A diversidade como norteador na criação de interfaces conversacionais

Bárbara Aguilar
Bots Brasil
Published in
5 min readJan 20, 2021
Grupo de pessoas diversas conversando sentadas em uma mesa.

Estamos vivendo um momento de ascensão das interfaces conversacionais no Brasil e, ainda que impulsionado pelo triste reflexo da pandemia global em 2020, é inegável o rápido crescimento do setor no último ano.

Soluções conversacionais surgem a todo momento e em diversos canais. São projetadas para sanar dores dos clientes, desburocratizar rotinas e até efetuar vendas com a praticidade de poucas trocas de mensagens.

Porém, o aumento da demanda por soluções inovadoras e que atendam a um número maior de pessoas esbarra na complexidade de compreender as multiplicidades desse público. Esta dificuldade nos leva ao questionamento:

Como criar produtos inovadores e capazes de atender o problema de diversas pessoas, se o processo de sua construção não conta com pessoas diversas?

Cenários da diversidade

Diversidade é o assunto do momento no ecossistema tecnológico do Brasil e do mundo. É constantemente indicada como uma poderosa ferramenta para propagar justiça social e catalisar ideias inovadoras no ambiente corporativo.

Justamente por proporcionar a quebra de paradigmas, a adoção de uma cultura de diversidade provê às empresas grandes oportunidades para pensar seus produtos e processos de maneira múltipla e menos auto referenciada pela hegemonia de quem os idealiza.

Mesmo sendo tendência, a cultura de diversidade nas empresas ainda caminha a passos lentos. Os abismos presentes no mercado ficam escancarados nos dados do MTE/2016 que apontam que 92% dos trabalhadores da área de engenharia de equipamento e computação são brancos e mulheres ainda representam menos de 20% do contingente trabalhista em T.I.

A consequência da baixa presença desses grupos minorizados, muitas vezes aparece refletida na criação do produto através de vieses, representações preconceituosas e até mesmo conteúdos que podem ser ofensivos. Para evitar estes cenários é ideal que a atenção à diversidade esteja presente desde a construção da equipe até a concepção e implementação das soluções.

Diversidade como ponto norteador

Qual o gênero e a voz da servidão?

O cenário da pandemia e distanciamento social acelerou a adoção de Assistentes virtuais em nosso cotidiano. Seja por texto ou voz, eles estão em todos os lugares, ou melhor dizendo, elas estão por todos os lugares. Siri, Alexa, Cortana, Lu, Bia, Nat, Carina, Uli

Já percebeu que a grande maioria das personas criadas para as interfaces conversacionais são femininas? Infelizmente não se trata de uma coincidência, mas um reflexo das estruturas da nossa sociedade e nos sinaliza a urgência de falar sobre diversidade no processo da construção de interfaces conversacionais.

O relatório I`d Blush if I could, realizado pela UNESCO em 2019 revela que assistentes virtuais recebem um alto índice de mensagens de assédio e normalmente, são programadas a respondê-los de forma passiva, tolerante e condescendente.

Após a repercussão do relatório, o movimento Hey Update My Voice foi criado para conscientizar sobre o assédio cibernético às assistentes e pressionar as empresas a atualizaram as respostas de suas assistentes virtuais e não definir a voz feminina como padrão de fábrica.

Logo nos primeiros passos da construção de soluções conversacionais utilizamos da criação de personas para ter de forma mais tangível a dor e as aspirações de nosso cliente real. Essa etapa requer um cuidado especial no que compete a diversidade de representações, pois é muito comum a concepção de personas feitas a partir de parâmetros próprios de quem as cria, ou seja, de forma auto referenciada.

A escolha de personas e vozes femininas não é feita de forma arbitrária, essa preferência existe por elas representarem valores como acolhimento, cuidado, delicadeza e maternidade. Já o masculino é associado a assertividade, autoridade e credibilidade. Essas associações naturalizadas aos gêneros tem raízes em estereótipos e valores machistas da nossa sociedade e acabam influenciando diretamente a construção dos bots.

Linguagens que incluem

Proporcionar experiências mais uniformes para o maior número de usuários é o grande desafio ao projetar e desenvolver interfaces conversacionais. Pensando na impossibilidade de prever todos os cenários de uso de um produto, se torna fundamental uma abordagem orientada para a inclusão e acessibilidade.

A adoção da neutralidade de gênero nos fluxos de conversa é um ótimo exemplo de como proceder para evitar a binaridade presente em nossa linguagem. Desta forma atinge mais pessoas e evita desconfortos para quem se identifica em outros espectros de gênero.

Outra urgência é a adoção da neutralidade não só na escrita mas também na voz utilizada nas VUI de assistentes virtuais. Já existe uma solução de I.A. que possui voz com neutralidade de gênero. A voz batizada como “Q”, chega ao mercado como uma alternativa para combater os vieses de gênero. É possível conhecer um pouco mais sobre a sua proposta e também sobre a sua criação que se deu a partir da sobreposição de diversas vozes de pessoas dissidentes de gênero, neste emocionante vídeo:

Este vídeo apresenta um conceito de uma voz sintetizada neutra de gênero, no qual várias pessoas, de diversos gêneros, participaram na gravação e sintense da voz.

Humanização de Assistentes Virtuais

Ao falarmos de assistentes virtuais no Brasil, já lembramos da Lu, do Magazine Luiza, com sua personalidade forte e independente. Teve sua persona muito bem construída, porém sua representação gráfica ainda está totalmente dentro do padrão hegemônico de raça e biotipo.

Quando pensamos em um país racialmente diverso como o nosso, é de se esperar a diversidade nas representações. Muitas vezes na tentativa de humanizar as marcas algumas empresas acabam utilizando as representações dentro do padrão hegemônico

Neste ponto quem saiu na frente foi a Ultragaz ao apresentar a Uli, a primeira assistente virtual representada por uma mulher negra. Escolhida pelo voto popular, ela virou um grande case de sucesso ao aproximar a marca e seu público quebrando paradigmas de representações.

Horizontes e perspectivas

Falar sobre interfaces conversacionais para construir um futuro acessível, autônomo e conectado é também falar sobre diversidade. A consequência da produção tecnológica ainda centrada nas representações hegemônicas é muito séria e expõe as profundas estruturas de desigualdade e preconceito presentes na nossa sociedade.

Investir em um time diverso fortalece a empresa, gera rentabilidade e melhores resultados. É o que afirma a McKinsey & Company, em seu relatório Delivering Through Diversity. Os dados indicam que as empresas com maior diversidade étnica, em suas equipes executivas, têm 33% mais propensão à rentabilidade.

Ou seja, times diversos se tornam mais sensíveis para criar soluções assertivas, inclusivas e que abracem as multiplicidades dos usuários, gerando assim maior aderência ao produto e consequentemente maior rentabilidade.

Assim, um cenário inovador se fortalece, pois a inovação precisa da diversidade de pensamentos, perspectivas e backgrounds para acontecer. Sem esse ponto norteador corremos o risco de seguir automatizando e tornando high-tech velhas estruturas de poder.

E você, o que vislumbra como um futuro de inclusão no setor de interfaces conversacionais? Vamos começar esse papo?

Imagem com uma foto de um “grupo de pessoas diversas conversando sentadas em uma mesa” e o título deste artigo em destaque: “A diversidade como norteador na criação de interfaces conversacionais”.

Este artigo faz parte da série 21 em 2021 do Bots Brasil ✨

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Bárbara Aguilar
Bots Brasil

Senior Front-end Engineer, Designer e apaixonada por comunidades tech.