O LADO BOM DA VIDA

NOTA 7,0

Matheus Rego
Boite du Film
5 min readJun 29, 2018

--

EUA, 2013. Dir.: David O. Russell. Com Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert DeNiro, Jacki Weaver, Chris Tucker e Anupam Kher.

Pra mim, David O. Russell é uma versão água com açucar de Milos Forman.

Explico.

Tanto no cinema de O. Russell, quanto no de Forman, o que temos é uma constante tentativa de trazer à tela dramas pessoais a partir de personalidades perturbadas. A abordagem de suas narrativas se dá, sempre, em torno de personagens com sérios problemas psíquicos e físicos. Porém, ainda que partam de um mesmo princípio para desenvolver suas histórias, há uma grande diferença entre eles, no que tange o desenrolar de suas narrativas.

Em O. Russell, o que temos é sempre uma jornada pessoal em busca de redenção. Seus personagens evoluem ao longo do filme, rumo a uma melhora pessoal. Já em Forman, temos personagens instáveis e conturbados desde a primeira cena, e o restante do filme é uma continua apreciação da queda desses personagens em desgraça. Se em Russell o elemento catártico está presente na salvação e recuperação de personalidades frágeis, em Forman, a catarse é dada no momento em que o personagem principal joga um ultimo punhado de terra sobre seu próprio túmulo.

Enquanto o cinema de um se traduz numa séria e realista abordagem do que distúrbios de personalidade significam para as pessoas, o cinema de outro é mais dado a auto-ajuda.

Houve um tempo, porém, em que o cinema de O. Russell significava a promessa de algo relevante. “I Heart Huckacbees”, lançado em 2004, trazia um humor inteligente e ácido onde a loucura dos personagens era tratada de uma maneira suave e doce. Um filme inspirador e cômico, justamente pela despretensão com que os distúrbios mentais de seus personagens eram tratados.

​Isso tudo ficou para trás e, como acontece a todo cineasta que faz um filme nonsense ou tolo e recebe boas respostas da crítica, O. Russell passou a se levar a sério.

Eis a razão de seu cinema ter se tornado um enfadonho tratado sobre personagens que até podem ser interessante — e, em sua maioria, são -, mas cujo destino feliz e bem sucedido nós conseguimos antever desde a primeira cena. Quando estamos cientes do happy ending, logo de cara, não há tensão ou conflito suficientemente eficaz para nos comover, de modo que até mesmo o clímax se torna tedioso.

Mas, calma, não se desanime, ainda. Há esperanças para “O Lado Bom da Vida” e, apesar de todas suas falhas, ainda merece ser assistido.

Num aspecto geral, David O. Russell é um bom cineasta cuja inclinação para histórias de auto-ajuda acaba o enfraquecendo. Não é por isso, porém, que sua qualidade técnica é menor. Ele é capaz de arrancar excelentes perfomances de seus atores.

“O Lado Bom da Vida”, pra mim, significa o renascimento da carreira de Bradley Cooper — até então, completamente desacreditado -. Vê-lo incorporar o papel de um ex-professor, condenado a destruir tudo ao seu redor e acabar com suas relações, por ocasião de um distúrbio bipolar, é presenciar o auge da atuação de uma nova promessa. Se por um lado, esse é um filme sem sabor e fraco por conta de uma narrativa dada a romantização superficial de problemas sérios, por outro, é um verdadeiro prazer assistir ao trabalho do elenco.

A muito criticada Jennifer Lawrence, tem um desempenho razoável como a jovem Tiffany, vizinha de Pat (Bradley Cooper). O que enfraquece sua atuação é o fato de que não há nela um elemento essencial para o papel que lhe foi designado; uma rebeldia natural, vinda de dentro. Ela é, e sempre será uma boa moça, cujo papel de mártir em “O Inverno da Alma” traduz toda sua competência como atriz, mas também a deixa marcada como a eterna coitada, de modo que é difícil fazer-se convincente como uma jovem recalcada e viciada em sexo, ainda que se esforce bastante.

​Em linhas gerais, essa é uma história de superação sobre um rapaz (Pat) que acaba de sair de uma clínica para pessoas com problemas mentais e vai em busca de sua ex-mulher, que o abandonou por conta do fato dele ter espancado seu amante. Lá pelas tantas é que ele conhece Tiffany e é óbvio para o espectador que a personalidade frágil de ambos é um atrativo imediato para ficarem juntos — o que, inevitavelmente, acontece -.

O. Russell dá a entender que toda a obstinação de Pat em se tornar alguém melhor vem da vontade em reconquistar a ex-mulher e provar pra ela que ele é capaz de superar a doença em nome do amor que sente. À medida em que o filme se desenrola, porém, fica claro que o motor de suas inspirações e esperanças para um futuro melhor tem o nome de Tiffany e, ainda que não enxergue, é para ela que Pat tenta superar seus problemas.

Como já disse antes, a coisa toda vai ficando um tanto enfadonha, uma vez que é óbvio, logo de cara, que Pat e Tiffany ficarão juntos e que o amor dos dois será capaz de suprimir seus recalques e distúrbios — coisa que é sugerida ao fim do filme e que, por si só, é uma afronta às terapias e à qualquer pessoa que leve a sério as doenças da mente, como já apontou o crítico do The New Yorker, Richard Broody -.

Apesar de sua previsibilidade, no entanto, a relação de Pat e Tiffany rende momentos divertidos e por horas é capaz de inspirar verdadeira emoção, em grande parte, por conta qualidade das atuações de Cooper e Lawrence. Fora isso, os outros momentos inspiradores do filme vem por razão das atuações de De Niro e Jacki Weaver, como os pais de Pat, incapazes de lidar com os problemas do filho. É realmente comovente ver Pat Sr. (De Niro), um inveterado fã do Philadelphia Eagles, insistindo na idéia de que a presença do filho ao seu lado, durante os jogos, é um amuleto de sorte, quando, na verdade, o gesto traduz uma tentativa de aproximação com o rapaz.

Do título original, em inglês, Silverlining significa raio de esperança. No caso desse filme, se há alguma esperança, ela se encontra no bom desempenho de seus atores.

Publicado em 18 de fevereiro de 2013.

--

--