KILLER JOE

NOTA 7,0

Matheus Rego
Boite du Film
4 min readJun 29, 2018

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EUA, 2013. Dir.: William Friedkin. Com Matthew McCounaghey, Emile Hirsch, Juno Temple, Thomas Haden Church, Gina Gershon e Gralen Banks

A primeira cena de Killer Joe, chocante thriller de William Friedkin, nos apresenta o personagem de Emile Hirsch, Chris Smith, batendo à porta de um trailer enquanto uma forte chuva cai sobre ele. Ele tenta entrar mas ninguém responde. Enquanto esbraveja que precisa usar o banheiro, um cachorro preso a uma coleira late agressivamente contra ele. Chris precisa entrar pra dar uma mijada, esse é seu problema. Não lhe incomoda a chuva que cai, não lhe incomoda o cachorro que late, lhe incomoda, apenas, a vontade de mijar. Em uma banal cena de início de narrativa temos todo o desenho de personalidade de um personagem que age movido, apenas, por seus impulsos mais primários. Pelo decorrer da narrativa, Chris não tomará uma decisão sensata, não fará uma escolha acertada e, como consequência disso tudo, apanhará muito. Esse é o retrato do americano comum — despreparado, ignorante e constantemente pagando o preço disso tudo -.

A história deste filme não poderia ser contada em lugar mais apropriado do que o Texas, estado onde os idiotas são comidos no café da manhã por homens violentos. Com uma longa tradição de sangue e caos, a violência americana — que tem seu auge nessa terra de rednecks — teve tempo de sobra para se domesticar, evoluir, tornar-se sofisticada, razoável e bem preparada. Eis que entra em cena, Killer Joe ou, em tradução livre, o Zé Matador. Como mais um entre muitos outros iguais a ele, este Zé é um cara pragmático; a violência é o seu negócio, e este é um negócio que é feito sob o seus termos e suas condições.

Por ocasião de uma dívida com a máfia local, Chris contrata os serviço de Joe e lhe pede que mate sua mãe para que sua irmã mais nova, Dottie (Juno Temple), possa recolher a apólice e dar a ele o dinheiro do seguro. Como não poderia deixar de ser, o jovem arrasta para o esquema o próprio pai, Ansel (Thomas Haden Church), um sujeito burro como um macaco e inerte como um saco de batatas, e, também, sua vulgar madrasta Sharla (Gina Gershon). Uma das condições de Joe para realizar seus serviços, no entanto, é receber metade do dinheiro em avanço, o que é impossível, uma vez que a família só teria dinheiro pra pagá-lo uma vez que recolhessem a apólice. Como garantia, então, Joe faz uma exigencia pesada; a virgindade da pequena Dottie, de doze anos.

Está dado o cenário para uma tragédia. Logo no primeiro encontro entre Chris e Joe é óbvio quem vai levar a melhor; o espectador sabe que a família de caipiras do garoto não tem a menor chance contra a sobriedade e preparação de um homem que incorpora a violência como padrão ético.

É curioso que Friedkin trabalhe um protagonista tão burro e sem qualquer apelo emocional em contraponto a um antagonista refinado e interessante e, mesmo assim, como que insistindo no fracasso, o espectador ainda torça para seu herói. Tal feito, é mero reflexo da capacidade técnica e narrativa de Friedkin; não importa o quão óbvio seja o fracasso de Chris ou o quão estúpido ele seja, torcemos pra ele porque estamos sendo manipulados por um cinema de montagem e fotografia clássicas, a serviço de uma trama envolvente e tensa. Que fique claro, porém, que esse clasicismo presente nas qualidades técnicas do filme não o tornam uma história quadradinha ou uma narrativa pobre. Pelo contrário, elas estão ali a serviço de um impactante conto de violência e sujeição, com desfecho apoteótico. A história dessesrednecks se traduz, justamente, numa constante sujeição à violência, o que acaba se tornando um pontual comentário sobre a própria população americana. Nossas “vítimas” não são pobres coitados que foram em busca do assassino por falta de opções ou por não saberem o que fazer. Eles foram atrás de um assassino porque essa população aceita e abraça a violência como um cão de guarda. Mas este cão de guarda cresceu e agora atende por Senhor enquanto espera reverências e respeito. Matthew McCounaghey tem uma perfomance admirável como Joe, mantendo sempre um olhar atento e uma altivez que despertam nosso interesse. Cada palavra que sai de sua boca é apreciada com tensa expectativa e atenção pelo espectador, que nunca sabe em que momento ele quebrará sua sobriedade e jogara sua ira sobre os idiotas a sua volta. Todo o resto do elenco desempenha papéis igualmente admiráveis, em especial as mulheres, Juno Temple, em seu retrato de uma menina inocente e pura, mas com grande ódio e ressentimento recalcados, e Gina Gershon, como uma mulher desprezível e vulgar. E é justamente a personagem de Gina que tem uma das mais memoráveis cenas do filme, lá pelo fim da película, envolvendo muito sangue e um pedaço de frango — e isso é tudo que posso revelar -. Por falar nisso, sangue é o que não falta na trama. Extremamente gráfico e com uma explícita violência visual, “Killer Joe” banha seus personagens no sujo sangue de seus próprios pecados.

Há algum tempo, Hollywood não nos proporcionava um thiller com a força de “Killer Joe”. Durante toda sua duração, ficamos tão tensos quanto em obras como “Cabo do Medo” ou “Taxi Driver” e, assim como no filme de Scorsese, esse é um estudo sobre personalidades maníacas, desprezíveis e repulsivas. Com este filme, William Friedkin, um dos grande nomes da Nova Hollywood, prova que, nesses 40 anos que separam sua primeira obra-prima, “O Exorcista”, desse arrebatador suspense, ele não perdeu nem um pouco de sua ousadia, inventividade, coragem e impacto.

Publicado em 26 de fevereiro de 2013

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