Conto De Uma Chatbot Designer

Juliano Statdlober
Bots Brasil
Published in
4 min readJun 8, 2019
Imagem de oodlessstudio.com

Há algum tempo encarei um desafio inusitado e publiquei um livro com contos e crônicas sobre o mundo da TI . Sem dúvida nenhuma foi estimulante juntar ficção e reflexões pessoais com uma área tão pragmática quanto a Tecnologia da Informação. Recentemente, em um contato informal, me foi dito por meu interlocutor de que ele gostaria de ler alguma coisa do gênero da ficção relacionada ao mundo dos chatbots e da inteligência artificial. Pois bem, novo desafio aceito. Lembro que o propósito do livro é o de divertir e fazer o leitor se reconhecer em alguma situação, então espero que alguns profissionais envolvidos com chatbots reconheçam pelo menos parte da situação.

***

Ana chegou ao escritório um pouco mais cedo do que habitualmente, estava uns 10 minutos adiantada. Deu-se conta disso ao olhar o relógio enquanto subia a escada e dirigia-se à sua sala. Acho que foi aquele cruzamento da avenida principal que estava mais livre hoje, pensou.

Depois daquela passada obrigatória pela máquina de café, sentou-se e ligou o note, que tinha ficado instalado à sua mesa. Seguiu-se aquela sequência repetitiva e mecânica de atividades, executadas sem extrair do cérebro nenhum ciclo de processamento — efetuar login na rede, abrir o browser e o Outlook. Em seguida, verificar a caixa de entrada: SPAMs não filtrados, avisos do Face para mostrar para as pessoas que você não esqueceu delas no aniversário (como assim mostrar que ela não esqueceu se foi o Face quem lembrou?!) e em seguida o tratar o primeiro e-mail útil.

Assunto: Contato feito pelo chatbot do site.

Abriu o e-mail, era um encaminhamento automático da interação de um visitante do site com o chatbot corporativo. O contato ocorreu à noite, se fosse durante o horário de expediente o chatbot teria encaminhado o contato para atendimento via chat humano, o qual é de responsabilidade dela.

O interessado interagiu com o chatbot, navegou por opções que explicam o funcionamento da tecnologia, viu possíveis aplicações práticas e, na solicitação de contato, escreveu “gostaria de retorno para tratarmos de implantação de chatbot em minha empresa”. No e-mail estava ainda o telefone de contato para alguém ligar de volta, o que tinha solicitado pelo BOT.

Atuando como chatbot designer e apoiando pré-venda, Ana adorava seu trabalho. Assim que se aprofundou na área, foi tomada pelo entusiasmo. Adorava planejar, projetar e implementar chatbots, chegando a pensar às vezes que isso lhe dava um certo poder de criadora mestre de suas criaturas. Sem falar na inteligência artificial, pois ela adorava treinar modelos de compreensão de linguagem — às vezes se pegava falando disso sem parar até em mesa de bar.

Focando no cliente interessado no contato, Ana realizou a ligação.

-Alô?

-Oi, bom dia, é o Sr André Silk?

-Sim, quem fala? Olha só querida, deixa eu falar um negócio, não tenho interesse em mudar de plano de telefone…

-Não, aqui quem fala é a Ana, sou chatbot designer da Acme tecnologia. O Sr solicitou contato sobre chatbots.

-Ah, claro, desculpe, então você é a moça da empresa dos robôs. Quem bom que você ligou, estou precisando botar um chatbot na minha empresa, acho que é assim que fala né? Me diz uma coisa, custa muito caro?

Por essa Ana já esperava, era uma pergunta meio recorrente. Estava, portanto, com o discurso bem ensaiado:

-Seu André, não tem como falar em preço sem entender que tipo de chatbot o Sr. deseja, e qual é a necessidade.

A reposta veio de imediato, quase que a interrompendo (ao fundo ouvia-se ruídos, parecendo um rádio ligado misturado com algumas buzinas distantes):

-É um negócio bem simples, eu preciso de um chatbot pra atender meus clientes pelo site, quero uma coisa bem simples. Quanto fica o preço um chatbot simples que só faz isso, atender clientes?

Nesse ponto Ana compreendeu aonde a conversa iria parar, pois já passara por isso várias vezes. Já começava aí um desvio no caminho da plena satisfação com o trabalho que ela fazia…sem dúvida isso iria dar em um destino não preferido.

-Seu André, preciso lhe explicar algumas coisas bem importantes. Mesmo que pareça ser uma coisa simples, atender clientes é bem complexo, exige muito treinamento de um chatbot, até porque é necessário fazer um planejamento de implantação de inteligência artificial para que ele consiga entender o que os clientes vão falar, o que vão pedir…

A resposta do André veio em um tom que parecia ser meio frustração, meio indignação:

-Mas não pode ser tão complicado…hoje nós temos 3 meninas fazendo o atendimento por telefone, sinceramente elas não são lá grandes gênios. Duas, na verdade, são estagiárias que ficam dando informações bem básicas…se elas fazem, não pode ser tão difícil para um robô, né?

-André (nessa altura ela até esqueceu o Sr. ou o “seu”), com a tecnologia é diferente. É muito complicado para os sistemas compreenderem a linguagem dos humanos, e além disso, saberem o que responder. É assim que as coisas funcionam. Isso requer um tempo razoável de serviço…

-Tá, eu sei que vocês da tecnologia gostam de fazer as coisas parecerem complicadas. Sabe, com a situação que a gente vive, todo mundo precisa pensar nas despesas, estamos tentando enxugar em todos os lados e se eu não precisar ninguém pra atender os clientes, já ajuda um pouco. Desse jeito que eu te falei, quanto custa o chatbot?

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