As máximas de Grice e o seu chatbot

Como usar o Princípio da Cooperação pra construir boas experiências em suas conversas

Gabriel Simões
Bots Brasil
6 min readJan 29, 2023

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Ah, a arte de conversar! Sabe aquele papo que engata tomando um café no fim de tarde ou com uma cervejinha no bar? Enquanto os assuntos vão e vêm, você nem se deu conta que tá rolando uma coisa que o filósofo Paul Grice chamou de ‘Princípio da Cooperação’.

A resposta de Grice é que, quando conversamos, nos ancoramos num acordo tácito de que estamos cooperando para que a conversa seja bem-sucedida; fazemos o possível para que o outro nos entenda e para entendermos o outro, do modo mais claro, sucinto e eficaz possível. Somos cooperativos quando conversamos, é o lema de Grice. (Oliveira e Basso, 2014, p.31)

Sombra de duas pessoas, uma de frente pra outra conversando, refletida numa parece de tom avermelhado.
Sombra de duas pessoas conversando. Fonte: https://br.pinterest.com/pin/697495061054565443/

E, de fato, um papo bem papeado é quando as pessoas estão dedicadas à conversa, atentas ao que o outro está dizendo e pensando em como responder da maneira mais adequada.

Do Princípio da Cooperação, surgem 4 máximas conversacionais (as ‘máximas de Grice’ ou ‘máximas griceanas’), que podem ajudar você a construir uma experiência melhor no seu chatbot.

Bora entender o que cada uma diz e ver na prática como aplicar em seu chatbot? 🤓

Esse é um dos artigos de base da minha palestra no encontro presencial da comunidade Bots Brasil que aconteceu em São Paulo, dia 15 de Julho de 2023. Depois de ler, dá uma conferida 😄

Agora, de volta pro texto. Boa leitura!

1. Máxima da quantidade

Vamos imaginar uma situação: a pessoa usuária entra no seu chatbot pra pegar a segunda via de uma fatura do cartão de crédito. É uma informação simples, certo?

Do ponto de vista da máxima da quantidade, temos que pensar em dois pontos:

  • Sua contribuição pra conversa tem que ser tão informativa quanto solicitada; e
  • Sua contribuição pra conversa não pode ser mais informativa do que é solicitada.

Seguindo a situação que eu propus, vamos pensar em quais informações são esperadas nesse momento da conversa:

  • O valor da fatura;
  • A data de vencimento da fatura;
  • Onde pagar essa fatura;
  • A própria fatura digital pra pessoa fazer o pagamento.

“Ah, Gabriel! Mas então eu não poderia passar o saldo atual, uma propaganda de algum produto da empresa, uma visão da fatura do mês seguinte e uma oferta de aumento de limite do cartão?”

Bom, ao pé da letra dessa máxima conversacional, não. Mas tudo tem que ser alinhado com a estratégia do negócio. É importante que você saiba equilibrar a teoria e a prática, tomando cuidado pra não causar ruídos na conversa.

Também é interessante fazer um paralelo com a Lei de Hick, que diz que quanto mais opções/informações passamos, mais tempo demora pra tomada de decisão de quem tá usando seu produto ou serviço:

Uma das principais funções que temos como designers é sintetizar informações e apresentá-las de uma maneira que não sobrecarregue as pessoas que usam os produtos ou serviços que projetamos. Fazemos isso porque entendemos, quase institivamente, que redundância e excesso criam confusão. (Yablonski, 2020, p. 23)

2. Máxima da qualidade

A situação agora é: a pessoa usuária entra no seu chatbot pra consultar o saldo disponível do cartão de crédito. Acontece que ela usou os R$10.000 reais que ela tinha de limite, ou seja, todo seu saldo.

De acordo com a máxima da qualidade:

  • Não podemos dizer algo que acreditamos ser falso; e
  • Não podemos constatar algo sem que haja uma evidência adequada.

Analisando a situação de exemplo, o usuário espera receber o valor que ainda está disponível pra compras em seu cartão. Dez mil reais é bastante dinheiro, né? E a pessoa usou tudo! Como resposta, seu chatbot brinca:

“Eita, parece que esse mês você gastou pouquinho, hein? 😅

Você não tem mais saldo disponível pra fazer suas compras.”

Na primeira frase, estou dizendo o que acredito ser falso, em forma de ironia. Inclusive, a evidência disso está no saldo zerado do cartão, informação que digo depois da brincadeira.

Logo, estou indo contra ao que a máxima da qualidade nos diz. Em um cenário ideal, a melhor resposta poderia ser apenas:

“Vi aqui que você já usou todo o saldo disponível esse mês 😕

A ironia, metáfora ou hipérbole dependem de interpretação e contexto, por isso podem ser grandes ruídos na experiência conversacional. Claro que podemos usar em momentos específicos, de acordo com o tom de voz da empresa e o público para o qual estamos falando.

Resumindo: seja responsável e tome cuidado pra não causar um sentimento negativo em quem só queria uma simples informação, como o saldo do cartão.

3. Máxima da relação

Agora o cenário é o seguinte: a pessoa usuária quer saber se pode solicitar um aumento de limite de seu cartão.

A máxima da relação diz:

  • O que dizemos deve ser relevante pro momento da conversa.

Voltando pro caso apresentado nessa etapa, vamos informar apenas o que é relevante no assunto ‘aumento de limite’.

Nesse caso, cada empresa tem suas regras e diretrizes. Quando falamos de um chatbot pra uma empresa específica, é a hora de entender como o negócio funciona e informar o necessário, e somente o necessário, pra que a pessoa faça o aumento naquele momento ou, caso ainda não esteja liberado, o que ela tem que fazer pra estar elegível ao aumento.

Faça questão de ser ponte entre as áreas que possivelmente estão envolvidas nesse determinado assunto. No caso usado de exemplo, seriam os times jurídico e o de concessão ao crédito.

4. Máxima do modo

Pra entender melhor essa ideia, vamos manter o exemplo anterior, tá? Ou seja, a pessoa usuária quer saber se tá disponível o aumento de limite do seu cartão de crédito.

Sobre a máxima do modo, temos que:

  • Devemos evitar ‘obscuridades’;
  • Evitar também ambiguidades;
  • Nossa resposta deve ser breve, sem prolixidade desnecessária; e
  • Em casos de muitas informações, elas devem ser apresentadas numa sequência ordenada.

Partindo da ideia do exemplo, vamos pra uma resposta que não segue a máxima:

“O aumento de limite do seu cartão depende de diversos fatores. Esses fatores são baseados no seu perfil de compra, histórico com outras empresas, consulta ao SPC/Serasa e do tempo que você ultiliza o cartão. Assim que você estiver dentro do especificado em cada um desses tópicos, nosso sistema deixará disponível o aumento do seu limite caso seja de sua vontade.”

Falei, falei, falei e não respondi a pergunta da pessoa usuária, percebeu? Essa é uma resposta que a gente chama de prolixa, nada objetiva ou nada breve.

A resposta esperada era um simples ‘sim, você pode aumentar seu limite agora’ ou ‘não, você precisa cumprir a regra X, Y e Z para que o seu limite seja aumentado’.

Às vezes a gente complica o que era pra ser simples, né? 😥

Pra gente concluir

Você notou que cada máxima de Grice acaba esbarrando nas outras três?

Isso faz sentido, porque todas elas foram criadas para um único objetivo: que a cooperação durante a conversa seja respeitada.

Portanto, cada situação de atendimento deve ser analisada do ponto de vista das 4 máximas aqui citadas.

Garantindo que seu chatbot respeite o Princípio da Cooperação, você terá um atendimento com menos transbordos, reentradas de atendimento pela mesma pessoa usuária e até mesmo menos pessoas insatisfeitas com a sua solução.

Logo, aqui estamos falando de mais dinheiro economizado pela empresa. Ótimo argumento pra vender o seu trabalho como designer conversacional, certo? 😎

Nota do autor: esses exemplos vieram da minha experiência trabalhando numa empresa financeira durante os últimos 4 anos. Você pode — e deve — adaptar cada um deles ao cenário da sua empresa, tá?

Se foi útil pra você, deixa aquela palminha preu saber.

Se quiser bater um papo sobre esse assunto, é só me chamar!

Eu juro que vou seguir o Princípio da Cooperação na nossa conversa 🥰

Aquele abraço!

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Gabriel Simões
Bots Brasil

Engenheiro e designer. Pós-graduado em UX pela PUCRS. Acredito que o design pode melhorar o mundo.