Do macro ao micro: fluxos conversacionais

Teoria, prática e conselhos de quem já errou.

Gabriel Simões
Bots Brasil
6 min readJul 16, 2023

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Duas mãos segurando peças de quebra-cabeça estilizados com a imagem de olhos, orelhas e boca.
O quebra-cabeça da comunicação. Fonte: https://br.pinterest.com/pin/392024342575506925/

Esse é um dos artigos de base da minha palestra no encontro presencial da comunidade Bots Brasil que aconteceu em São Paulo, dia 15 de Julho de 2023. Depois de ler, dá uma conferida 😄

Agora, vamos pro texto. Boa leitura!

O universo de design conversacional é gigante. Mas tudo acontece em prol de duas coisas: dar um retorno financeiro pra empresa e levar uma boa experiência pra pessoa usuária.

A essência do design conversacional é gerar conversas específicas e lógicas que se assemelham ao raciocínio de um especialista em negócios. (Chatting with Humans: User Experience for Chatbots, de Angela e Thomas Hathaway, p. 3 — tradução livre)

Tá aí. O desafio não é só construir uma conversa de chatbot que seja fluida, clara, objetiva e personalizada. Também precisa atender aos desejos e particularidades da empresa. Nosso objetivo é chegar ao resultado da soma usabilidade mais negócios.

Pra isso, vamos nos apoiar numa ferramenta chamada “fluxograma”, que a gente também pode chamar de “fluxo conversacional” ou “árvore conversacional”. No curso “UX Writing para Chatbots”, da arara school, William Magalhães resume sua função:

Os fluxos, ou árvores, são desenhos utilizados para definir a estrutura do seu chatbot. É por meio dele que você determina qual o caminho que o bot irá seguir, para onde ele deverá retornar em casos de erro, quais APIs o seu bot irá consultar etc.

Aqui, o fluxo conversacional vai ser usado em dois momentos: primeiro pra entender e alinhar o caminho a ser seguido e depois pra criar a conversa em si.

É sempre bom lembrar que o design é uma caixinha de ferramentas que devem ser adaptadas ao contexto, limitações e tempo disponíveis. Aplicar design é como ir pra Roma: existem vários caminhos. Tô aqui pra contar o caminho que eu gosto de trilhar sempre que possível.

O chatbot que vamos usar de exemplo vai ter a missão de contar uma piada pra quem interagir com ele. Se é piada ruim? Bom, aí depende de você.

Macrofluxo

A ideia nessa etapa é organizar o raciocínio e validar as possibilidades. Pra isso, vamos criar um fluxograma que ilustre as etapas que vão acontecer de acordo com as ações da pessoa usuária, especificações técnicas e regras de negócio.

Ou seja, a construção desse fluxo acontece em parceria com seus stakeholders. Pode ser o time de produtos, marketing, comercial, prevenção a fraude, crédito e cobrança, engenharia etc. Pensa em quem vai ser afetado com essa nova solução: pronto, essas são as pessoas que precisam participar desse momento.

Em nosso caso, vamos considerar que o macrofluxo do bot de piadas já está alinhado com a percepção de cada pessoa envolvida, tá?

Antes de começar, te aconselho a fazer uma documentação pra garantir a padronização do seu fluxo. Ah, e assim como toda regra pode ter exceções, todo padrão também pode, viu? Use o design pra te libertar, não pra prender.

Um padrão de design é uma solução reutilizável comum para um problema de design. (Redação Estratégica para UX, de Torrey Podmajersky, p. 59)

Conheço dois jeitos de fazer esse documento:

  1. Seguindo os padrões tradicionais de fluxogramas:
Uma tabela com duas colunas: a primeira com o formato do símbolo e a segunda com a explicação da utilidade dessa forma.
Padronização tradicional de fluxogramas. Fonte: https://blogdaqualidade.com.br/fluxograma-de-processo/

2. Criar seu próprio documento, adaptado às suas necessidades. E é exatamente isso que eu vou fazer pro nosso bot de piadas:

Documentação de componentes de um fluxograma feito de maneira adaptada as necessidades do produto.
Exemplo de documentação personalizada para nosso bot, feito no Figma. Fonte: o autor.

Inclusive, esse exemplo é adaptado do UI Kit da Blip, uma documentação completa que a empresa disponibilizou pra comunidade de design conversacional.

Nosso macrofluxo ficou assim:

Imagem de um fluxograma que descreve as etapas macro do chatbot.
Macrofluxo do bot de piadas, feito no Figma. Fonte: o autor.

Essa solução foi validada com as áreas envolvidas, e agora todas estão alinhadas e cientes do que esperar. Já podemos ir para a próxima etapa.

Microfluxo

Agora sim a habilidade de escrita da pessoa UX Writer entra em cena. Junte suas armas: tom e voz, Linguagem Simples, boas práticas de escrita, heurísticas, psicologia, pesquisas etc. Temos uma conversa pra estruturar.

Um parênteses rapidinho: gosto muito de um trecho do livro “Arquitetura da conversação: teoria das implicaturas”, de Roberta Pires de Oliveira e Renato Miguel Basso, que traduz o que o filósofo Paul Grice pensava sobre a arte de conversar:

A conversação, para Grice, se ancora na ideia de que não apenas somos seres que conversam, mas que fazemos isso naturalmente, sem qualquer esforço, e que, por trás de nossos proferimentos, há sempre uma intenção que queremos veicular e que queremos que nosso interlocutor capture.

Interessante, não é? Inclusive, se você ainda não conhece as máximas de Grice, clica aqui pra entender a importância delas pro trabalho de design conversacional.

Enfim, voltando pro nosso exemplo, é hora de colocar a conversação em prática.

Pra documentar essa etapa, você pode optar por manter os padrões do macrofluxo ou criar uma documentação mais detalhada sobre o sistema, como na imagem abaixo. Tudo vai depender, claro, do seu contexto.

Exemplo de documentação para WhatsApp. A imagem mostra vários componentes semelhantes aos da interface do aplicativo WhatsApp.
Detalhe da documentação de WhatsApp, feita no Figma, da Blip. Fonte: https://www.figma.com/community/file/1169345297673233179/UI-Kit-Take-Blip

Em nosso caso, vou utilizar a padronização que fizemos pro macrofluxo mesmo. Então, nossa conversa ficaria assim:

Imagem de um fluxograma que descreve as conversas do chatbot.
Microfluxo do bot de piadas, feito no Figma. Fonte: o autor.

Agora, a gente já poderia até testar essa conversa pra garantir que está tudo do jeito planejado. Vou deixar aqui um link pra você conhecer o teste Mágico de Oz.

Resumindo

Um produto só vai dar certo quando a gente entender que ele faz parte de um ecossistema complexo de pessoas, áreas e serviços que precisam participar ativamente desde o início do processo.

O macrofluxo tá aí pra isso: não deixar ponta solta. Quer dizer, pontas soltas sempre vão existir, mas agora você sabe que elas estão soltas e já tem um plano B. Ó que vantagem!

Você também vai evitar retrabalho na etapa do microfluxo, porque os cenários e limitações técnicas já foram estudados na etapa macro. Fica mais difícil do time achar alguma inconsistência depois que toda a conversa já foi escrita, por exemplo 😅

E sobre a documentação padrão pra essas duas etapas, aconselho fortemente que, mesmo que seja da forma mais simples possível, você invista um tempo nisso.

Eu já me descuidei e não dei tanta atenção pra isso e aprendi que um produto sem uma documentação mínima e atualizada é um produto doente. Pode ser assintomático agora — então ainda é fácil de recuperar— , mas se você ignorar, uma hora o sintoma vai aparecer. E aí você vai ver a documentação virar prioridade urgente no seu roadmap.

É raro, mas acontece muito.

Por hoje, é isso.

Se quiser bater um papo sobre o assunto, é só me chamar! 🥰

Aquele abraço!

Referências

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Gabriel Simões
Bots Brasil

Engenheiro e designer. Pós-graduado em UX. Falo sobre design e sociedade na UX Collective e sobre design conversacional na Bots Brasil.