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Tá autorizado falar de BBB na sala de aula

Reflexões sobre possibilidades de abordar o BBB para contextualizar o ensino de Química com o debate racial

Caio Faiad
Boletim Antidoto

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Sarah, Fred Nicácio, Cezar Black, Aline, Marvvila, Alface, Gabriel e Domitila posaram para uma foto histórica — Foto: Reprodução / Globoplay

Dia 28 de março de 2023 entrou para a história da TV brasileira após Sarah Aline, Fred Nicácio, Cezar Black, Aline Wirley, Marvvila, Ricardo Camargo, Gabriel Santana e Domitila Barros, integrantes da 23ª edição do Big Brother Brasil, terem posados do tom mais escuro para o toma mais claro de pele negra.

A grande repercussão do episódio na internet se justifica pelo histórico do apagamento da pluralidade negra na televisão brasileira. No BBB20, por exemplo, edição que teve como vitoriosa a mulher negra Thelminha, apenas 3 integrantes negros foram escalados para o programa. A mudança de quadro se inicia na edição seguinte: o BBB21 onde 9 entre os 20 participantes do reality show eram negros. Quase a metade!

Não foi a Lumena (para rememorar os memes da sister), mas sim Snyders que autorizou a falar de BBB na sala de aula. O francês defende, em sua pedagogia progressista, que o processo pedagógico deve partir da cultura primeira, descrita como a cultura imediata — formada no cotidiano e não sistematizada — para em seguida abordar a cultura elaborada, a cultura escolar. E se em todo início de ano, o BBB move paixões e ranços que chega ser difícil conter os comentários na sala de aula, que tal usar o programa como ponto de partida para abordar um ensino comprometido com o combate ao racismo?

Da abordagem antirracista…

O racismo faz com que pessoas negras não sejam vistas em suas individualidades. Pessoas negras são tratadas socialmente como um grupo uniforme. O impacto da 21ª edição do BBB foi grande porque mostrou ao Brasil a diversidade de pensamento que pessoas negras possuem em relação à pauta racial, a política e outros temas. A passagem de Karol Conka é uma marca tanto pelos memes quanto pelo recorde de rejeição, 99,17%, que suscitou um debate sobre racismo no ódio contra a rapper.

A evidente cena de racismo, no entanto, esteve no episódio do cantor sertanejo, Rodolffo, quando fez uma ligação entre a peruca usada pelos brothers (na fantasia de homem das cavernas como castigo do monstro) e o black power do professor de geografia João Luiz. E aí você já sabe: falou de cabelo, falou de Química!

Naquele momento, após um discurso racista que inferioriza a qualidade dos cabelos crespos, eu e outros professores nos dedicamos a negar esse estereótipo racial e explicar o funcionamento químico das nossas madeixas. A esse tipo de abordagem, que prevê uma reversão do sistema de opressões raciais denunciando o racismo e acrescentando um reforço positivo, Bárbara Carine Soares Pinheiro, pesquisadora em Educação em Química na UFBA e autora do livro História Preta das Coisas, chama de educação antirracista.

Mas será que temos que esperar um episódio racista para trazer questões raciais para as aulas de química (ou de outra disciplina)? A resposta é não.

… à abordagem afrocentrada

Refletindo sobre a questão capilar, cheguei a conclusão que o ensino de química pode avançar nesse debate. Há anos, blogueiras negras discutem empoderamento estético. No Youtube, a gente encontra muitos vídeos falando de No Pow e Low Poo, por exemplo. Foi com essa inspiração que eu e Terezinha Iolanda Ayres-Pereira escrevemos o estudo de caso “VIVENDO E APRENDENDO SOBRE OS CABELOS NATURAIS”, publicado no recente livro da Profa. Dra. Salete Linhares Queiroz da USP de São Carlos.

A abordagem em que a Educação das Relações Étnico-raciais é norteada pela intelectualidade, pela culturalidade e pelos modos de vida da população negra africana e afro-diaspórica é chamada por Bárbara Carine de educação afrocentrada. Partindo do BBB, a 22ª edição, que também teve 9 integrantes no total de 20 participantes, fez a touca de cetim virar febre naquele ano. Trazer a química na touca do cetim se torna uma abordagem afrocentrada, pois não parte do racismo, mas dos modos do cuidado capilar compartilhado e difundido por pessoas negras ao redor do mundo.

Brunna e Luciano com a touca de cetim no BBB22 — montagem. Fonte: NaTelinha / Globoplay

O BBB23, a edição mais preta do programa, com 11 pessoas negras de um total de 22 participantes, trouxe para nós, professores, reflexões antes do programa ter iniciado. A angolana Tina Calamba escolheu o emoji do diamante. Diamante, química e contexto econômico afriacano tem tudo a ver, já que o continente é responsável por 48% da produção mundial desse recurso natural (explico mais neste vídeo). Trazer as relações raciais nessa perspectiva é afrocentrar porque incorpora na sala de aula um discurso de potência negra que, neste caso, pode (e deve) ser complexificado com as questões imperialistas que levam o rico continente africano à pobreza.

O registro produzido no dia 28 de março de 2023, após Fred Nicácio agitar os demais participantes da casa para uma foto de exaltação aos diferentes tons de pele negra, pode ser colocada como uma maneira positiva de abordar a variabilidade da pele humana melaninada. Uma foto que traz a alegria de ser quem é, e aclamada nas redes sociais, se configura um ponto de partida interessante para discutir questões raciais no ensino de Química.

Minha língua é igual chicote

Não sabemos se o aumento de integrantes negros no programa global é resultado de uma maior consciência racial na direção da Rede Globo ou se trata única e exclusivamente de uma busca incessante pela audiência. No entanto, a suposta tentativa de recusa da primeira opção de festa “Realeza Africana” evidenciada pela adoção de um cardápio da segunda opção da líder Sarah Aline, cujo tema seria “Boteco”, nos dá pistas para conclusão da nossa dúvida.

Festa da líder Sarah Aline no ‘BBB 23’ teve como tema Realeza Africana. Fonte: Reprodução / Globoplay

A verdade é que a maior participação de um elenco negro na história do BBB gerou (e ainda gera) importantes temas de discussão racial e social. Na festa “realeza africana”, Boninho deixou a desejar, por exemplo, na ausência de referências à Kemet (Egito Antigo). As egípcias de Kemet são notórias pelo uso de produtos para embelezar e curar. Uma provável origem etimológica de “cosméticos” deriva de Kemet.

Realiza africana, Kemet e cosméticos? Humm… olha aí a Química de novo!!

Referências
PINHEIRO, Bárbara Carine Soares. História Preta das Coisas: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas negras. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2021.

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Caio Faiad
Boletim Antidoto

👨🏽‍🔬Doutorando-USP e fã da Beyoncé ✊🏼Ciência, Democracia e Direitos Humanos. @ocaiofaiad em todas as redes sociais