ARGO

NOTA 7,5

Matheus Rego
Boite du Film
4 min readJun 29, 2018

--

EUA, 2012. Dir.: Ben Affleck. Com Ben Affleck, Bryan Cranston, John Goodman, Alan Arkin, Kyle Chandler, Victor Garber.

Argo é um filme que funciona nos mais diversos níveis. Como thriller, representa uma tensa narrativa onde um agente da CIA elabora um complicado esquema para exflitrar 6 diplomatas americanos, refugiados na casa do embaixador canadense, em Teerã. Como drama, é um comovente retrato sobre o empenho de um homem em resgatar com vida estas pessoas, que, por sua vez, nos aparecem aflitas e abatidas, em constante antecipação e medo de serem pegas por rebeldes iranianos. Já, em razão do plano de retirada dos diplomatas, elaborado pelo agente Tony Mendez (Ben Affleck), ser um tanto estranho e peculiar, o filme nos oferece, também, uma boa dose de momentos cômicos e leves.

A razão deste cenário todo, por sua vez, está no fato do governo americano se recusar em extraditar o xá Mohhamad Reza Pahlavi, deposto em 1979 pelo povo iraniano, após anos de tortura e opressão a população. Durante seu governo, o xá contou com forte apoio dos EUA, que tinha grandes interesses econômicos no país e, na ocasião de sua deposição, refugiou-se junto aos aliados americanos. Por razão disso tudo, uma forte crise assolou o país asiático e deu-se, então, uma série de revoltas diárias, por parte da população, exigindo a extradição do líder deposto. Em 4 de novembro de 1979, a população iraniana finalmente ocupou a embaixada americana e fez 52 americanos de reféns, por um período de 444 dias. Em meio a ocupação da embaixada, 6 diplomatas conseguem escapar e refugiar-se na casa do embaixador canadense, Ken Taylor (Victor Garber). É com grande maestria que Ben Affleck narra todo esse cenário num rápido prólogo, permitindo que o restante do filme se desenvolva em cima da dramática ação de resgate a esses 6 refugiados.

O plano de Mendez é um tanto curioso; poduzir um falso filme de ficção científica e pedir permissão para filmá-lo nas desérticas terras iranianas. Entra em cena Argo, a falsa produção cinematográfica, orquestrada com a ajuda de um maquiador bonachão e caloroso, John Chambers (John Goodman), e de um decadente produtor da velha-guarda Hollywoodiana, Lester Siegel (Alan Arkin).

De cartazes e storyboards a coquetéis com elenco e jornalistas, a falsa produção toma forma, ainda em terras americanas, e prepara terreno para a viagem de Mendez ao Irã. O plano; ir até o país, sozinho, como diretor de Argo, e voltar com os refugiados como sendo o restante de sua equipe.

Do momento em que Mendez desembarca no Irã, o espectador é jogado, junto a ele, em meio a uma cidade caótica, com pessoas gritando por todos os lados e exército armado em cada canto. O close no olhar de um desses soldados é uma intimidação ao próprio espectador, que teme pela vida de Mendez, ainda que soldados de rua, como este, não signifiquem qualquer perigo imediato de exposição de seu plano. Se esse close trás esta sensação de perigo, então, é, justamente, por conta de um excelente trabalho de montagem, por parte de William Goldenberg, que, com seus tensos cortes, em momentos de alta dramaticidade, sugere a constante eminencia de Mendez ser descoberto.

Se, por um instante, parecia que a pressão de ser descoberto era combustível suficiente para carregar a narrativa até seu desfecho, um outro problema surge assim que Tony chega à casa do embaixador canadense; alguns dos refugiados recusam-se a tomar parte no esquema. Enquanto Mendez tenta convencê-los, o cerco vai fechando em torno do embaixador canadense, que parece levantar suspeitas entre os militares iranianos, de modo que eles chegam a questionar a empregada do embaixador. Em outro exemplo da excelente capacidade da montagem em nos gerar tensão, durante o tempo em que Mendez ensaia falas e papéis com os refugiados, para se fazerem acreditar como equipe de cinema, vemos, em cenas paralelas, um grupo de crianças que trabalham para o exército juntado papéis recortados, e constituindo o rosto desses mesmos refugiados. A partir daí, além da cautela necessária para escaparem com segurança, o filme impõe uma corrida contra o tempo, deixando a coisa toda ainda mais angustiante.

De uma maneira geral, “Argo” não tem qualquer relevância enquanto obra-prima cinematográfica, vanguarda estética ou ensaio filosófico. Trata-se, apenas, de um potente drama, realizado de maneira primordial, lançando mão dos mais clássicos recursos de construção de narrativa, em perspectiva de envolver e comover seu espectador. Em todas as direções que aponta e em tudo aquilo que intende, esse é um filme bem sucedido, capaz de realizar algo tão básico quanto prender a atenção de seu espectador, de uma maneira honesta — muito diferente de “Lincoln” e seus artifícios baratos -.

Se a tradição do bom cinema pretende manter-se firme, eis uma boa aposta a se fazer no dia 24 de fevereiro, durante a cerimonia do Oscar. Mas por outro lado, como desfavorecer “O Mestre”?

Publicado em 20 de fevereiro de 2013.

--

--