LINCOLN

NOTA 4,0

Matheus Rego
Boite du Film
5 min readJun 29, 2018

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EUA, 2013. Dir.: Steven Spielberg. Com Daniel Day-Lewis, Sally Field, Hal Holbrook, David Stratharn, James Spader e Tommy Lee Jones

Em 1993, Steven Spielberg lançou “A Lista de Schindler”, um filme que comoveu crítica e público ao narrar os esforços do empresário alemão Oskar Shchindler em salvar a vida de judeus durante a 2ª Guerra Mundial. Pra mim, o filme representa um marco na carreira do cineasta. É nesse momento que ele assume de vez sua veia melodramática. Se antes disso o projeto de sua carreira traduzia uma dedicação em criar um universo mágico e extremamente divertido para um público infantil, resultando em filmes memoráveis como “Jurassic Park”, “E.T” e “Indiana Jones”, a partir de “A Lista de Schindler”, seu compromisso passa a ser com as lágrimas. Há uma cena, em “Schindler”, que resume o filme como um todo; trata-se do momento que, em meio a um campo de guerra, cheio de corpos e pessoas feridas, uma pequena menininha caminha segurando uma rosa em mãos. Nesse momento, Spielberg opta por um close na flor, que é a única coisa colorida em meio a uma fotografia em preto e branco.

Eis a essência do cinema de Spielberg pós-Schindler; o contínuo uso de artificios pobres e de fácil realização que vão em busca de uma comoção barata. Basta que o espectador tenha isso em mente para antecipar toda a breguice que percorre as longas 3 horas de duração de “Lincoln”, filme indicado ao Oscar de melhor longa-metragem.

​Em perspectiva de narrar a história de uma lenda americana e, ao mesmo tempo, retratar a figura humana por trás do herói nacional, Spielberg opta por focar sua narrativa em um único evento da vida de Lincoln — fato que, juntamente com a escalação de Daniel Day-Lewis para o papel principal, significam as duas únicas escolhas acertadas do filme -. Ao escolher contar a vida de Lincoln durante o período em que ele tentou aprovar a 13ª emenda constitucional, perante o Senado americano, Spielberg evita criar uma história confusa, focando em um único evento histórico que, ao mesmo tempo, serve como base para refletir os próprios ideiais e princípios do presidente.

O retrato de Lincoln, como construído por Day-Lewis, é o de um homem amável e de poucas palavras. Durante toda a duração do filme ele se exalta uma única vez, ainda que não faltem pessoas dispostas a afrontá-lo, constantemente. Em sua maioria, estes são os membros do partido Democrata, adversários políticos, de inclinação conservadora, que querem barrar o projeto de emenda constitucional do presidente diante do senado. E é justamente a figura desses adversários que serve como motim para o fio condutor da narrativa. De uma maneira geral, todos os dramas pessoais e conflitos do filme surgem a partir da jornada empreendida pelo presidente e seus aliados em conseguir a maioria de votos e aprovar a emenda, de modo que assistimos, durante 3 horas — e gosto de reiterar isso para ficar claro o quão tedioso o filme é — à constante tentativa desses homens em convencer os senadores adversários a votarem em favor deles. Em linhas gerais, esse é o grande conflito do filme, que se encaminha para um desfecho historicamente conhecido. Ou seja, ainda que Spielberg insista em uma montagem paralela durante a seqüência de votação, e lance mão de uma série de outros artificíos para prender nossa expectativa, não há qualquer êxito nesse sentido, uma vez que sabemos qual será o resultado final.

Bem, quando não estamos entediados assistindo à longa repetição de cenas em que membros do partido Republicano tentam fazer a cabeça dos Democratas, somos subjugados com discursos rasos e superficiais, que, em um primeiro momento buscam nossa comoção através das palavras do presidente, mas só a conseguem por meio da trilha sonora elaborada por John Williams. Mais uma vez, estamos diante de um elemento maniqueísta, que opera como artifício para que os espectadores mais ingenuos pensem “opa, Lincoln está falando, vamos ouvir suas nobres palavras e nos comover.” Esse é o verdadeiro sentido da trilha sonora de Williams, não só em “ Lincoln”, mas também em todos os filmes mais recentes de Spielberg. Aqui, todo o trabalho dele — que já fez peças memoráveis, como a música tema de Jurassic Park, por exemplo — é muito similar, em efeito, às claques — risadas gravadas, de audiência — presentes nas sitcoms americanas. Da mesma maneira que estas risadas servem para indicar ao espectador os momentos em que ele deve achar graça, as composições de John Williams são um indicativo de quando o espectador deve ir às lágrimas. Um recurso fácil que preenche as lacunas dramáticas de um narrativa pobre. Isso não diminui, porém, a qualidade da orquestra de Williams, como um todo.

Curiosamente, o unico momento do filme carregado de verdadeira emoção é desprovido de qualquer trilha sonora. Me refiro a cena em que Lincoln grita com sua esposa, Marry Todd (Sally Field), e revela uma profunda dor por conta da perda de um de seus filhos. É nesse único momento que vemos uma figura humana e amargurada emergir de dentro da figura de um herói intocável, como Spielberg o pinta pelo restante do filme. Essa também, é a única oportunidade real para Day-Lewis agraciar o público com seu talento, uma vez que durante todo o resto da narrativa ele interpreta um simbolo no lugar de uma pessoa. E é justamente esta abordagem que falta ao filme, de uma maneira geral. Falta a Spielberg a coragem de dar ao seu público — e me refiro ao público norte-americano — um Lincoln falho, recalcado e corrompível.

Ainda assim, não me incomoda tanto que o filme enalteça e pinte Lincoln como uma divindade. Eu, realmente, não esperava que fosse ser diferente. O que me deixa um tanto angustiado e faz com que eu me contorça na poltrona de cinema é, justamente, a maneira como cada artifício do qual Spielberg lança mão, filme após filme, parece deixar suas obras cada vez mais cafonas. Mais do que isso, todo clamor público e critico que vem recebendo, revela um gosto extremamente duvidoso das platéias de cinema, em geral. Uma triste constatação.

Publicado em 19 de fevereiro de 2013.

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