AMIGOS INSEPARÁVEIS

NOTA 6,0

Matheus Rego
Boite du Film
4 min readJul 9, 2018

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EUA, 2013. Dir.: Fisher Stevens. Com Al Pacino, Alan Arkin, Christopher Walken, Julianna Margulies, Mark Margolis e Lucy Punch

Em depoimento sobre o filme “Os Bons Companheiros”, de Martin Scorsese, o cineasta Woody Allen fala da relevância autoral de Scorsese para a estilização da violência presente na obra e para a construção de personagens que, apesar de inseridos no universo do crime, são altamente relacionáveis ao espectador. Segundo Allen, durante todo o decorrer da película, a platéia está ciente da presença de Scorsese atrás das câmeras, que se faz notar através de um diálogo afiado e de uma estética nocauteante, sugerindo sua refinada qualidade artística em meio a uma narrativa altamente envolvente.

Comento a obra de Scorsese a título de comparação com o mais recente filme do diretor Fischer Stevens, “Amigos Inseparáveis”, que muito carece de uma mesma presença estilística por parte de seu realizador.​

Com um fantástico argumento que aborda a relação de dois criminosos das antigas — amigos de longa data -, num momento em que um deles, por ordem do chefe, é obrigado a assassinar o outro, o roteiro se desenrola razoavelmente a partir daí, mas perde muito de sua força original por conta de uma notável ausência autoral de Stevens.

Recém saido da prisão após assumir toda a culpa sobre o assassinato do filho de um chefe da máfia, Val (Al Pacino) é recebido novamente ao mundo por um grande amigo, a quem ele livrara de ir para a prisão ao confessar-se único responsável pelo crime. Já nesse começo de filme, ficamos sabendo que Doc (Christopher Walken), este grande amigo de Val, tem um prazo de 24 horas para matar o próprio sujeito que o livrou da cadeia e cumpriu uma sentença de 20 anos em seu lugar.

A partir dessa premissa, o roteiro faz a inteligente escolha de mostrar Doc assumindo sua árdua tarefa para Val logo no começo do filme, evitando um fraco suspense e uma frágil expectativa que haveriam de se desenrolar durante o filme todo e acabariam tornando a coisa toda um tanto tediosa. Ainda, com a sagacidade de quem compreende o universo criminoso muito bem, Noah Haidle, roteirista do longa, monta um cenário ético e moral muito concreto para seus personagens, de modo que Val aceita seu destino, sem jamais discutir, se rebelar ou entrar em conflito com Doc. Afinal de contas, foi esta a vida que eles escolheram e é por estas regras, então, que eles devem operar.

Bom, uma vez que todas as cartas estão na mesa logo no começo do filme e não há qualquer segredo ou conflito em meio a amizade de Doc e Val, os dois podem sair para curtir uma última noitada, como nos velhos tempos. À eles, soma-se o antigo piloto de fuga do trio, Hirsch (Alan Arkin), um velho sujeito que é resgatado de um hospital por seus companheiros, para que possa reviver seus dias de glória atrás do volante de um potente carro roubado.

É a partir daí que temos uma espécie de comédia juvenil dos anos 80 sob todo o contexto de violência do universo mafioso. Ainda que essa combinação de uma madrugada muito louca com três velhos e acabados criminosos tomando viagra, roubando carros e fazendo justiça à mulheres abusadas seja um bocado divertida de se assistir, falta às cenas de ação e comédia toda a inventividade e estilização que colocariam o filme em um outro patamar, muito além do típico água com açucar, no qual o filme recai por conta da ausência criativa de seu diretor.

​Ainda que me custe admitir, Tarantino faria milagres com um filme desses, tanto mais na cena em que os velhos criminosos ajudam uma menina a se vingar de seus estupradores. Fosse um Scorsese atrás das câmeras num filme desses, então, eu estou certo de que teríamos um filme dramático, violento e arrebatador, com muito a dizer sobre seus personagens e o mundo em que vivem, trabalhado com alguns momentos de comicidade e leveza. Ao invés disso, temos um diretor que em nada acrescenta ao ótimo roteiro e realiza seu filme da maneira mais básica possível, tirando muito da força original da história e, mais do que isso, enfraquecendo o filme ao optar por uma linha dramática cômica e despretensiosa em detrimento ao óbvio drama pessoal que emerge da própria situação em que esses velhos amigos se encontram.

Enfim, os poucos momentos sérios do filme são aqueles que fogem um pouco à linha narrativa do filme e envolvem uma morte inesperada e o drama pessoal de uma personagem que pouco aparece e com quem nós estamos pouco nos importando. Fora isso, a relação entre Doc e sua neta Alex (Addison Timlin), que não sabe que ele é seu avô, vem como um genuino ponto de emoção para a narrativa, preenchendo parte do peso dramático que falta à relação de Doc e Val. Tanto mais, Al Pacino, Alan Arkin e Christopher Walken dão conta de segurar qualquer momento falho do filme, ainda que sejam poucos, mas, mais do que isso, trazem força criativa para um filme orfão de seu diretor.

É engraçado que em uma determinada cena envolvendo o porta-malas de um carro em “Amigos Inseparáveis” Fischer Stevens faça uma clara referência a “Os Bons Companheiros”. De uma certa maneira, esse é o mais próximo que ele jamais chegará do brilhantismo de Scorsese.

Publicado em 12 de março de 2013.

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