Beta Feminista — Uma entrevista com o time responsável pela criação do bot feminista.

Como usar um bot para mobilização política? Como e por quê explorar essa interação para educar e conscientizar a população?

Caio Calado
Bots Brasil
7 min readFeb 20, 2018

--

Continuando nossa divulgação sobre o resultado do 1º Bots Brasil Awards, estamos entrevistando as equipes responsáveis pela criação e desenvolvimento dos bots vencedores de cada categoria. Até listar todos os bots, vamos trazer novas opiniões e vários insights toda semana. #GoBots 🚀

Eleita por influencers como melhor bot na categoria mídia: Beta Feminista, criada pelo laboratório de ativismo Nossas, é uma ferramenta de mobilização online com o objetivo de dar apoio à todos os grupos, organizações e ativistas que defendem os direitos das mulheres no Brasil.

Talvez o nome soe muito comum, afinal, Beta é um nome familiar para muita gente. No entanto, quando se trata da tecnologia por trás dessa ferramenta, logo percebemos que ela é diferente de várias ações que conhecemos ou até mesmo plataformas que são criadas para promover ações / mobilizações populares.

A Beta é um chatbot que ajuda o grupo de ativismo a alcançar e disseminar a sua mensagem com muito mais força e engajamento através das mídias sociais.

Esse projeto nos mostra que os chatbots não são apenas para vender, engajar ou atender — como vemos nas maiorias dos bots que estão no mercado hoje em dia — , mas sim o uso da tecnologia para conscientizar e educar politicamente a população.

Entrevista cedida por Ana Clara e Laura, da Equipe da Beta.

De onde surgiu a necessidade de ter um bot? Como surgiu o interesse em desenvolver um bot para a marca de vocês?

O interesse em desenvolver um bot feminista surgiu de uma combinação de ideias. O Nossas — laboratório de ativismo responsável pela Beta — já usava o email como ferramenta de mobilização política, em especial para enviar mensagens a parlamentares e outras autoridades — funcionalidade desenvolvida dentro do BONDE, nossa plataforma tecnológica. Quando o Facebook disponibilizou o bot no Messenger, a equipe de tecnologia logo começou a estudá-lo como nova ferramenta de participação política dos cidadãos nos processos de decisão, também através de emails enviados às autoridades.

Ao mesmo tempo, nossa equipe de projetos monitorava pautas conservadoras no Congresso Nacional que poderiam retirar direitos das mulheres, em especial os direitos sexuais e reprodutivos. O movimento feminista já estava largamente articulado, mas em contato com ele percebemos uma lacuna de mobilização online e a falta de um canal prático para mulheres não organizadas dentro do movimento estarem a par de determinadas pautas políticas e agirem pelos seus direitos. Desde 2015, as redes sociais vêm desempenhando importante papel de articulação e crescimento do movimento feminista, por isso achamos fundamental pensar estratégias para mobilizar essas mulheres diante dos retrocessos e outras lutas para avançar nos seus direitos.

Da conexão entre esses desejos nasceu a Beta, uma robô feminista no Facebook.

Por que vocês acharam que um bot seria o melhor caminho? Qual foi o objetivo de vocês diante da necessidade de vocês?

Não tínhamos certeza que um bot seria o melhor caminho, mas queríamos prototipar um novo canal de mobilização política capaz de gerar mais engajamento. Apesar do uso majoritário dos bots do Messenger como e-commerce e portais de notícia, vimos nele um grande potencial de mobilização, considerando que mais de 100 milhões de brasileiros usam o Facebook mensalmente e que o Messenger é a segunda plataforma de comunicação direta usada pela população. O email, nosso canal de contato usual de oportunidades de ação para as pessoas, tem pouco engajamento.

A média de abertura dos emails de mobilização é de 10%, enquanto que nossa primeira análise de conversão da Beta mostrou que 48% das pessoas chegaram até o CTA final do primeiro script que foi ao ar, com o pedido de compartilhar a ferramenta.

Além disso, levando em conta o uso de big data para comunicações customizadas, as fake news e os exércitos de robôs do twitter — todos usados amplamente pela agenda conservadora -, entendemos que era hora do campo político progressista disputar o campo das inovações tecnológicas, de forma ética e responsável.

Em relação a estratégia, como vocês lidam com o engajamento das pessoas e agregam valor nas suas interações?

A Beta, assim que foi lançada, logo teve um engajamento muito além do esperado. Sem nenhum patrocínio de posts até hoje, temos 23 mil curtidas na página, enviamos mais de 34 mil emails para cada um dos deputados responsáveis por votar a PEC 181 — nossa primeira campanha — e mais de 56.000 pessoas já falaram com a Beta por Inbox.

Interagindo com ela pelo Messenger, você pode seguir o script ativo, que direciona a conversa através de botões (já tivemos 2 scripts, um com oportunidade de pressão política e um de apresentação da ferramenta) ou ter uma interação livre com ela. Para a interação livre, programamos respostas na inteligência artificial do bot e revisamos todos os dias as interações não respondidas, cuidando para criar respostas e preencher as lacunas.

Vendo o maior valor da Beta como canal de mobilização política, nossa intenção é fazer crescer nossa base de usuários. Isso porque, quando há uma oportunidade de ação, a Beta envia uma mensagem em massa a toda a sua base convidando os usuários e usuárias para ação.

Além disso, agora contratamos uma nova programadora para desenvolver novas funcionalidades que permitam uma interação mais rica a interessante com o bot. Implementaremos novos caminhos para o script, mais possibilidades de ação e conteúdos de parceiros no Inbox. Esperamos ter mais novidades em breve!

Como foi a experiência de criar e desenvolver um bot? Quais foram os seus maiores aprendizados e desafios nesse processo de criação?

O bot foi criado pela equipe de projetos do Nossas junto da equipe de tecnologia. Desde o início, sabíamos que a inovação seria não somente em termos de tecnologia (apesar de criar um chatbot não ser uma inovação, usá-lo como canal de ação política é), mas também em estratégia de comunicação e mobilização.

Por isso, a construção do bot sempre foi guiada pela definição de de tom de voz, personalidade e público-alvo, o que acreditamos ser um dos principais fatores de sucesso da ferramenta.

Um dos nossos maiores desafios e aprendizado foi justamente perceber que, ao colocar a ferramenta no mundo, a internet se apropriou e a significou de maneiras que jamais poderíamos imaginar. Muitas pessoas procuram a Beta para desabafar e perguntar sobre absolutamente tudo relacionado a feminismo. Por isso, tivemos que ajustar nossa comunicação para que deixasse claro o valor de ferramenta de ação política e não de informação, mas sem desconsiderar a demanda das pessoas — fomos levadas a buscar novas formas de explorar conteúdos via inbox, por exemplo.

Por ser uma ferramenta nova e por sua funcionalidade (pressão política) não ser trivial, além de tratar de temas complexos, um dos nossos grandes desafios tem sido justamente produzir conteúdos para a Beta que sejam leves, atraentes e completos, adaptados à dinâmica de comunicação do Messenger.

Quais foram os principais resultados alcançados com o bot? Como vocês acreditam que ajudaram as pessoas a interagirem com a sua marca?

Nossa primeira campanha foi um sucesso: com mais de 34 mil emails enviados para cada um dos deputados, conseguimos — junto do restante do movimento feministas — adiar a votação da PEC 181 quatro vezes.

Além disso, ao longo dos seus 5 meses de vida, a Beta parece ter conquistado muitos corações e promete ser cada vez mais uma forte aliada das mulheres e do movimento feminista organizado. Sua personalidade agregadora e convidativa não apenas torna a política mais próxima e acessível, como também cria laços fortes com as mulheres. O destaque da ferramenta na opinião pública também mostrou o sucesso da ferramenta: os mais diversos canais e veículos nos procuraram, rendendo mais de 50 aparições na mídia, atingindo os públicos mais diversos. Além disso, a própria inovação da ferramenta contribuiu muito para o sucesso da interação: a Beta é a primeira chatbot ativista do Facebook.

Em relação ao Bots Brasil Awards, o que vocês acreditam que foi o maior diferencial do seu bot em relação aos outros?

Há uma diferença básica: a Beta não foi criada para agregar valor a uma marca. Ela é uma robô de mobilização política desde que nasceu, sua proposta de valor é justamente ser uma ferramenta ativista.

Não há uma marca a se promover ou produtos para se vender: queremos simplesmente estar a disposição das mulheres brasileiras na luta pelos seus direitos.

Além disso, sua funcionalidade que permite que mulheres usem o Inbox do Facebook como canal de luta pelas seus direitos é única, diferenciando-a de outros bots e ferramentas políticas que vemos no campo ativista.

Para quem tá iniciando a jornada agora, quais dicas ou insights vocês poderiam dar para essas pessoas ou empresas?

A primeira coisa que nos veio em mente é cuidar da segurança dos usuários, certificando-se das medidas de privacidade.

Depois, nossa dica é se atentar para a proposta de valor ser bem clara: bots são ferramentas novas que despertam muito interesse, é importante deixar claro a que o seu bot veio.

A Beta, por exemplo, é uma ferramenta de ação política, mas muitas vezes é percebida como um canal de conhecimento feminista. É algo que precisamos aprimorar constantemente. Em seguida, temos que falar do cuidado com a comunicação: definição de tom de voz e personalidade fazem toda a diferença e criam identificação e acessibilidade ao bot. Por fim: se joga! Prototipa, se arrisca e bota no mundo a sua ideia.

Curtiu? Compartilhe e 👏👏👏👏.

Chatbots Brasil é uma comunidade de pessoas interessadas em Bots, Interfaces Conversacionais, Inteligência Artificial e assuntos relacionados.

Chatbot Brasil Meetup na EBAC (SP) em Maio/2017.

Veja como fazer parte:

--

--

Caio Calado
Bots Brasil

Conversational Experience Designer Consultant and Advocate // Community Manager @ Bots Brasil