[RESENHA] Gosma Rosa

Lara Magalhães
Boteco Literário
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3 min readApr 23, 2023

É preciso dizer que esse livro me paralisou. Me paralisou de forma que eu não conseguia escrever sobre ele. E, ao não escrever sobre ele, não queria escrever sobre mais nenhum que eu ia lendo. Era mais do que ter a obrigação de escrever na cronologia que vou lendo, era sobre não poder dar um salto sem dar esse passo.

E hoje, 5 meses depois de ter lido esse livro, decidi que era hora de dar esse passo. Reli trechos que eu marquei do livro, li entrevistas da autora, li comentários, resenhas e cá estou eu, acreditando estar pronta para isso!

Gosma Rosa é o primeiro livro da autora, Fernanda Trías, traduzido para o português. Tomara que mais coisas sejam traduzidas, gostaria de ler mais livros dela.

Fernanda Trías nasceu no Uruguai em 1976 e atualmente mora em Bogotá, Colômbia. Apesar de ter sido publicado em 2020, ela finalizou o livro em 2019. Faço essa observação pois, o livro tem algumas relações muito importantes com a pandemia da Covid19, apesar dela não existir quando estava sendo escrito.

A história se passa em uma cidade portuária de algum país da América Latina, não identificada. O local vive uma eco-catástrofe que chega através do mar, com a morte de milhares de peixes. Porém, essa epidemia gerada por questões climáticas afeta toda região, pois uma névoa altamente maligna toma conta da cidade fazendo com que as pessoas precisam viver isoladas, utilizando máscaras e quase sem opções de alimentos devido a contaminação das carnes, aves, peixes e vegetais, acabam se alimentando de um único alimento chamado de Gosma Rosa.

“Ela não tinha encontrado o que buscava, eu a ouvi dizer a uma de suas amigas ao telefone, mas nunca entendi se tinha procurado nos lugares errados, em cantos inacessíveis, ou se o que buscava simplesmente não existia.”

Mais do que a distopia, o destaque do livro fica nas relações. A relação da protagonista com a mãe, com o ex-marido que está com a doença e está internado e isolado no hospital e com o menino que ela é cuidadora. Um menino que tem uma doença rara onde ele sente fome o tempo inteiro, que faz com que ele seja capaz de comer tudo e qualquer coisa. A vigilância nele é necessária o tempo inteiro e os pais do menino deixam ele ao cuidado da protagonista e buscam ele de tempos em tempos para um temporada no interior, local onde parece que a epidemia não chegou.

Uma forte relação é construída entre a protagonista e o menino. A relação do cuidar. Será que todas as relações deveriam ser relações de cuidar? Do olhar cuidadoso para si próprio, para o outro, para o planeta.

Em uma entrevista, Fernanda diz:

“Eu estava interessada no ato de cuidar: cuide do outro, cuide de si mesmo, cuide do planeta. Se, como sociedade, pudéssemos nos relacionar a partir de uma ética de cuidado, talvez o mundo não fosse como é”

Mas não pense que Gosma Rosa é sobre esperança. Não, não é. A esperança existe dentro de todos nós e sempre somos capazes de achar uma ponta dela, mesmo nos livros. Mas esse livro é sobre uma distopia ambiental associada a relações reais, um livro que possui uma névoa, assim como a própria história, uma névoa que não nos dá muita clareza de tudo e que, se não cuidarmos, também estaremos contaminados.

Mugre Rosa, título original do livro, foi selecionado pelo New York Times em Espanhol como um dos 10 melhores livros de 2020. Também ganhou o prêmio residência SEGIB-Eñe-Casa de Velázquez (Espanha 2018), o Prêmio Nacional de Literatura (Uruguai, 2020), o Bartolomé Hidalgo (Uruguai, 2021) e o Sor Juana Inés de la Cruz 2021 da FIL de Guadalajara.

Fernanda Trías é escritora, tradutora e professora de criação literária. Publicou as novelas Cuaderno para un solo ojo, La azotea, La ciudad invencible e Mugre rosa, e o livro de contos No soñarás flores.

Gosma Rosa
Autora: Fernanda Trías
País de Origem da autora: Uruguai
Tradução: Ellen Maria Vasconcelos
Editora Moinhos
Livro 24 de 2022

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Lara Magalhães
Boteco Literário

De falar, de ouvir, de ler e de escrever. De beber com os amigos e de sorrir para a vida. IG literário: @botecoliterario_