O LOBO DE WALL STREET

NOTA 7,5

Matheus Rego
Boite du Film
4 min readJul 9, 2018

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EUA, 2014. Dir.: Martin Scorsese. Com Leonardo DiCaprio, Margot Robbie, Jonah Hill, Kyle Chandler, Rob Reiner e Jon Favreau.

Sim, certamente podemos comparar “O Lobo de Wall Street” com “Os Bons Companheiros” e encontrar uma variedade de pontos em comum. A começar pelo carisma de Jordan Belfort (personagem de DiCaprio), cujo estilo de vida ambicioso, imprudente e leviano atraí a simpatia de seu espectador do momento em que ele dá sua primeira fala no filme. Da mesma maneira, é a personalidade de Henri Hill (personagem de Ray Liotta em Os Bons Companheiros) que traz o espectador para perto de sua jornada tipicamente trágica e o faz experimentar um mundo completamente diferente daquele em que vive. Em ambos os casos estamos falando de personagens inseridos em cenários fora do comum. Seja o crime organizado de Nova York ou o universo de Wall Street com suas operações feitas no limite da legalidade, estamos diante de dois protagonistas que optaram pela vida em grande estilo e fizeram de tudo pra chegar ao topo.

Se continuarmos seguindo um traçado de comparação, serão inesgotáveis as semelhanças entre os dois filmes, tanto estética quanto narrativamente. Mas vamos tomar O Lobo de Wall Street pelo que ele é, independente da carreira de Martin Scorsese. E tomar este filme pelo que ele é significa entendê-lo, antes de mais nada, como a mais pura forma de entretenimento.

Claro, é sempre pertinente argumentar que um olhar lançado para dentro deste covil de lobos que é Wall Street tem uma enorme relevância política e social, no sentido de dissecar toda a sordidez e imoralidade que se passam ali. Mas vamos ser práticos, ninguém compra ingresso para um filme com o DiCaprio e o Jonah Hill afim de discutir as relações diretas da compra de um iate por um CEO de Wall Street com a fome na África. Nem é essa a intenção de Scorsese ao fazer o filme. O que interessa aqui, sem fazer juízo moral, é a história real de um homem que teve toda a coragem de se inserir num mundo extraordinário (no sentido radical da palavra) e toda a inteligência para operar esse mundo à sua vontade.

Esta é a jornada de um homem dentro de um crescente de drogas, bebidas, prostituição e dinheiro, com um único objetivo… mais, mais e mais. Isso resume o cenário inteiro não apenas do filme mas da realidade existente em Wall Street. O desenrolar da trama é um contínuo trabalho de desconstrução de personagem, encarando-o sob todos os ângulos possíveis, para que a cada nova cena se percebam as nuances e particularidades de uma personalidade completamente esvaziada, não por ocasião de sua natureza, mas por conta do meio em que vive. Se ao início do filme o espectador é atraído pela ambição juvenil de Belfort, com suas rápidas palavras, inteligentes sacadas e brilhantismo para os negócios, ao meio da narrativa essa atração adquire tons de uma curiosidade mórbida, no sentido de que estamos diante de uma figura ora patética ora grotesca, cujos vícios de longe superam as virtudes e anunciam uma tragédia iminente. Já, os momentos finais, dão conta de mostrar um personagem de imagem desgastada, como um velho palhaço num circo abandonado, onde ninguém mais ri.

Ainda assim, ele tenta seguir em frente com seus truques, pois são a única coisa que sabe fazer da vida. Da mesma maneira, Leonardo DiCaprio se expõe e se permite desconstruir esse personagem ao lado de Scorsese, de tal maneira, brilhante, que a sequencia de cenas em que esta presente compõe um mosaico ímpar em sua carreira. A composição de Jordan Belfort, como trabalhada por DiCaprio, traz todas as facetas de um personagem em constante mutação, dado seu vazio existencial, ora submisso a sua magnifica mulher, extremamente sensual, ora primitivo ao gritar palavras de incentivo para sua equipe de corretores. E é interessante notar como a tragédia do filme não recai no drama justamente por conta do ridículo a que todos os personagens em cena se expõe. Estamos muito mais inclinados a rir dos atos patéticos e absurdos cometidos por eles do que lamentar as consequências destes atos.

Em toda sua experiência e inteligência para contar histórias, Scorsese não apenas está ciente do “ridículo” como elemento presente na narrativa, mas faz questão de adotar este ‘ridículo’ como veia do filme, de modo que, por conta do absurdo de algumas cenas, esta, que é uma história verídica, ganha contornos fantásticos.

Novamente, tomando o filme pelo que ele é, estamos diante da mais eficaz e bem realizada forma de entretenimento, com uma trilha sonora tão frenética quanto o ritmo de vida de seus protagonistas. Com personagens coadjuvantes capazes de manter a comicidade em alta, quando, por horas, o protagonista falha em se fazer interessante, dada uma pequena overdose de seu tempo de cena. E pontos extras aqui para Jonah Hill, quem, diferente do que muito se diz por aí, finalmente saí de sua zona de conforto para interpretar um amargurado e patético homenzinho na casa do 30 que pula no primeiro barco que vê, para longe de sua vida medíocre.

Sim, repito, O Lobo de Wall Street é entretenimento de primeira qualidade e imagino que sirva seu público com boas risadas, exceto pelo ingênuo palhaço no centro do picadeiro. Aquele mesmo da vida real, que deve agora estar olhando a sua volta, sem compreender qual é a graça da situação.

Publicado em 21 de Janeiro de 2014.

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