HITCHCOCK

NOTA 7,0

Matheus Rego
Boite du Film
5 min readJun 29, 2018

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EUA, 2013. Dir.: Sacha Gervasi. Com Anthony Hopkins, Helen Mirren, Scarlett Johansson, Danny Huston, Toni Collete e Michael Stulhbarg

Hitchcock, produção do pouco conhecido diretor Sacha Gervasi, é um filme biográfico que toma uma série de liberdades a partir daquilo que, se supõe, tenham sido desejos, angústias e fatos pessoais da vida do grande mestre do suspense. No entanto, se boa parte do que vemos na tela, ao decorrer de uma hora e meia de filme, é inventado ou especulado, pouco importa, uma vez que estamos diante de um retrato tão convincente e tão envolvente que, a bem da verdade, nós queremos, mesmo, nos deixar iludir.​

Anthony Hopkins, naquilo que deveria ser considerado a performance de sua carreira — não fosse este título preenchido por sua atuação em “O Silêncio dos Inocentes” -, nos entrega um personagem tão real e tão parecido com o próprio Hitchcock que não podemos deixar de relevar as liberdades narrativas que o filme toma, numa ansiosa vontade de abraçar essa história e este personagem como fiéis retratos de uma enigmática figura. Do timbre da voz à uma postura sempre ereta, da confiança em seu gênio às pequenas inseguranças que o abalam, Hopkins constrói o retrato de uma figura mítica do cinema, acertando pontualmente em todas as suas interpretações, sejam elas gestuais, emocionais ou de fala. Sua atuação é uma perfeita extensão daquela imagem de um senhor gordinho e asseado, trabalhado num eterno jogo de luz e sombra, que vemos por aí em tantas fotos. Ele é a incarnação exata dessa caricatura de Hitchcock, que já faz parte do imaginário popular, dando a esta mesma caricatura sensíveis contornos humanos.

Ao seu lado, Helen Mirren tem um desempenho igualmente fantástico como Alma Reville, a Sra. Hitchcock. O seu é o retrato de uma esposa dedicada e paciente, certa de que vive com um gênio e, talvez por isso, tolerante com os mimos e infantilidades de seu marido. Há, inclusive, uma ótima cena que descreve essa personalidade de Hitchcock como um gênio infantil; enquanto come cereal matinal em uma tigela, e assiste com grande interesse a um desenho animado, na televisão, o diretor ouve a uma sinfonia de Beethoven em sua vtirola, até o momento em que Alma entra no ambiente e acaba com a diversão.

A relação entre Alma e Hitch — como ele diz preferir ser chamado — é um elemento chave para o desenrolar do filme e serve, até mesmo, como agente de suspense e tensão durante os momentos em que Hitchcock suspeita estar sendo traído, chegando a dizer para a mulher: “Cuidado, todos os homens são assassinos em potencial. E por boas razões”. É claro que em momento algum o espectador espera um ato mais dramático ou tenso por parte dos personagens, e nem é a intenção do filme gerar tal expectativa. O que a narrativa faz é sugerir o modo como pensamentos mórbidos e potencialmente criminosos percorrem a cabeça do diretor o tempo todo, sugerindo que a obra de Hitchcock o afetava profundamente e que, talvez, todo seu trabalho como diretor fosse uma maneira de canalizar sua ânsia e fascinação por sangue e por assassinato. É claro que essa é uma suposição vinda de uma psicologia de boteco e que não pretende ser levada a sério no filme, mas garante boas cenas de pequeno suspense que servem mais ao propósito de homenagear ao mestre deste gênero, do que especular sobre impulsos sombrios.​

A verdadeira razão das obras de Hitchcock, no entanto, vem de uma irreparável curiosidade, um imenso fascínio por crimes que o deixam maravilhado. Assim como nós, ele também é o espectador de seus filmes, e nada mais. De maneira alguma se pode sugerir que o diretor fosse um psicopata reprimido ou coisa do gênero.

Já, quanto ao contexto para toda essa narrativa sobre a personalidade de Hitchcock, trata-se do período em que o diretor realiza sua mais icônica obra, “Psicose”. Logo após ter lançado o estrondoso “North by Northwest”, Hitch se vê deparado com a pergunta de um jornalista que questiona se, aos 70 anos, não seria melhor parar enquanto ainda estava no topo. Temos aí toda a justificativa da narrativa e um momento chave para contar a história do diretor, uma vez que ele vê em “Psicose” um filme com o potencial de reinventar sua carreira. Apostando num livro pesado e mórbido, baseado nos crimes reais de Ed Gein, Hitch busca uma sensação de instabilidade, emoção e problemas, que já não o preocupavam mais aos 70 anos, quando já vivia uma vida estável. Tudo isso é retratado com genuina emoção e, pelo decorrer do filme, nós admiramos cada vez mais aquele senhorzinho de tipo refinado, atos meticulosos e inteligência admirável, que busca reviver as emoções de uma juventude, há muito tempo, já passada. De uma maneira simples, a narrativa trabalha um arco dramático que começa dessa busca do diretor por um vigor jovial, passando por brigas e intrigas com a esposa, até o final reconhecimento, por parte de Hitch, de que sua vida já está completa e realizada ao lado de Alma, e que o passado é o passado.​

Simplificando as coisas assim, o filme parece perder muito de sua força, mas não é o caso. Isso porque, em meio a essa narrativa simples, temos performances fenomenais — com a exceção de Scarllett Johanson, que não convence como Janet Leigh -, pequenos momentos de suspense e, acima de tudo divertimento de primeira.

Sim, essa é uma peça de entretenimento da mais alta qualidade. É um verdadeiro prazer acompanhar os bastidores de um dos mais clássicos filmes de todos os tempos, com a sadia curiosidade de espectadores que se aproximam pela primeira vez de grandes estrelas do cinema. E não é nada mal que nosso guia seja ele, Alfred Hitchcock. Talvez, o filme peque em, justamente, não focar mais na realização de “Psicose” e na perturbada relação que Hitch tinha com suas blonde actresses, uma vez que os momentos mais divertidos vem daí. Mas nada que diminua a força de um filme com a simples e objetiva intenção de retratar um icône a partir de traços genuinamente humanos. E esses traços vem com grande facilidade através do rosto cheio de prostéticos de Anthony Hopkins.

Publicado em 1 de março de 2013

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