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A cloroquina não cura covid-19, mas pode curar nossa democracia
O uso ideológico da droga desmascara a veia autoritária do presidente Bolsonaro
Os dicionários de Língua Portuguesa apresentam três acepções para o termo ditador. Minha proposta é demonstrar como o imbróglio da cloroquina nos apresenta um Bolsonaro ditador, em sua acepção figurada: um indivíduo despótico, autoritário, arrogante, que pretende impor aos demais a sua vontade.
Em março deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ordenou que o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) ampliasse a produção de cloroquina. A irresponsabilidade de Bolsonaro está no fato de que em março, ainda não havia estudos conclusivos sobre o uso dessa droga no tratamento da covid-19.
No mês seguinte, a matéria do El País já indicava que o LQFEx, que produz a droga desde 2000 para o tratamento da malária, aumentou a produção em 80 vezes, passando a produção de 250 mil comprimidos a cada dois anos para 1,2 milhão em apenas um mês e meio.
Sem respaldo científico que mostrasse o bom desempenho da cloroquina no tratamento dos pacientes de covid-19, conforme apresentado na matéria da Piauí, assim como Donald Trump nos EUA, Bolsonaro usou a cloroquina (e a hidroxicloroquina) como uma solução para o problema de escala global. O tema foi transformado por Bolsonaro em munição para um embate político, chegando a proferir na terça-feira, 19 de maio: “Quem é de direita toma cloroquina, quem é esquerda, tubaína.”
A produção de cloroquina nos laboratórios do exército custa dinheiro público: 20 centavos cada comprimido. Assim, o 1,2 milhão de comprimidos produzidos em apenas um mês e meio custou 240 mil reais. É muito dinheiro para uma droga que não tem comprovação para o tratamento da doença. E o laboratório do exército já anunciou que tem capacidade para produzir 1 milhão de comprimidos por semana, ou seja, um gasto de 200 mil reais por semana em prol de uma guerra ideológica promovida pelo presidente.
Bolsonaro, que sabe de todos os resultados que os estudos científicos trazem sobre a cloroquina e que opta por continuar gastando o dinheiro público com um remédio que não vai curar a covid-19, assinou a Medida Provisória 966 que livra agentes públicos de punições por omissões e equívocos nas ações de combate ao coronavírus. Caso a MP 966 seja aprovada no Congresso, Bolsonaro não poderá ser responsabilizado pelo uso indiscriminado do dinheiro público na produção da cloroquina.
Bolsonaro também não será responsabilizado por tratar da questão de maneira desleixada, inapropriada, pois veja: com o intuito de retomar as atividades econômicas, Bolsonaro ordena o Ministério da Economia decretar a inclusão de atividades de salões de beleza, barbearias e academias de esportes na lista de “serviços essenciais” sem consultar o Ministério da Saúde. O Ministério da Saúde, por sua vez, é pressionado para implementar um protocolo para utilização da cloroquina, sem consultar o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sobre o caso. E o MCTIC fica em silêncio sobre a questão da cloroquina, tentando desviar a atenção para outra droga igualmente problemática, a nitazoxanida.
Em um debate que deveria ser científico, o ministro Marcos Pontes, responsável pela questão científica do Governo, ao se manter em silêncio sobre a cloroquina, compactua com os planos maquiavélicos de Bolsonaro para o Brasil. Já os médicos que ocuparam o Ministério da Saúde, Mandetta e Teich, optaram por não assumir o risco de medicar milhares de pessoas com uma droga ineficaz e com graves efeitos colaterais. E isso traz um grande problema para Bolsonaro e para o Exército. A produção de cloroquina do Exército era, em média, 125 mil comprimidos por ano, mas a mando do Bolsonaro, em apenas um mês e meio foi produzido 1,2 milhão de comprimidos. Então, em um mês e meio, o Exército produziu o equivalente a quase 10 anos da produção usual. Sem a implementação de um protocolo para o uso da cloroquina no tratamento da covid-19, há o risco do medicamento produzido em excesso ficar acumulado em depósitos, e, quiçá, ter que ser jogado fora por conta dos prazos de validade: 24 meses após o prazo de fabricação.
Para executar esse seu plano ditatorial na acepção figurada, de um indivíduo autoritário, arrogante, que impõe a sua própria vontade, Bolsonaro descumpre uma promessa de campanha e nomeia como ministro interino do Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello, que não é médico, e que deve assinar o novo protocolo da pasta que libera o uso da cloroquina até mesmo em pacientes com sintomas leves da covid-19. A nomeação do general pode livrar a barra do Bolsonaro (e do Exército), que precisa medicar as pessoas para justificar o dinheiro público gasto na produção exagerada de cloroquina, mas também possibilita o prosseguimento do caos que o Bolsonaro implementou ao transformar a Saúde Pública em um debate político.
Se a cloroquina não pode ser utilizada como cura da covid-19, ela pode ser utilizada como um dos componentes da cura da democracia brasileira. A manipulação ideológica do medicamento pelo presidente desmascara a sua veia autoritária no comando da nação e dá suporte administrativo para averiguar os gastos públicos realizados para implementação no Sistema Único de Saúde (SUS) de uma droga ineficaz e que pode trazer outros efeitos para a saúde das pessoas acometidas pela covid-19.
Ao dizer “E daí?” para a saúde da população e dedicar esforços para a politização da Saúde Pública, só me resta uma saída: apoiar o #ForaBolsonaro.