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Vocalização ou fala: o que surgiu com os HOMO NEANDERTHALENSIS?

Estudos biolinguísticos poderão responder questões sobre a evolução das espécies

Caio Faiad
Boletim Antidoto

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Reconstrução mais moderna de um neandertal do Museu Smithsonian de História Natural (EUA). (Foto: Tim Evanson / CC BY-SA 2.0)

A teoria evolucionista parte do princípio de que todos os seres vivos compartilham um mesmo ancestral e que a partir dela surgiu a enorme variedade de espécies que encontramos hoje. Podemos dizer, então, que a evolução é o processo pelo qual os organismos modernos se desenvolveram, a partir de antigos ancestrais. As evidências científicas para a evolução biológica são: o registro fóssil, a adaptação dos seres vivos aos seus ambientes e as semelhanças entre as espécies no âmbito anatômico, embrionário e molecular. Recentemente, com adensamento das teorias do campo da Linguística, essa área científica começa a ser usada para a compreensão dos processos da evolução da espécie humana.

Comunicação animal e linguagem humana

Um estudo clássico sobre o sistema de comunicação das abelhas, realizado em uma colmeia transparente, publicado em 1959 pelo zoólogo alemão Karl von Frisch revelou que a abelha, ao encontrar uma fonte de alimento, regressa à colmeia e transmite a informação as companheiras por meio de dois tipos
de “danças”. O estudo sistemático permitiu compreender que por meio dessas “danças” as abelhas informam da distância e da direção do alimento.

Ao analisar os experimentos dos zoólogos, o linguista francês Émile Benveniste apontou que embora seja bem preciso o sistema de comunicação das abelhas — ou de qualquer outro animal cuja a forma de comunicação já tenha sido analisada — ela não se constitui uma linguagem. Se o sistema de comunicação das abelhas possui condições necessárias de uma linguagem, ou seja, a capacidade de formular e interpretar um “signo”, a memória da experiência e a aptidão para analisá-la, por que esta não pode ser considerada uma linguagem?

A resposta é que o sistema de comunicação de abelhas e a linguagem humana possuem diferenças consideráveis: a mensagem das abelhas não provoca uma resposta, mas apenas conduta, o que significa que não há diálogo; a comunicação se refere a um dado objeto, fruto da experiência, já a linguagem humana é caracterizada por oferecer um substituto à experiência, apto a ser transmitido infinitamente no tempo e espaço; o conteúdo da mensagem das abelhas é único: se refere à distância e direção do alimento e o conteúdo da linguagem humana é ilimitado; a mensagem das abelhas não se deixa analisar, decompor em elementos menores. Portanto, a comunicação das abelhas não é uma linguagem, é um código de sinais com as seguintes características: conteúdo fixo, mensagem invariável, relação a uma só situação, transmissão unilateral e enunciado indecomponível. Todavia, Benveniste já nos chama a atenção para o fato de que essa forma de comunicação foi observada entre insetos que vivem em sociedade, e é a
sociedade a condição para a construção da linguagem.

Se a Linguística defende a ideia de que a linguagem é algo que nos diferencia de outros animais e se a Biologia defende que os animais possuem um ancestral comum. A pergunta que fica: em que momento da história da evolução a linguagem surgiu? Teria o ser humano aprendido a vocalizar vogais e consoantes para depois estruturá-los na forma de um sistema linguístico ou houve primeiro uma modificação na ordem cognitiva da linguagem para posterior vocalização?

O caso da vocalização dos neandertais

Uma pesquisa publicada em 2011 na revista científica Biolinguistics por Lluís Barceló-Coblijn da Universidad de las Islas Baleares (Maiorca, Espanha) resolveu dar o pontapé para desvendar esse mistério evolucionista. No estudo do linguista espanhol, o pesquisador elencou as características relevantes em
relação à vocalização humana e as extrapolou para o caso dos neandertais.

Tradicionalmente, as pesquisas comparam os registros fósseis dos neandertais com as espécies próximas (humanos, chimpanzés e gorilas) para indicar a capacidade de fala do homem de neandertal. A partir de uma nova abordagem interdisciplinar, o linguista espanhol considera também as informações recolhidas da neuropsicologia, genética e psicologia comparada. Assim, os traços considerados relevantes foram: laringe, trato vocal, derivado do osso hióide, neurônios de von Economo, ausência de sacos aéreos, neurônios espelhos, gene FOXP2, capacidade auditiva em 2–4 kHz e percepção dos formantes (na ciência da fala e na fonética, um formante é a forma espectral que resulta de uma ressonância acústica do trato vocal humano).

Nessa metodologia de análise, a fisiologia do aparelho fonador perde o destaque, mas favorece a abordagem que leva em consideração os neurônios que estão relacionados com aspectos da comunicação, linguagem e cognição humana. Assim, considera-se importante para a vocalização não apenas a
anatomia da produção do som, mas também as áreas neurais envolvidas no seu controle e a capacidade de recepção dos sons.

A partir de dados de modelos computacionais, o autor conclui que o H. neanderthalensis tinha capacidade para vocalizações que poderiam ser qualificadas como sofisticadas. Assim, os neandertais teriam uma estrutura física que permitiam emitir sons articulados, muito semelhantes aos que os humanos modernos produzem quando falam. Sobre suas capacidades perceptivas, os dados caminham na mesma direção: eles teriam sido capazes de identificar sons. Nesse sentido, o pesquisador conclui que ainda é
plausível aceitar a hipótese sobre a formação de uma capacidade vocal anterior, e independente, à faculdade cognitiva da linguagem, de modo que os neandertais provavelmente fossem capazes de vocalizar voluntariamente, com intenções comunicativas e um jeito sofisticado.

Pintura de uma família neandertal se comunicando (Crédito: NASA/JPL-Caltech)

Seria a linguagem uma criação dos neandertais?

Embora o estudo aponte para a vocalização dos neandertais, ainda é cedo para dizer que estes falavam, isto é, se transformavam os sons em signos linguísticos. Ou seja, fica em aberto concluir que esta espécie podia articular palavras, flexioná-las, produzir palavras derivadas de outras ou produzir cadeias de palavras para formar frases.

A teoria gerativista chomskiana entende que a faculdade da linguagem está atrelada a capacidade lógico-computacional, sendo a recursividade um dos pontos chaves para o entendimento da capacidade computacional da mente humana. Assim, estudos que testam a presença de atividades não linguísticas com padrão recursivo, como o nó, pode sugerir a existência de uma mente pronta para sequenciar padrões mais complexos, como uma língua.

Uma coisa é fato, para sabermos se a linguagem foi uma criação dos neandertais, é preciso aprofundar os estudos da nossa linguagem para posteriormente lançar alguma luz sobre a perspectiva evolucionista da linguagem. Só assim saberemos se o sistema de comunicação dos neandertais era mais próximo das abelhas ou dos humanos.

Referências
BENVENISTE, Emile. Comunicação animal e linguagem humana. In: ______. Problemas de Lingüística Geral I. Trad. de Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1989.

Barceló-Coblijn, Lluís. A biolinguistic approach to vocalizations of H. neanderthalensis and the genus Homo. Biolinguistics. v. 5, n.4, 286–334, 2011.

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Caio Faiad
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👨🏽‍🔬Doutorando-USP e fã da Beyoncé ✊🏼Ciência, Democracia e Direitos Humanos. @ocaiofaiad em todas as redes sociais