O que aprendi reescrevendo um fluxo de chatbot

Sem ter ideia de como fazer isso

Nathália Aguiar
Bots Brasil
7 min readMay 25, 2020

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Unsplash @ekrull

Em um projeto que participei, a estratégia de conteúdo incluía o atendimento por chatbot. A ideia era que a assistente virtual estivesse presente em três canais: Facebook Messenger, WhatsApp e site da campanha.

O objetivo? Informar de maneira instantânea pais e estudantes de diferentes estados do país (concentrados no Norte, Nordeste e Centro-Oeste) sobre um programa da educação básica pública.

O fluxo deveria contemplar perguntas gerais, como o que é e como funciona, mas, principalmente, dar conta de informações específicas sobre matrículas em cada estado, com datas e processos próprios.

Aprender a pilotar voando

Com uma primeira versão em mãos, pensada pela equipe antes da minha chegada, fui encarregada de olhar com atenção para cada diálogo a fim de enxugar e melhorar o máximo possível o fluxo.

Para quem nunca trabalhou com chatbots, parecia legítimo não saber muito bem o que significava “melhorar o fluxo”. Fui atrás de exemplos que dialogassem com um perfil de público similar, como o Bahianinho das Casas Bahia e a Lu do Magazine Luiza.

Com prazos apertados e urgência em entregar o projeto, entendi durante o processo (no ciclo sem fim da escrita, observação e reescrita) que “melhorar o fluxo” queria dizer algo como otimizar etapas, tornar a conversa mais fluida, natural e humanizada.

A prática trouxe aprendizados valiosos — pelo menos para uma leiga no universo das interfaces conversacionais. Compartilho aqui alguns deles, como forma de registrar as minhas experiências nesse projeto e trocar figurinhas com quem entende do negócio.

Seu chatbot nunca estará pronto…

Unsplash @lunarts

É preciso começar com essa. Quem trabalha com escrita sabe do perigo iminente em cair numa egotrip. Às vezes rola um apego emocional com uma frase (ou parágrafos inteiros) que até dói chegar à conclusão de que é preciso cortá-la.

A gente sabe que não é nada pessoal. Não tem que ser bonito ou soar bem, tem que funcionar para quem está lendo. E isso fica ainda mais evidente quando se escreve para chatbot.

Logo na primeira homologação já tinha caído minha ficha que o dia de completar o checklist “fluxo do bot” jamais iria chegar. Estavam só começando os testes, as alterações e aprimoramentos. A minha agenda que se contentasse.

As interações mostravam que não dava para se acomodar e deixar rodando, há sempre o que melhorar. E isso nada tem a ver com a constante insatisfação dos perfeccionistas.

Nesse caso, é a pura constatação de quem lida com pessoas e suas múltiplas formas de comunicar necessidades e problemas.

A cada pequeno ajuste ou mudança estrutural, o mantra era o mesmo: transformar a potencial frustração da “falha” em oportunidade de se desafiar a pensar diferente com as novas pistas desvendadas. Funcionou.

… nem dará conta de tudo (ainda bem!)

A paz interior chegou quando entendi que o chatbot não tem a pretensão de resolver todos os problemas.

No começo dá vontade de abraçar o mundo, incluir subtemas e atender as mais variadas expectativas. Aí surgem ramificações infinitas num desenho tão monstruoso quanto ineficiente.

Não tem jeito senão priorizar, a partir da pesquisa e análise das principais dúvidas e lacunas daquele público a respeito do assunto.

Em determinado ponto é preciso redirecionar para o site, em outros pode se fazer necessário o atendimento humano. Nem tudo cabe no bot. E tudo bem.

Cada canal é um canal (e isso também vale para chatbots)

Ter levado em conta, ainda no início, as dinâmicas e recursos de cada plataforma fez a diferença no desenrolar dos fluxos.

No WhatsApp, por exemplo, já saberíamos, pelo código de área do usuário, de qual estado ele falava. Poupamos, então, a etapa de identificação do estado nesse canal.

Consideramos também que era mais fácil para a pessoa que estava no chatbot do site acessar mais informações por lá (do que receber os vídeos no meio do fluxo), enquanto no Facebook Messenger poderíamos incentivar o compartilhamento de publicações da página.

Adaptamos termos, bifurcações, mensagens de despedida, botões, linguagem e arquivos de mídia para que pudéssemos aproveitar cada canal da melhor forma — e proporcionar experiências nativas daqueles espaços.

Não dá para caminhar com pedras no meio do caminho

Unsplash @glencarrie

“Por que parou? Parou por quê?”. Em cada teste, as perguntas a la Moraes Moreira me ajudaram a entender a trajetória dos usuários. Até onde as pessoas chegam no fluxo? Está fazendo sentido para elas?

Descobri que entre o caminho pensado como ideal e as interações reais pode haver um abismo.

No projeto, um dos primeiros entraves percebidos estava lá no comecinho da interação, quando pedíamos para o usuário se identificar como estudante ou responsável. Nesse ponto, que consideramos crucial para o andamento da conversa, vimos que grande parte não prosseguia.

Fizemos mais alguns testes e concluímos que o comando, mesmo em forma de dois botões, não estava claro o suficiente para o usuário, principalmente no Facebook Messenger. Começamos a nos perguntar se realmente precisávamos dessa distinção no fluxo. Avaliamos que não.

Encurtar caminhos e simplificar virou regra. O que fazemos em 7 passos conseguimos em 5? E em 3? Seria possível em 2?

Mas facilita quando você indica o caminho das pedras

Não é só quando o usuário para no fluxo que temos um problema.

Muitas vezes ele pode até seguir, mas, sem orientação adequada, acaba se deparando com mensagens de erro por não ter respondido algo dentro do padrão esperado pelo bot.

Uma vez, investigando conversa por conversa, reparei num desvio que não conseguimos prever. Quando a assistente virtual perguntava sobre o estado do usuário, um número expressivo escrevia ‘Brasil’. O bot, então, respondia algo como “Desculpe, não entendi. Pode repetir?” O usuário repetia com o nome do país. E se frustrava novamente.

O que para nós parecia uma etapa simples, para uma parcela do público se mostrou uma dificuldade genuína. Havia a responsabilidade de não subestimar o usuário, mas também era preciso perceber quando o momento pedia para recuar e simplificar.

Trocamos a pergunta aberta por uma lista numerada com os estados participantes da campanha e “outros”, com orientação clara para identificar o número do estado correspondente. O bot entenderia caso o usuário digitasse o nome do estado, a sigla, o número ou os dois juntos. Deu certo.

Empatia é sempre muito bem-vinda. O exercício de olhar com os olhos do usuário e falar com a língua dele é igualmente indispensável.

No projeto, um dos desafios era a diversidade cultural e os regionalismos. Como dar conta das particularidades? Pesquisamos termos e expressões comuns a cada estado, e cuidamos para que a linguagem soasse a mais neutra possível, sem afetações paulistas ou palavras estranhas aqueles contextos.

Should I stay or should I go? Quem escolhe é o usuário

Unsplash @charlesdeluvio

A intenção do atendimento virtual é dar autonomia para o usuário descobrir respostas e encontrar soluções de maneira simples e instantânea. E se, no lugar, ele encontrar um labirinto sem placas de saída e de retorno?

Depois das perguntas iniciais, nosso usuário se deparava com um menu. Lá ele tinha clareza das rotas que poderia trilhar. Mas, ao começar por um caminho, não encontrava sinalizações de que poderia a qualquer momento regressar ao menu.

Queríamos que os usuários conseguissem explorar facilmente quantos tópicos quisessem, e não que parassem logo na primeira questão.

Para incentivar o engajamento e evitar o prolongamento de etapas, trouxemos o menu ao final de cada ciclo. Ou seja, assim que o usuário recebesse as informações sobre “atividades”, era convidado a se informar sobre “horários” ou “matrículas”, por exemplo.

O ideal era que as pessoas pudessem desistir da trilha escolhida a qualquer momento e voltar ao menu, mas a solução que tínhamos em mãos (por limites de tempo e tecnologia) conseguiu atender às expectativas. Não dava para forçar a barra e prender o usuário no fluxo eternamente, mas entendi que o nosso papel era deixar as possibilidades à mão, proativamente.

No mínimo, as pessoas são curiosas

Para a conversa fluir, é fundamental que bot e usuário se entendam, ainda mais em um chatbot baseado em regras e fluxos definidos, sem machine learning.

Por mais que haja um trabalho no design e na escrita para induzir modelos de resposta, as possibilidades são infinitas. Em afirmações positivas, por exemplo, consideramos o máximo de variáveis: do ‘sim’ ao ‘ok’, ‘tá’, ‘td bem’, ‘vamos’, ‘quero’, ‘continuar’…

Mas ficamos surpresos com o quão longe as pessoas podem ir. A ideia de interagir com um robô ainda desperta os mais variados sentimentos e reações. O que acontece se eu enviar um emoji? E se eu fizer tal pergunta, como o bot vai reagir? Será que é um robô mesmo?

Nossa assistente virtual recebeu vídeos e áudios aleatórios, fotos impróprias (inclusive lamentáveis nudes de um homem), declarações, xingamentos e interações de quem claramente só estava lá para testar todos os limites da tecnologia. Mesmo sendo um espaço para se falar sobre educação.

O manual de boas práticas é seu melhor amigo

Na correria do dia a dia, deixei escapar a oportunidade de documentar cada observação e análise decorrentes dos testes.

O que fizemos foi estruturar um guia de tom e voz, com do’s e dont’s, e coletar incontáveis capturas de tela, como forma de reportar falhas técnicas e solicitar modificações.

No final do projeto, tive clareza da enorme importância de se construir e alimentar um dossiê robusto com todas alterações e a evolução do chatbot.

Tanto para uso externo, como forma de ilustrar números e resultados para o cliente, quanto para uso interno, até porque também se pode aprender a pilotar em terra firme.

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