

A mesma qualidade é facilmente identificável em um filme como Felicidade, do cineasta Todd Solondz; outro drama familiar, onde mesmo as revelações mais honestas e catárticas falham em estabelecer uma conexão humana entre as personagens. O que se traduz em desespero.

Quando você carrega uma carga de drama pessoal, seja de qual natureza for, e, por alguma razão, não consegue comunicar esse drama a ninguém; não consegue se fazer entender, não consegue expressar da maneira correta o fardo que traz consigo, isso gera tensão. E porque essa carga não encontra solidariedade, essa tensão não encontra alívio. O resultado disso é um estado de frustração constante, que só faz alimentar ainda mais o drama vivido. O que surge como consequência disto é uma sociedade composta por pessoas tentando, desesperadamente, se fazer entender e falhando miseravelmente.

Certamente, quando comprometida em refletir esta realidade e sensibilizar plateias mundo afora, é que a arte se apresenta sob a luz de sua verdadeira essência e propósito. Neste sentido, pode ser transformadora; pode conscientizar pela catarse e capacitar os esforços para a construção de um novo mundo.

O escritor argentino Jorge Luis Borges diria que Shakespeare, mestre do uso da linguagem, estava convencido da incapacidade da linguagem em comunicar o sentimento humano. Me parece correto este entendimento. Não creio, porém, que esta tragédia da incomunicabilidade e a falta de conciliação que gera entre os homens seja um problema da cultura humana.

Não, o breve e simples contexto histórico oferecido ao longo deste texto reafirma uma postura e um entendimento de que esta tragédia esteja posta e colocada ao longo do desenvolvimento da classe burguesa, enquanto classe dominante, e dentro dos marcos do capitalismo, podendo, portanto, ser superada com a construção de uma nova sociedade e de um novo homem.

E não restam quaisquer dúvidas de que este movimento de superação depende de um comprometimento em conscientizar homens e mulheres para as contradições de seu mundo.

E para isso, a Arte é imprescindível.

[i]Cf. HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções (1789–1848). São Paulo: Paz e Terra, 2016.

[ii]Cf. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Editora, 2000.

[iii]Cf. GOMBRICH, E. H. The Story of Art. Londres: Phaidon Press, 2016.

[iv]MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

[v] LUKACS, Georg. A Teoria do Romance. São Paulo: Editora 34, 2000.

[vi]BARTON, Anne. Shakespeare and the Limits of Language. Cambridge: Cambridge Press, 2007.

[vii]Cf. OLIVEIRA, Manoela Hoffman. Dom Quixote Como o Primeiro Romance Moderno. São Paulo: USP, 2008

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