THE PAPERBOY

NOTA 3,5

Matheus Rego
Boite du Film
5 min readJun 29, 2018

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EUA, 2013. Dir.: Lee Daniels. Com Matthew McCounaghey, Zac Efron, Nicole Kidman, John Cusack, David Oyelowo, Macy Gray

O cineasta norte-americano John Waters tem uma única preocupação quando esta fazendo um filme: inspirar nojo, repulsa e aversão em sua platéia. Costuma dizer que sua maior felicidade é ver o público vomitar durante a exibição de um de seus filmes. Tem uma filosofia própria sobre o cinema e a segue com a segura confiança de um artista. É a filosofia do mau gosto. Não vá pensando que estou falando de algo tipo “Centopéia Humana” ou “Jogos Mortais”, trata-se de um mau gosto como proposta estética; um discurso artístico, como em Duchamp.

Em seu ótimo livro Shock Value: A Tasteful Book About Bad Taste — que serve como um esclarecimento sobre as qualidade estéticas do cinema — Waters ilustra o pragmatismo de suas idéias como um pontual ataque aos bons costumes, na expectativa de revelar o que está camuflado debaixo deles. Apesar disso, ele próprio insiste que sua maior motivação é o cinema de mau gosto como entretenimento:

“Pra mim, mau gosto é o significado de entretenimento. Se alguém vomitar, durante a exibição de um dos meus filmes, é como estar sendo ovacionado. Mas as pessoas devem se lembrar que há algo como ‘mau gosto, bom’ e ‘mau gosto, ruim.”​​

- John Waters, Shock Value: A Tasteful Book About Bad Taste

Quando fala de um mau gosto, ruim, Waters se refere a um mau gosto que não tem força como entretenimento, que não carrega qualquer discurso, que não prende sua audiência e que não consegue inspirar qualquer sentimento senão um constrangimento alheio na direção de seu realizador.

Ao assistir “The Paperboy”, um thriller passado no sul dos EUA, durante a década de 60, estamos diante deste mau gosto, ruim.

O filme já se inicia com uma péssima montagem mostrando as cenas do assassinato de um xerife numa pequena cidade da Flórida, sem jamais nos mostrar o rosto do assassino. Narrada pela voz em off de Macy Gray, que interpreta Anita Chester (uma empregada doméstica acostumada ao racismo imperante na época) esta primeira sequência do filme já dá o tom de tudo o que virá em seguida. Da má escolha dos planos de câmera à uma montagem brega de telas divididas, que não servem a qualquer propósito, uma vez que mostram exatamente a mesma cena, o começo do filme já parece ditar uma longa pena para o espectador que se atreveu em assisti-lo. Isso tudo sem contar a grande forçada de barra que é ouvir Macy Gray narrando a história toda com um ar de suspense.

​Bem, com sua voz de pato engasgado, Anita segue narrando a história e, assim, ficamos sabendo que um homem, Hillary Van Wetter (John Cusack), fora preso e condenado à morte pelo assassinato do xerife. A partir disso, a história gira em torno de dois jornalistas, Ward Jensen (Matthew McCounaghey) e Yardley Acheman (David Oyelowo), tentando provar a inocência de Van Wetter, contando com a ajuda do irmão mais novo de Ward, Jack Jensen (Zac Efron), e da amante do presidiário, Charlotte Bless (Nicole Kidman).

Não demora muito para que Jack se apaixone perdidamente por Charlotte. Paixão, esta, que é didaticamente explicada por Anita como uma resposta emocional, por parte de Jack, ao abandono da mãe quando criança. Acontece, porém, que Charlotte mantém um relacionamento com Van Wetter e não dá nem bola pro garoto. Aliás, é este próprio relacionamento que gera uma das piores cenas do filme, fazendo com que eu me perguntasse como uma atriz do porte de Nicole Kidman se sujeitou a fazer tal coisa. Trata-se de um momento em que Kidman senta-se de frente para o personagem de Cusack e, estando ele preso, ela começa a fingir que está fazendo sexo oral nele, enquanto faz vergonhosos movimentos no ar, sem jamais poder tocá-lo.

Fosse um Bertolucci dirigindo essa cena e estaríamos diante de algo tão poderoso quanto “pass me the butter”. Mas não era, e foi nesse momento que me perguntei: que diretor é esse, de extremo mau gosto e com uma proposta de direção tão fraca, que consegue por atores como esses em cenas tão constrangedoras? Dei pause e fui pesquisar. Logo, tudo fez sentido; tratava-se de Lee Daniels, diretor do péssimo, sofrível, apelativo, enojante e, como diria Waters, tasteless “Preciosa”, indicado ao Oscar de melhor filme. Nada faz um ator aceitar tão rápido um papel quanto um diretor indicado ao Oscar, mesmo que se trate de um trabalho tão ruim quanto esse. Eis a razão de Kidman e Cusack depositarem a confiança em Daniels da mesma maneira que Marlon Brando e Maria Schneider fizeram com Bertolucci.

Todo o decorrer do filme, como já disse, é uma peça de mau gosto, ruim. Acompanhamos as constantes tentativas de Jack em conquistar Charlotte. Descobrimos que Ward tinha um obscuro segredo, que deveria ter grande impacto sobre nós, não fosse pelo fato de que dá pra deduzir o tal segredo logo no começo do filme. E, durante esse tempo todo, nada acontece que nos prenda a atenção de maneira efetiva. Acho importante ressaltar que tudo isso é conduzido a partir de cenas apelativas e desprovidas de qualquer emoção.

​Só pelo final do filme, durante os 30 minutos últimos, é que a coisa toda toma forma de thriller e, acredite se quiser, se torna envolvente. Parece absurdo, mas nesse momento pude notar uma verdadeira capacidade técnica e narrativa, por parte de Daniels, que me deixou pensando; “o que diabos demorou tanto para que ele demonstrasse essa capacidade?”. Quero dizer, porque que o cara não trabalhou o suspense do final, durante todo o longa, ao invés de investir nos bobos joguinhos de amor entre Zac Efron e Nicole Kidman? Não sei responder, realmente.

Ainda que me custe reconhecer, os momentos finais do filme conseguem, até mesmo, nos surpreender e nos deixar um bocado tensos e ansiosos. Nada disso, porém, apaga a longa uma hora e meia anterior que me fez pensar que talvez eu fosse o tal assassino do xerife. Quero dizer, porque outro motivo eu assistiria a tal filme, não fosse pela finalidade de cumprir uma pena?

Publicado em 26 de fevereiro de 2013.

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